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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Epigrafia romana na região de Bragança - Sinopse sobre a evolução dos conhecimentos epigráficos

Não temos a pretensão – nem tão-pouco a oportunidade o exige – de esmiuçar a História, e as histórias, da investigação arqueológico-epigráfica da região de Bragança. Dizemos arqueológico-epigráfica porque, na maioria dos casos, é exactamente nesta união que se baseiam os contributos que por via de monografias ou, mais amiúde, por artigos foram sendo construídos, sobretudo desde a segunda metade do século XIX1. Vamos tentar, em traços largos, cingir-nos aos subsídios que mais directamente respeitam à epigrafia latina, de modo a que possamos ter uma pequena perspectiva dos esforços dos que nos antecederam no tratamento destas fontes.
Os mais antigos contributos relativos à epigrafia transmontana surgem pela mão de eruditos dos séculos XVII e XVIII que nos seus escritos vão compilando informações, quase sempre preciosas, sobre as antiguidades deste ou daquele sítio ou aldeia.
A primeira notícia sobre uma inscrição romana da região surge documentada, nos inícios do século XVII, no Jardim de Portugal (1626) de Frei Luís dos Anjos e refere-se ao achado de uma lápide (n.0 83) em Castrelos, no ano de 1591, aquando da abertura dos alicerces para uma capela. Esta notícia é reproduzida por Jorge Cardoso no volume 2 do seu Agiologio lvsitano (1657), no qual este autor, fantasiosamente, considera que o indivíduo que se memora nesta epígrafe funerária seria o procônsul Caio Semprónio Tuditano, referenciado por Tito Lívio.
O manuscrito de António Coelho Gasco intitulado Antiquário discurso dedicado ao ILL.mo e R.mo S.or D. Rodrigo da Cunha, arcebp.o de Braga, S.or della, Primas das Hespanhas, e elleito Metropolitano de Lisboa...2 (1627-1635), elaborado quando exercia os cargos de Juiz de Fora, dos Orfãos, e Capitão-mor na Comarca de Freixo de Espada-à-Cinta, transmite, por entre diversas alusões a antiguidades destas terras nordestinas – nas quais, naturalmente, se contam as epigráficas –, o texto da inscrição que observou em Carrazedo (n.0 10), interpretando-o, tal como faz relativamente à tipologia do monumento. Dos finais do mesmo século, data a Chronographia medicinal das Caldas de Alafoens (1696), da autoria do médico bragançano António Pires da Silva3, na qual, curiosamente, se descobre a primeira referência à ara dedicada pelo Ordo Zoelarum a Aernus (n.0 1).
Já no dealbar do século XVIII, Frei Agostinho de Santa Maria publica no tomo V do seu Santuário Mariano, datado de 1716, a primogénita menção às inscrições votivas de Cova de Lua (n.os 4 e 9), mas não as interpreta correctamente, considerando mesmo a votada a Bandua como epitáfio. Maior número de referências às antiguidades epigráficas terão eco numa importante obra de Joseph Cardoso Borges, Descripção topographica da Cidade de Bragança, escrita entre 1721 e 1724, na qual o autor integra um número considerável de textos, por vezes acompanhados do respectivo desenho da peça. Cardoso Borges, natural de Miranda do Douro, foi sargento-mor de Bragança, escrivão da Câmara de Bragança, fidalgo da Casa Real e escritor genealógico4, e elaborou esta obra a pedido de Frei Fernando de Abreu, encarregado pela Real Academia das Ciências de Lisboa de escrever a história da Diocese de Miranda. São dezoito referências epigráficas da região de Bragança presentes no seu manuscrito. De uma forma geral, estas menções, por vezes com evidentes deficiências de leitura, parecem ser dignas de crédito, ainda que num caso concreto (n.0 *1) seja notório que o autor sucumbiu à tentação de falsificação de um texto para corroborar a sua tese de que a cidade de Bragança teria sido na Antiguidade Juliobriga5; a este mesmo intento de demonstração do estatuto e grandeza de Bragança ao tempo dos Romanos, serviram outras inscrições, como a n.o 83, à qual dá a interpretação antes avançada por Jorge Cardoso, mas também as n.os 6, 17, 36 e 78, acerca das quais não temos, porém, motivos para não acreditar na sua veracidade. A maioria das inscrições por ele referidas encontra-se hoje desaparecida (n.os 4, 17, 36, 38, 43, 45, 51, 54, 78, 83, 89 e 137). Relativamente a algumas peças, ele próprio refere que as fez conduzir para Bragança, mas sabemos que esta intenção nem sempre foi concretizada, como o prova a ara de Babe (n.o 6) que acabou por ser redescoberta, em finais do século XIX, nessa aldeia; outras devem ter vindo, efectivamente, para esta cidade, talvez para a sua casa, como supôs F. M. Alves (1934, p. 54), e delas, até hoje, nada se sabe. Não se limitou este autor a registar a leitura das epígrafes que teve o ensejo de observar, mas também recolhe outras informações acerca de inscrições então desaparecidas, como se prova pelo texto da ara consagrada por Flaccus Vibonis (n.o 9), que tomou com subsídio de quem o tinha copiado para o Santuário Mariano, ou pela alusão ao miliário de Vinhais (n.o 131), lida num papel antigo que lhe haviam mostrado naquela vila. A importância deste trabalho é grande, servindo posteriormente de fonte para outros autores, nomeadamente para Cornide Saavedra – a fonte que seguiu E. Hübner no CIL, já que não encontrou a obra de Borges (cf. Alves, 1931, p. 53) – e para o Abade de Baçal que, atendendo ao relativo desconhecimento da obra de Joseph Cardoso Borges, publica uma resenha das lápides por elle apontadas (Alves, 1909, p. 349-356).
Ainda no final do século XVIII, Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, magistrado e sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa6, elabora a “Memoria sobre as Ruinas do Mosteiro de Castro de Avelans, e do Monumento, e Inscripção Lapidar, que se Acha na Capela-Mor da Antiga Igreja do Mesmo Mosteiro”– a ara dedicada pelo Ordo Zoelarum a Aernus (n.o 1) – que se publica, em 1790, no Jornal Encyclopédico e, três anos mais tarde, no tomo V das Memorias de Litteratura Portugueza; além daquele altar, refere também, e pela primeira vez, a metade superior de outro com a mesma proveniência e igualmente consagrado a Aernus (n.o 3). Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, no seu Elucidário, cuja primeira edição data de 1798, dá o texto da ara que refere o Ordo Zoelarum, bem como o da de Vinhais, votada a Júpiter (n.o 7).
A primeira metade do século XIX permanece como um vazio, tanto no que toca aos estudos arqueológicos, como, especificamente, no respeitante à epigrafia. É na segunda metade deste século que arrancam, verdadeiramente, os estudos regionais dedicados a estas temáticas, retomando-se as referências anteriores, mas encetando-se também um verdadeiro trabalho de aquisição de novos conhecimentos arqueológicos, ao qual se liga o estímulo de vultos da arqueologia nacional da época, como Martins Sarmento e Leite de Vasconcelos.
É por encargo de F. Martins Sarmento, de Janeiro de 1887, que o professor liceal José Henriques Pinheiro7 se desloca a Castro de Avelãs com o intuito de indagar se no adro da igreja permaneceriam as duas aras já conhecidas que referiam o deus Aernus; não tendo logrado encontrá-las, descobre, no entanto, a ara funerária de Proculeius Gracilis (n.o 75) no cemitério da aldeia. Pouco tempo mais tarde, por iniciativa pessoal, volta à aldeia, guiado pela “Memoria” de F. Ribeiro de Sampaio e pelos escritos de Viterbo e António Pires da Silva, dando conta de que a ara dedicada pelo Ordo Zoelarum havia sido extorquida à paróquia, levada para Bragança e transformada em urna decorativa, e redescobrindo a outra ara, que acabará por adquirir. Face a este sucesso e ao reconhecimento do interesse arqueológico da Torre Velha e das Terras de S. Sebastião, Pinheiro acaba por iniciar, nesse ano de 1887, uma (única) campanha de escavações, patrocinada pela Sociedade Martins Sarmento.
Destes trabalhos são exumadas diversas epígrafes funerárias (n.os 32, 64, 65, 96, 101 e 121) e dois miliários (n.os 127 e 129) que se encontravam reutilizados como sarcófagos. À excepção das epígrafes viárias, todas as outras, mais a ara adquirida por Pinheiro, virão a integrar o espólio da Sociedade de Guimarães, permanecendo aí depositadas.
Os trabalhos arqueológicos realizados em Castro de Avelãs, sobre os quais J. Henriques Pinheiro (1888) publica um relatório na Revista de Guimarães, tiveram extensa repercussão na cidade de Bragança e na comunidade intelectual do País, ao ponto de o Governo de então incumbir Borges de Figueiredo de fazer o reconhecimento das ruínas que estavam a ser escavadas. Dessa indagação resultou mais um relatório e um artigo publicado na Revista Archeologica e Historica com o título “O supposto Brigantium em Castro de Avellãs” (Figueiredo, 1887) – por sinal, pouco elogioso para Pinheiro8 –, no qual são analisados os resultados obtidos e apresentadas leituras do material epigráfico observado, bem como de mais duas inscrições encontradas em Sacoias (n.os 25 e 56).
No rescaldo dos trabalhos que desenvolveu em Castro de Avelãs, Henriques Pinheiro acaba por descobrir e publicar na revista vimaranense (Pinheiro, 1889) mais duas inscrições: a inscrição honorífica de Gostei (n.o 12) e uma epígrafe funerária de Lagomar (n.o 57).
O próprio F. Martins Sarmento9 estuda os materiais epigráficos de Castro de Avelãs que dão entrada no Museu da Sociedade homónima, criado em 1885; fá-lo em dois títulos distintos, saídos na Revista de Guimarães (Sarmento, 1887) e na Revista Lusitana (Sarmento, 1887-1889).
Entretanto, havia sido publicado, já em 1869, o volume 2 do Corpus Inscriptionum Latinarum, relativo às Inscriptiones Hispaniae Latinae, elaborado pelo conceituado epigrafista alemão Emil Hübner. Neste volume integraram-se as inscrições bragançanas que até ao momento eram conhecidas, servindo, indirectamente por via de Cornide, a obra de Cardoso Borges como fonte fundamental para este corpus, no qual a maioria das inscrições vem apenas referida ao ager Brigantinus. O supplementum a este volume data de 1892 e nele se integram já as inscrições de Castro de Avelãs e Sacoias, entretanto dadas a conhecer por Pinheiro e Borges de Figueiredo, bem como uma nova leitura para a inscrição CIL II 2607, a ara incompleta de Castro de Avelãs10.
O trabalho fundamental do professor de Francês e Desenho do Liceu de Bragança, Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga..., no qual também se incluem os artigos já citados, acabaria, contudo, por só ser publicado em 1895, e foi, como o título indica, dedicado à temática da viação romana; retoma aí o estudo das epígrafes viárias anteriormente publicadas – que na altura se encontravam na cerca da Escola Industrial de Bragança –, além de, ainda, dar a conhecer uma epígrafe funerária de Sacoias (n.o 35). É a ele que se deve em Bragança o gosto pelos estudos arqueológicos, em que muito trabalhou, diz-nos F. M. Alves (1931, p. 412).
Este gosto passará, efectivamente, a fervilhar dentro de um conjunto de notáveis bragançanos, dos quais destacamos (também pelo seu papel na divulgação epigráfica), para
além do próprio Francisco Manuel Alves (Abade de Baçal), Albino Pereira Lopo e Celestino Beça. É a partir da década de 90 que o seu afã se sentirá mais forte. José Leite de Vasconcelos passará a ser para estes homens a figura que, a partir de Lisboa, apoia as suas andanças, dando-lhes voz nas páginas do Arqueólogo Português. Este insigne erudito esteve, por várias vezes, em solo transmontano e publicou alguns títulos relacionados com a província, mas no que respeita às novidades epigráficas da região bragançana preferiu sempre que fossem os próprios ilustres locais – referimo-nos especialmente a Lopo e a Alves – a assinar artigos sobre a matéria nas páginas da revista que dirigia, a que ele amiúde acrescentava pequena adenda crítica. Nas Religiões da Lusitânia (Vasconcelos, 1905, 1913) acaba por tratar algumas das inscrições bragançanas: por um lado as votivas então conhecidas, por outro algumas das funerárias, valorizando o simbolismo da sua iconografia. Deste relacionamento com os eruditos bragançanos resultou, também, a transferência de algumas peças arqueológicas para o Museu Etnológico Português, entre as quais se contam as n.os 88 e 94.
Em 1897, foi inaugurado o Museu Municipal de Bragança, cuja direcção foi confiada ao coronel A. Pereira Lopo, o homem que mais havia pugnado pela sua criação, nomeadamente através de artigos na imprensa local (cf. Alves, 1934, p. 1; Lemos, 1993, Ia, p. 54).
O Museu passou a servir como catalisador dos estudos locais e do interesse geral a que se assistiu na sociedade bragançana pela salvaguarda do património, mormente o móvel.
Desde essa data, deram entrada no Museu inúmeras epígrafes que iam sendo dadas a conhecer nas páginas dos jornais locais e das revistas da especialidade, principalmente no Arqueólogo Português. Mais tarde, por volta de 1927, os seus fundos passam a integrar o novel Museu Regional de Obras de Arte, Peças Arqueológicas e Numismática de Bragança, cuja criação data de 1915 (Alves, 1934, p. 1)11.
Albino Pereira Lopo12 é, desde 1896, colaborador, quase que assíduo, da revista do Museu Etnológico Português, tendo nela publicado mais de uma dúzia de artigos dedicados à epigrafia bragançana (Lopo, 1897a, 1897b, 1898, 1900a, 1900b, 1901a, 1901b, 1903, 1906, 1907, 1908a, 1908b, 1909, 1920); apenas por duas vezes preferiu a Portugalia para dar à estampa artigos sobre a mesma temática, mas só um deles se refere à nossa área de estudo (Lopo, 1908c). Em 1900, publica Bragança e Bemquerença, obra em que também inclui referências epigráficas. Os seus Apontamentos arqueológicos, compilação de informação que, em parte, já havia sido publicada nos muitos artigos dispersos que assinou e na monografia sobre Bragança, só postumamente (em 1987) serão editados.
Outra figura cimeira dos estudos arqueológicos e epigráficos regionais é, incontestavelmente, o Abade de Baçal13. O seu interesse pelas questões da arqueologia funda-se no entusiasmo contagiante que emanou dos trabalhos de Henriques Pinheiro realizados em Castro de Avelãs, bem como na fundação do Museu Municipal (Brandão, 1965), para nunca mais parar até à sua morte, nos anos 40. Nas páginas do Arqueólogo Português (Alves, 1908, 1910a, 1913, 1915, 1916, 1918, 1925-1926) e da Revista de Arqueologia (Alves, 1936-1938) publica vários artigos em que dá a conhecer novas inscrições bragançanas, mas será, sobretudo, na sua monumental obra, Memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança, que mais escreverá sobre a epigrafia regional. Esta temática distribui-se desordenadamente por vários volumes (1, 9-11), mas é sobretudo no tomo 9 (1934) que ela tem mais impacto; nas primeiras páginas deste, o autor publica um catálogo das Lápides do Museu Regional de Bragança, antecedido de algumas considerações dedicadas à apresentação do Museu e ao elogio dos devotados regionalistas que haviam contribuído para o enriquecimento do seu recheio, entre 1925 e 1932, bem como à interpretação das estelas discoides, abundantes na esplêndida secção de epigrafia do Museu, a qual ele próprio considerou a melhor dos museus de província portugueses (Alves, 1934, p. 14)14.
O contributo do major Celestino Beça15 é, pelo menos do ponto de vista bibliográfico, incomparavelmente mais modesto; no tocante à epigrafia bragançana, destaca se o artigo póstumo publicado no Arqueólogo Português, por intermédio do Abade de Baçal que o intitulou “Estudos arqueológicos do Major Celestino Beça” (Beça, 1915), basicamente dedicado à via romana entre Chaves e Castro de Avelãs.
Nos volumes 8 e 9 da Ephemeris Epigraphica, datados de 1899 e de 1913, respectivamente, em que se organizam os Additamenta noua ad corporis uolumen II, incorporam-se as inscrições então conhecidas e que ainda não tinham integrado o volume 2 do CIL. Entre elas, a ara e o miliário de Adriano aparecidos em Babe, que também haviam merecido, sobretudo por mercê das dificuldades interpretativas que encerravam, a sua inclusão no opúsculo Cartas sobre epigraphia romana que se editou em Braga (Belino, 1898).
Entretanto, as epígrafes que haviam dado entrada no Museu da Sociedade Martins Sarmento vão ser objecto de novas publicações: em 1901, o padre Oliveira Guimarães publica na Revista de Guimarães as peças expostas nos claustros do Museu, em artigo intitulado “Catálogo do Museu Archeológico”, e, posteriormente, em 1935, o coronel Mário Cardozo dá à estampa a primeira edição do Catálogo do Museu Martins Sarmento, 1.a parte: secção lapidar e de escultura 16.
Com a morte do Abade de Baçal assiste-se ao fim de uma fase profícua nos estudos regionais em que a epigrafia latina e a temática viária tinham a maior preponderância. Do ponto de vista da epigrafia dá-se uma estagnação quase completa até aos anos 80. Destacamos apenas dois pequenos trabalhos pontuais que visaram a epigrafia bragançana: um artigo de Lereno Barradas publicado na Revista de Guimarães, versando sobre a viação romana das regiões de Chaves e Bragança, e que embora se baseie na epigrafia viária regional, não lhe faz a revisão que se impunha (Barradas, 1956); e um outro artigo, assinado por D. Domingos de Pinho Brandão17 na Beira Alta (Brandão, 1960), dedicado às quatro epígrafes provenientes da aldeia de Nogueira que hoje se conservam na Casa do Adro, em Viseu.
A criação da revista Brigantia, nos inícios da década de 80, permitiu quebrar este período de abrandamento na publicação de novidades epigráficas. Destaca-se o labor de Belarmino Afonso, o director desta publicação periódica, que em diversos volumes divulga achados epigráficos da região (Afonso, 1981, 1985, 1986, 1989, 1990); António Maria Mourinho18 assina aí dois extensos artigos sobre a epigrafia do entre Douro e Sabor aparecida após a morte do Abade de Baçal, em que também refere o achado de uma estela de Castrelos, entretanto divulgada num jornal bragançano (Mourinho, 1986, 1987). As novidades publicadas por esta revista acabam normalmente por ser transcritas nas páginas de repertórios como L’Année Épigraphique (AE) ou Hispania Epigraphica (HEp); também na revista Euphrosyne são habitualmente retomadas por M. M. Alves Dias, na sua série de artigos intitulados “Para um repertório das inscrições romanas do território português”.
Continuam a desenrolar-se os trabalhos de preparação da nova edição do volume 2 do Corpus Inscriptionum Latinarum que têm, desde 1980, o concurso de uma equipa internacional, que, para a região a Norte do Douro, conta com a participação de P. Le Roux e A. Tranoy (Encarnação, 1997a, p. 463-464); estes investigadores são, além do mais, autores de diversos trabalhos (Tranoy, 1980, 1981, 1984a, 1984b, 1986; Le Roux, 1982, 1992; Le Roux e Tranoy, 1973, 1984) que, directa ou indirectamente, abordam questões da epigrafia bragançana, e que permanecem como fundamentais.
Radica nos anos 80 o arranque do projecto de estudo do povoamento romano de Trás-os-Montes Oriental, realizado por F. Sande Lemos no âmbito da sua dissertação de doutoramento (Lemos, 1993), que, no plano epigráfico, tem como principal virtude o estabelecimento da relação entre os achados epigráficos, uns conhecidos e outros inéditos, e o contexto arqueológico a que pertencem. A epigrafia votiva foi integralmente compilada por José Manuel Garcia (1991) num volume de aditamentos e observações às Religiões da Lusitânia de J. Leite de Vasconcelos. Mais recentemente, surgiram dois trabalhos que se destacam, não só, mas também, pelo seu carácter de corpora: um é a tese de doutoramento de Sonia García Martínez, La romanización de los conuentus Asturum, Bracaraugustanus y Lucensis: su estudio epigráfico (1996a), que, relativamente à região de Bragança, apresenta o conjunto das inscrições até então publicadas, baseando-se, sobretudo, nos trabalhos do Abade de Baçal e de Sande Lemos; o outro é a obra de A. Rodríguez Colmenero, Aquae Flauiae, I: fontes epigráficas da Gallaecia meridional interior (19972), que trata, ainda que não de forma exaustiva, a epigrafia bragançana descoberta a ocidente do rio Sabor. Aquela autora também tem vindo a publicar na revista Brigantia um conjunto de artigos que decorrem do trabalho que referimos, mas que enfocam apenas a realidade epigráfica do Nordeste transmontano (García, 1996b, 1999a, 2000). Em 1997, nós próprios publicámos um conjunto de epígrafes da região de Bragança no Ficheiro Epigráfico (Redentor, 1997). Em 1998, surge um contributo que consideramos inovador: um artigo de M. Navarro Caballero (1998) relativo à classificação tipológico-cronológica da epigrafia esteleforme dita de tipo “Picote”, publicado no Boletín del Seminario de Estudios de Arte y Arqueología.
Apesar desta súmula de contributos, verifica-se que, afortunadamente, continuam a surgir com frequência novos achados, como provam as epígrafes inéditas que incluímos neste trabalho; mas, ainda assim, sentimos que, para além da falta de um estudo de conjunto sobre este manancial epigráfico, muitas das inscrições já conhecidas necessitavam de uma urgente revisão de leitura, para além de uma descrição mais pormenorizada.
NOTAS
1 Como introdução à história da investigação arqueológica em Portugal, pode consultar-se F. Sande Lemos (1993, Ia, p. 33-72), que também oferece uma perspectiva mais detalhada da evolução da investigação arqueológica em Trás-os-Montes.
2 O texto deste manuscrito, depositado na Biblioteca da Universidade de Coimbra, foi publicado nas primeiras décadas do século transacto por A. Cruz (1935). Nesta mesma publicação explanam-se os dados da sua biografia (?-1666) e respectiva produção bibliográfica.
3 Acerca deste notável bragançano (1622-?), pode consultar-se a nota biográfica escrita por F. M. Alves (1931, p. 528) no tomo 7 das suas Memórias.
4 F. M. Alves dedica algumas linhas à sua vida (?-1745) e obra nos tomos 6 e 7 das Memórias (Alves, 1928, p. 197-198, 1931, p. 51-53)
5 Acerca desta problemática em redor das origens da cidade de Bragança, podem consultar-se as judiciosas observações de F. M. Alves
(1909, p. 1-10) que, elucidativamente, intitulou: A Juliobriga não corresponde à Bragança actual de Traz-os-Montes.
6 F. M. Alves traça a sua biografia (1751-1812/14) e arrola a sua produção literária no tomo das Memórias que dedica aos Notáveis (Alves, 1931, p. 476-478).
7 Henriques Pinheiro (1835-1904) foi biografado por F. M. Alves (1931, p. 412-413).
8 Naturalmente, esta intervenção não deve ter sido do agrado de J. Henriques Pinheiro, como se pode perceber, por exemplo, do remoque a Figueiredo exarado em trabalho posterior (Pinheiro, 1895, p. 71).
9 A faceta de epigrafista de F. Martins Sarmento (1833-1899) foi recentemente tratada por Sonia García Martínez (1999b).
10 Continua proveitosa a consulta de J. Leite de Vasconcelos (1901a) no que respeita à importância da obra de Hübner (1834-1901) relacionada com Portugal; sobre a importância do trabalho deste epigrafista relativamente ao conjunto do espaço ibérico e a sua biobibliografia, será fundamental a leitura de P. Le Roux (1984).
11 A designação de Museu do Abade de Baçal (MAB) foi-lhe conferida em 1935 (Santos, 1994, p. 11).
12 Vejam-se alguns elementos bio-bibliográficos sobre este ilustre transmontano (1860 1933) nas notas à edição dos seus Apontamentos arqueológicos (1987).
13 Acerca da sua bio-bibliografia (1865-1947), pode consultar-se A. Branco (1997); será também útil a consulta da colectânea de textos incluídos no catálogo da exposição Abade de Baçal: cinquentenário da morte (Jacob, 1997), promovida pelo Museu do Abade de Baçal, no qual também se inclui um rol exaustivo das suas obras. Da figura do Abade de Baçal como epigrafista, tratou recentemente J. d’Encarnação (1999b).
14 Estas primeiras 92 páginas do tomo 9, às quais se acrescentaram mais duas (p. 93-94, integrando as epígrafes n.os 58 e 59), haviam sido editadas no ano anterior (1933) sob o título de Guia Epigráfico do Museu Regional de Bragança; em 1976 foi reeditado, desta vez com o título de Guia epigráfico do Museu do Abade de Baçal.
15 Com vista à caracterização da sua vida (1848-1910) e obra, pode consultar-se F. M. Alves (1915, p. 74-80).
16 Tem duas edições ulteriores, datadas de 1972 e 1985, com o título de Catálogo do Museu da Sociedade Martins Sarmento: secção de epigrafia latina e escultura antiga.
17 Acerca do epigrafista D. Domingos de Pinho Brandão (1920-1988), veja-se J. d’Encarnação (1984).
18 Para a bio-bibliografia de A. Maria Mourinho (1917-1996), veja-se A. Mourinho (1995).

Armando Redentor
TRABALHOS DE ARQUEOLOGIA; 24
COORDENAÇÃO EDITORIAL
António Marques de Faria
TRADUÇÃO DO RESUMO
Katina Lillios
DESIGN GRÁFICO
www.tvmdesigners.pt
PRÉ-IMPRESSÃO E IMPRESSÃO
Facsimile, Lda
TIRAGEM
500 exemplares
Depósito Legal
158769/00
ISSN 0871-2581
ISBN 972-8662-06-8
Instituto Português de Arqueologia
LISBOA
2002

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