Sé de Miranda |
Parece, a julgar pela carta abaixo transcrita do bispo de Miranda, datada de 15 de Dezembro de 1547, que foi ele o arquitecto da Sé de Miranda. Por outra do mesmo bispo, de 18 de Março de 1548, mostra-se que chegaram a Miranda Jorge Gomes com os oficiais para a obra. No artigo Velasquez se diz dos privilégios concedidos a este em 1560 como empreiteiro da obra da Sé da cidade de Miranda.
«A Sé de Miranda, no estylo classico, é um monumento interessantissimo para a historia da arquitectura em Portugal, pois n’elle se observa já o estylo do renascimento italiano destituido de toda a influencia do chamado estylo manuelino», diz Sousa Viterbo abaixo citado.
Eis a carta desdobrada das muitas palavras em breve que apresenta:
«Sñor. – Aos XIII do passado receby a carta de V. A., que Gonçalo de Torralva me deu com o debuxo e apontamentos para a obra desta see de Myrãde: ho que tudo pratico comyguo e depoys com o dayam e beneficiados da se, de modo que todos ho entendemos e demays disto cordeo e abaliso [cordeou e abalisou, mediu] a dita obra por duas vezes em presença de todos e do corregedor e muytas pessoas da cibdade dos que andam na governãça della e de outras pessoas onrradas do povo e a todos pareceo bem, e como cousa ordenada per mãdado de V. A.
E porem todos beyjaremos as mãos a V. A. seja servydo mãdar que esta obra se asente de maneyra que a capela mor fique casy ao sul como Torralva dyra; porque sendo asy fica ho terreiro grãde, despejado e muy grãdioso como elle he e as portas e fronteria e magestade da obra: a vysta do dito terreyro e a vysta do principal da cibdade a da parte por donde commûmente vay a gente toda a ygreja e asy os estrangeiros que aquy vem, por que todos acudem a praça e da praça a ygreja que he o camynho dereyto por o terreyro e frõteria della, fazêdose como diguo, e fazêdose como esta a ygreja velha ficam casy escondidas as portas por não aver lugar abastãte por onde se extenda a obra sem derribar casas principays, ho que nã cõvem.
Mãde V. A. chamar a Gonçalo de Torralva pera se conformar delle disto e de outras muytas cousas e com sua emformação e com o papel em que vay tirada a cibdade vera muito craro ho que diguo.
Tambem parece a algûas pessoas que a ygreja se podera fazer alguo mays pequena sem yr contra a ordem do debuxo, porem cõforme a meos desejos espero em noso senhor que esta cibdade yra em muyto crecimento e que em vyda de V. A. avera tanta gente nella que V. A. folgue de se aver feyto a see do mesmo tamanho que esta no debuxo......
Tambem por ser esta terra fria parece incõveniente aver tantas janellas, porem mas fria he Salamãca, Burgos e Medina, e pera yso a vydraças, e quando depois de feyta parecerem muytas se podiam tapar as que convyer e fazeremse pequenas…… Pera se ynformar disto e dos preços dos materiaes e servidores e achegas mande V. A. chamar a Gonçalo de Torralva, porque fez en tudo muyta deligencia e mostrara os preços do que dizem dos que nysso pretendem ynteresse e do que costara cada cousa, e asy os contra preços que em a verdade parese se daram as ditas achegas, que seram, ao parecer, muyto menos: e com sua informação vossa A. fará muy grande mercê a esta cibdade e ao cabydo e a mym em que com muyta brevydade mande começar esta obra......
Torralva nestes dias se a mostrado em sua conversação ome manso, de bon juyzo e entendimento para o que convem a esta obra, se elle tomar a obra em o preço que convem parece omem pera yso; finalmente mandenos V. A. a elle ou outro que seja pera ysto poys la os a e seja loguo, e eu folguaria com este por sua mansidão e porque dá muy bem a entender he pratico desta obra e ate agora parece vertuoso: e porem nan sayba elle ysto por que se nan encareça.
E por que elle dos oficiais della se ande a encarecer parecendo-lhes que se desterram a vyr ca tan longe a soo esta obra, poderiam, sendo elles para yso, trazer cargo das obra que por acaso ofrecessem, syquer pera que nan se fezessem com o vagar do que neste castello se a feyto e faz, e ainda segundo a muytas pessoas tenho ovydo o vagar da obra de Freixo, etc. e pera ysto evytar, poys esta se se ade dar de empreytada, por amor de N. S. nos faça V. A. merce que nan nos mando feytores nem escrivãos della nem provedores dobras: nan se vay a tudo en oficiais e en mantimentos, porque os que de lla vyerem custaram muyto, e cá o cabydo e eu prosseremos conforme a como esta na creação da see......
Tambem lembro a V. A. que esta see e sua e he planta de suas mams e com seu favor e ajuda se ade fazer e por em perfeyção. Tem V. A. aquy hûa terça que dizem que rende XXX [30$000 réis] poco mays ou menos, da qual V. A. fez ja merce pera outras partes como pera Freixo: esta cibdade me advertio de fazer lembrança a V. A. que faça merce della a esta só pollos annos que for servydo pera ha obra della. Ho Spirito Sancto reyne sempre na alma de V. A. e lhe de luz como sempre faça a vontade de Deos, amen. De Myranda XV de Dezembro 1547. O bpo. de Miranda».
O mesmo bispo em outra carta, dirigida a el-rei e datada de Miranda a 4 de Fevereiro de 1549, pede-lhe que «emvie os mestres que am de fazer ha obra da dita see pera que a comecem logo, e...... e o mestre a quem se houver de dar a dita obra traga provisões e alvaras de V. A. necessarios, e assi tambem traga provisão de V. A. pera lhe ser entrege todo o dinheiro que hi ouver asi de deposito, como da fabrica».
Diz que o portador da carta é Jerónimo Pires «capellão e cantor de V. A., conego desta sua see de Miranda», na qual serviu de cantor desde o primeiro dia «que todos começamos servir esta see até ho primeiro de setembro do ano proximo pasado...... e por que este ano pasado foi mui seco nesta terra» adoeceu e pediu licença para ir convalescer a Lisboa, onde suplica a el-rei lhe faça mercês como suas boas qualidades merecem.
Em outra carta datada também de Miranda a 31 de Maio de 1549, diz-lhe:
«... Eu sam já importuno com os desejos de ver começada e acabada esta see, e estes me fazem cuidar tanto nos gastos que cada dia se oferecem á fabrica nos custos da obra da see, mormente fazendo-se pelo debuxo que V. A. mandou fazer, o qual he tam suntuoso que pertence mais pera templo e see que tenha um conto de fabrico e pera cidade de mais calidade que pera esta see e cidade, pera qual nos bastara fazer hûa see tan grande e tan lustrosa como a see de Evora, que vay assaz encarecida, fazendose pello estilo comum de outras sees e cidades antiguas e de muyta mais calidade que esta, e que se fará, respective, com pouco dinheiro nem os tempos presentes nem os vindoiros se vam dispondo pera começarmos obras tam suntuosas, que de mais de se não acabar em nosos dias nem de nenhum dos presente desta cidade, por falta de dinheiro, não sei quam licito sera fazer obra tam suntuosa, onde não he necessaria como aqui, e se podera dizer asaz sumtuosa de obra comum conforme a outras ygrejas catedraes de mais calidade.
Beijarei as mãos a V. A. querer ouuir a Julião dalva a quem sobre isto escreuo largo, o qual mostrara a V. A. hum debuxo que vai pera igreja de tres naves ficando enteira a torre e igreja que aguora estaa com acrecentar a dita igreja hûa pouca cousa que se pode mui bem fazer.
E bem sei que estaa V. A. tam afeito a debuxos e obras illustrissimas e tam sumtuosas que a de zombar e rir deste debuxo que lhe mostrara Julião dalva, que vay feito por mãos mui grosseiras e empotadas de trazer ho piquo e escada nellas, e porem deite V. A. os olhos as obras de sees mui antiguas e a perguntar pella see que aguora serue em Salamanca e em outras cidades de Castella, e parecerlhea que sobeja esta pera qui.
E sobre tudo notorio estaa que se a de fazer o que V. A. for seruido, e disso peço a V. A. por amor de nosso Senhor seja seruido mandar execuçam, e aja piedade derribar obra que custou mais de tres mil cruzados podendo seruir mui bem, e represente-se-lhe as necessidades de muitos gastos que alem da obra tera esta see sendo convertida de hûa igreja porochial mui desolada em see catedral».
Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança
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