Nos primeiros dias de Abril de 1917 foi recebida pelo Regimento de Infantaria 10 de Bragança, a ordem de mobilização de um Batalhão.
A 19, estava o Batalhão pronto para partir. “Grande foi a atividade desenvolvida nestes dias; mal se dormia com trabalhos que era necessário ultimar e que não podiam ser adiados”.
O comandante interino do Regimento, major Carlos António Leitão Bandeira (1), mandou publicar na Ordem de Serviço desse dia o seguinte despacho dirigido aos militares que partiam:
Neste momento solene que, em cumprimento do vosso dever ides partir para França, lutar pela defesa do Direito e da Liberdade, crede, soldados, vosso comandante até hoje, é com bastante pesar que deixo o vosso comando, certo de que em breve regressareis à vossa terra, ao seio das vossas famílias, com a satisfação do dever cumprido e depois de terdes mostrado ao mundo inteiro o quanto valem os soldados de Portugal. E é neste momento de comoção que, usando da competência que me confere o artigo 134º do Regulamento Disciplinar, vos louvo a todos pelo espírito de disciplina manifestado, correção e compostura mantida durante o período de concentração de que toda a cidade foi testemunha, e louvo em especial os senhores capitães Guilherme Correia de Araújo (2) comandante interino do 1º Batalhão, Francisco dos Inocentes, tesoureiro do conselho administrativo, António José Teixeira (3) e Augusto Adriano Pires (4), comandantes de companhia, alferes José Manuel Chiote (5), Norberto Amâncio Alves (6), ajudante interino do Batalhão, 1º sargento Tavares, que desempenhou o cargo de oficial de tiro e armamento, pela leal e ativa cooperação prestada ao Comando em todos os trabalhos respeitantes a mobilização, inteligência e cumprimento do dever que manifestaram no desempenho dos serviços a seu cargo.
No dia seguinte, 20 de Abril de 1917, o Batalhão de Infantaria 10 deixou Bragança, embarcando em dois comboios – um pelas seis horas da manhã, com as 1ª e 4ª Companhias e outro ao fim da tarde, com as 2ª e 3ª Companhias.
O efetivo do Batalhão que, depois de longo percurso e sob o comando do capitão mais antigo, comandante da 1ª Companhia, Carlos Augusto Vergueiro (7), chegava a Lisboa em 22, cerca da uma hora e que devia ser embarcado no vapor D (Bohemien) era constituído por 30 oficiais, 61 sargentos e 1138 cabos e soldados, num total de 1229 homens.
Foi este o pessoal que começou a embarcar às 3 horas e 45 minutos, acabando às 7 horas, com a melhor ordem e disciplina nesse dia 22 de Abril de 1917.
Nestes primeiros apontamentos sobre a presença do Batalhão de Infantaria 10 de Bragança na Flandres, como unidade integrante do Corpo Expedicionário Português (C.E.P.) temos seguido o relatório que o seu último comandante, major António José Teixeira, escreveu mais tarde, por imposição de uma determinação inserida na Ordem do Exército nº 4 de 19 de Novembro de 1920 e hoje depositado no Arquivo Histórico Militar (8).
No prefácio do longo texto de 244 páginas acompanhadas por croquis e desenhos sempre que necessário, o autor, como muitas vezes fará, exprime os seus sentimentos, tanto os que o invadem no momento da escrita, como aqueles que o acompanharam na hora a hora desta longa, atribulada e trágica estadia em terras de França.
Cumprindo o seu dever ao relatar os factos ocorridos com o seu Batalhão, o autor reflete:
Fica-me também a consolação de concorrer para ser levantado um monumento perdurável a quantos filhos do Distrito de Bragança deram os seus melhores e maiores esforços ao triunfo da Causa Mundial e à Glória da Terra Portuguesa.
Vai nele uma parcela da minha alma de transmontano e de soldado português, que prestou o mais humilde concurso aos seus irmãos em armas, acompanhando-os sempre nas venturas e nas desditas, chorando as mesmas lágrimas de saudade e acalentando as mesmas esperanças de vitória final.
E logo a seguir:
É uma crónica da ação de Infantaria 10 na Grande Guerra documentada o melhor possível, para servir de material a alguém que, mais tarde e com a competência exigida para trabalhos desta ordem, faça a história do movimento que abalou o mundo inteiro durante anos seguidos de infinita amargura.
Colocado pois, quase cem anos depois, perante o desafio deste meu camarada de armas, só poderei deixar-lhe não apenas uma palavra de tranquila compreensão pelo sacrifício que lhes foi exigido, mas também a certeza de termos retirado lições do exemplo que nos deram. Sem por isso deixarmos de escrutinar responsabilidades, comportamentos e obrigações de todos os envolvidos.
A ação de Infantaria 10, como a ação de outras unidades portuguesas e de centenas de unidades militares de todo o mundo, está hoje presente no labor de inúmeros historiadores que tentam compreender e explicar as razões, as formas e os efeitos de um tão longo e despropositado sacrifício exigido a toda uma geração de jovens, cujos cadáveres ficaram espalhados pelos intermináveis campos europeus, como símbolo de poderes incapazes de governarem pelo povo e para o povo. Os cerca de nove milhões de militares sacrificados, em que se incluem os 53 mortos e os 41 desaparecidos do BI 10, não podem jamais deixar-nos indiferentes, por mais que a história tenda a ser esquecida!
Este apontamento que aqui deixo é uma pequena homenagem aos soldados transmontanos, sobretudo da terra-fria, que outros foram mobilizados por outras unidades, tanto para a Flandres como para África, como reconhecimento do seu sacrifício e memória de um tempo de angústia e “infinita amargura”.
(1) Carlos António Leitão Bandeira (1872-1962), coronel, nasceu no concelho de Bragança. Esteve em Angola a partir de 1906, onde foi capitão-mor do Cuango. Comandou o Regimento de Infantaria 10, em 1917. Aderiu à revolta monárquica em 1919, vindo a ser preso na Relação do Porto.
(2) Guilherme Correia de Araújo (1880-1943), coronel, nasceu em Lamego. Fez parte do C.E.P. embarcando em Lisboa no dia 22 de Abril de 1917. Tomou parte na Batalha de La Lys, regressando a Portugal em Maio de 1919. Comandou depois o 3º Batalhão do Regimento de Infantaria 10.
(3) António José Teixeira (1879-1963), coronel, nasceu em Bragança. Durante a Grande Guerra esteve em Angola até final do ano de 1915 e participou no C.E.P., embarcando para França em Abril de 1917, como oficial do Batalhão de Infantaria 10, que acabou por comandar. Feito prisioneiro de guerra, regressou a Portugal em Dezembro de 1918 e desembarcou em Lisboa no dia 3 de Janeiro de 1919. Tomou parte nas operações contra os monárquicos em Trás-os-Montes. Atingiu o posto de coronel em 1936.
(4) Augusto Adriano Pires (1877-1924), capitão, nasceu em Bragança. Fez a maior parte da sua vida militar em Angola, onde permaneceu, com raros intervalos, desde 1906 a 1916. Colocado no Regimento de Infantaria 10 em 1916, veio a fazer parte do C.E.P., embarcando em Lisboa a 22 de Abril de 1917. Ferido e prisioneiro na Batalha de La Lys, acabou por regressar a Portugal em Maio de 1919. Voltou a Angola em 1919, onde veio a falecer.
(5) José Manuel Chiote (1873-1939) nasceu em Freixo de Espada à Cinta. Fez parte do C.E.P., embarcando em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Tomou parte da Batalha de La Lys e foi feito prisioneiro, tendo regressado a Portugal em Fevereiro de 1919. Colocado no Regimento de Infantaria 30, passou ao Regimento de Infantaria 10 em 1920.
(6) Norberto Amâncio Alves (1884-1944) nasceu em Figueira de Castelo Rodrigo. Esteve em Angola na campanha de 1914-1915, onde participou no combate de Naulila. Fez parte do C.E.P., embarcando em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Tomou parte na Batalha de La Lys, ficando intoxicado com gases. Regressou a Portugal em Agosto de 1918. Tomou parte nas operações contra os monárquicos em 1919. Voltou a Angola em 1923-1924.
(7) Carlos Augusto Vergueiro (1865-1936), coronel, nasceu em Bragança. Tomou parte na revolta do 31 de Janeiro de 1891. Esteve em Angola com a força expedicionária, de 1914 a 1915. Fez parte do C.E.P., embarcando em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Regressou de França em Abril de 1918. Combateu contra os revoltosos monárquicos no sul do distrito de Bragança em Fevereiro de 1919. Comandou o 6º Grupo de Metralhadoras em 1919.
(8) AHM/01/35/Cx1343: António José Teixeira, Infantaria 10 na Flandres. Assinado em 30 de Agosto de 1922. Sempre que neste texto não for mencionada outra fonte, as transcrições referem-se a este relato.
Revista CEPIHS (Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social Trás-os-Montes e Alto Douro), nº 4, Moncorvo, 2014.
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NEcessito de um email para lhe colocar algumas questões.
ResponderEliminarObrigada
Celina Fernandes
Boa noite.
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Cumprimentos.
Henrique Martins