Guerra dos Sete Anos - Em 1757 rebentou na América do Norte esta guerra entre a França e a Inglaterra, motivada aparentemente pela posse de alguns terrenos bravios, que em breve se estendeu a toda a Europa.
Em 1762 a França e a Espanha pretendem obrigar Portugal a sair da neutralidade que até ali havia conservado, e como este tentava seguir um sistema contemporizador, na primavera desse ano a província de Trás-os-Montes é invadida pelas tropas espanholas comandadas pelo coronel O’Reilly à frente de mil e oitocentos homens, que pôs cerco a Miranda do Douro, a qual se defendeu por espaço de três meses, sendo tomada no dia 9 de Maio de 1762, depois das duas horas da tarde, devido a um desastre.
No dia anterior, pelas sete horas e meia da tarde, devido a uma grande explosão que houve no paiol, onde arderam mais de mil e quinhentas arrobas de pólvora, arruinou-se completamente a torre de menagem e fortificações de defesa da praça, o que tornou impossível a sua resistência.
Nestas ruínas pereceram cerca de quatrocentas pessoas.
Não é bem averiguado se este facto foi acidental se devido à perfídia do governador do castelo, vendido aos castelhanos, que, como querem alguns, pusera fogo ao paiol fugindo em seguida para o acampamento inimigo.
Os castelhanos, depois de tomada a cidade, fizeram voar grande parte das muralhas que a explosão havia poupado, marchando em seguida sobre Moncorvo que, devido a outra fatalidade, igualmente lhes caiu nas mãos, sendo saqueada e devastada em Julho de 1762, bem como Bragança, que lhes abriu as portas sem resistência alguma. Aqui destruíram o forte de S. João de Deus, vulgarmente chamada «Forte de cavalaria», e parte das muralhas da Cidadela. Igualmente tomaram Outeiro e Freixil.
Marchou depois O’Reilly para a província da Beira, cuja raia devastou indo reunir-se às tropas do marquês de Sarria, que se formavam junto a Castelo Rodrigo, havendo mandado o governador de Galiza Mr. de Lacroix, guarnecer a praça de Chaves também caída em poder dos espanhóis.
Esta guerra terminou pelo tratado de Paris de 10 de Fevereiro de 1763 pelo qual a Espanha restituía a Portugal tudo o que lhe havia tomado.
Camilo Castelo Branco narra, sob a epígrafe «A rival de Brites de Almeida», um episódio interessante sucedido nesta guerra durante o cerco de Miranda, o qual tem por assunto a morte, com um espeto, dada por uma mulher desta cidade a um sargento espanhol.
Eis a descrição do desastre de Miranda do Douro, segundo um documento coevo:
«Aos 8 de maio de 1762, pelas sete horas e meia da tarde, tempo em que todo este reino de Portugal estava bloqueado em roda pelas armas hespanholas, esta provincia invadida e cercada esta cidade por um exercito de trinta mil homens, estando a atirar a artilheria do castello e revelins ao sovredito exercito inimigo, logo que descarregou um canhão, mais contiguo á torre grande, passados quatro ou cinco minutos rebentou o armazem da polvora, arruinando quasi todo o castello e fazendo duas brechas exteriores, uma para a parte do norte, por onde bem cabiam quinze homens, e outra para a do meio dia em correspondencia por onde cabiam nove, arruinando tambem a maior parte do castello para o oriente que entrava para a cidade e metade da torre grande, dando em terra com todo o edificio e officinas que dentro d’elle havia, em cujas ruinas falleceu muita gente, que a maior parte d’ella se não pôde averiguar quem era por se acharem queimadas do fogo que se alimentou com mais de mil e quinhentas arrobas de polvora.
D’esta gente que pereceu, muitos eram soldados, outros paizanos e ordenanças da terra que andavam trabalhando dentro do mesmo castello em menesteres que se lhes mandavam, e outros pessoas da cidade.
Não pude alcançar ao certo o numero de gente, mas averiguado por prudentes e feita a diligencia e inquirição possivel me parece falleceriam trezentas e cincoenta a quatrocentas pessoas assim no castello e suburbios como pelas ruas da cidade.
E para memoria mandei escrever esta declaração que com a lista das pessoas que abaixo vão carregadas assignei.
E não vão os nomes e patrias com mais individuação porque o não pude saber.
E tambem declaro que debaixo da brecha que faz cara ao meio dia estão mais de cem pessoas que as vi eu sepultar na ruina porque cazualmente me achava presente e quiz Deus livrar-me.
Dentro do donjão (torreão) ao redor do poço está tambem muita gente. Na ponte do terreiro, caminhando para a plataforma, junto ao castello, ficaram tambem muitos sepultados.
Na cortinha contigua á peça desbocada, que é de Josepha Simões, se enterraram setenta e tantas pessoas que nenhum se soube quem era e que com trabalho puderam tirar das ruinas.
Encheu-se quasi todo o cemiterio da Sé e dentro da Sé se sepultaram os que couberam, cujos nomes, conforme pude alcançar como tenho dito são os seguintes: (segue a relação que o autor não copiou).
Declaro tambem que a maior parte d’elles foram soccorridos com a absolvição que por mim e outros sacerdotes lhes foi dada e muitos tambem com a Extrema-Uncção, e alguns que vieram acabar de morrer deutro da Sé e no hospital com o Santissimo; e geralmente no mesmo instante levaram todos a absolvição.
No dia 9 depois das duas horas tomou posse da cidade o exercito hespanhol».
Na Biblioteca do Seminário de Bragança conserva-se um in-folio, encadernado em pergaminho de 242 folhas, intitulado Livro de Matrícula do Seminário de S. José de Miranda, e nele, folio 10, encontra-se: «a 5 de abril de 1762 foram despedidos os collegiaes por causa do ingresso dos hespanhoes n’esta provincia».
Memórias Arqueológico-Históricas
do Distrito de Bragança
Sem comentários:
Enviar um comentário