Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
A cidade de Piracicaba estava excitada. A notícia de que naquele domingo chegaria a “verba federal” para o pequeno zoológico municipal, transformou a cidade. O assunto, transmitido de boca em boca, movimentou a cidade. O zoológico só abria às nove horas da manhã do domingo. Defronte os portões do zoológico, uma multidão nunca antes vista, formavam de modo espontâneo e ordenada uma fila defronte do guichê de vendas de ingressos. De repente surgiu, do nada, vendedores de cachorro quente e pipocas e dois carrinhos de sorvetes. Seu Zé Modesto, porteiro vitalício, não estava compreendendo aquela multidão defronte do zoológico e imaginou que algo anormal estava por acontecer. Ciente de seus deveres, desempenhado há mais de vinte anos, telefonou ao prefeito, informando-o do que estava acontecendo. O Zé Modesto estava preocupado, pois na abertura do zoológico, só estariam presentes ele e a dona Geromina, uma italiana de mais de um metro e oitenta de altura e cem quilos de massa que trabalhava na bilheteria; o tratador e um guarda municipal, este raquítico e meio surdo, de nome Mirinho.
O prefeito, alarmado, achando tratar-se de alguma coisa planejada pela oposição, chamou o chefe de polícia militar, pedindo um destacamento, ainda ligou para a Rádio Difusora de Piracicaba, anunciando que a oposição estava fazendo uma reunião defronte ao zoológico. A Rádio Difusora chamou a estação de TV regional e repassou o recado. A TV regional fez um link com São Paulo e mostrou aquela multidão defronte ao zoológico. Todos os jornais tablóides da região enviaram, urgentemente, uma equipe com fotógrafos e jornalistas ao local. Um assessor de um assessor do ajudante do governo do estado de São Paulo disparou que estava havendo uma revolução armada em Piracicaba. O governador, que estava no Palácio da Boa Vista em Campos de Jordão, chamou a Guarda Nacional e invocou que as forças armadas deveriam dirigir-se imediatamente a Piracicaba para debelar a rebelião. Ordenou ainda que reforçassem a guarda do Palácio do Morumbi e todas as autarquias importantes. O presidente da República, em viagem pelos Emirados Árabes, fez apelo urgente para que a Segurança Nacional montasse barreiras defronte ao Palácio da Alvorada, para impedir que os revolucionários adentrassem o Palácio da Alvorada, em Brasília, ou às casas do Palácio do Buriti e Granja do Torto. As redes de televisão em boletins extraordinários davam notícia de que uma massa humana sem precedentes iniciava uma revolta em Piracicaba, que poderia alastrar-se pra todo o Brasil. A CNN tentou fazer contato com Piracicaba, mas o Zé Modesto não falava inglês nem espanhol e o contato com a CNN foi definida por ela, CNN, informando na rede mundial, que os revolucionários já haviam invadido o zoológico e tomado o poder e montado um “bunker” dentro da casamata, onde funcionava a Administração do zoológico. Chegaram três helicópteros, num deles estava o “Comandante Mário”, que relatava ao vivo para o âncora da TV Recorde, o Zé Luiz Antena, da invasão dos revoltosos na sede administrativa do zoológico. A cidade começou a entrar em polvorosa e a curiosidade aumentou. Chegava gente aos magotes, inclusive das cidades vizinhas: São Pedro, Sorocaba, Rio Claro, Limeira, Cravinhos, Santa Rosa de Viterbo, Charqueada... .
O Zé Modesto, apavorado com o barulho da turba que gritava, furiosa, defronte ao portão do zoológico:
- “Abre, Abre, Abre,....”!!!!!
Além do barulho dos carros e dos helicópteros, o Zé Modesto viu um soldado tentando arrombar o portão principal com um machado. O tal soldado estava obcecado. Zé Modesto foi então até o quadro de força, na esperança de desligar a energia elétrica do zoológico e acalmar a multidão. Mas, nervoso como estava e pelo fato de estar com um revólver numa das mãos, tocou sem querer com o revólver nos polos de fontes de energia, o quê provocou uma chama enorme e uma explosão, ouvida até cinco quilômetros distante dali. O choque que o Zé Modesto recebeu foi tão grande, que o revólver disparou todas as cinco balas. O pobre do Zé Modesto ainda conseguiu sair da cabine de força, mas andou poucos passos e caiu desmaiado, talvez pela enorme descarga elétrica recebida.
O âncora Zé Luiz Antena, comentando imagens ao vivo, bradou aos quatro cantos que o porteiro do zoológico foi assassinado pelas costas pelos rebeldes e mostrava as imagens gravadas ao vivo. Mostrou cerca de dez vezes em um minuto! (As imagens mostradas e os comentários foram levados ao ar também pela CNN, inclusive traduzindo as palavras do Zé Luiz Antena. Tais imagens ganharam o mundo).
Nessa altura, o pátio de estacionamento do zoológico já contava com mais de cinquenta mil pessoas. Tanques de guerra do Exército e pelotões de soldados do exército, distribuíam atiradores de elite entre os barrancos e tentavam conter a multidão, entre aturdida e curiosa.
Já era mais de oito helicópteros que passeavam suas câmeras nas jaulas dos animais; apavorados estes também pelo barulho. A SWAT estadual chegou ao local e afastou os “revoltosos” que estavam defronte à portaria do zoológico e explodiram, com bombas plásticas, os portões do zoológico e entraram, protegidos por escudos e máscaras de gás até onde estava o corpo inerte do Zé Modesto. Seu corpo foi envolvido em mantas térmicas e colocado sobre uma padiola e trazido às pressas para fora do zoológico, onde foi introduzido num ônibus/hospital das Forças Armadas, para os primeiros socorros. Nesse instante, entrou no recinto do zoológico, toda uma guarnição da Polícia Militar do Estado, cerca de cinquenta homens armados e protegidos com escudos, dezoito guardas municipais e a Swat, todos eles cobertos pelo pelotão do exército federal. Começaram então a fazer a varredura do zoológico; tudo filmado pelas câmeras e com TV transmitindo direto para doze países do mundo. Na redação do Jornal e TV, o Zé Luiz Antena disparava reclamações e exigia providências das autoridades civis, públicas e eclesiásticas, sobre como pode ter acontecido uma revolução dessas no nariz de todos, sem que ninguém houvesse percebido! Bradava também em querer saber o quê os rebeldes queriam e quais seriam suas intenções com aquela “Intentona”.
Depois de mais de três horas, extenuados, vagarosos e sem graça, todos aqueles militares saíam, um a um, de dentro do zoológico. -Não havia nem sinal de nenhum rebelde dentro do zoológico: absolutamente nada!
De posse dessa informação, vermelho de raiva, o Zé Luiz Antena resolveu comparecer pessoalmente ao “front”. Chegou de helicóptero, perseguido da massa, dos fotógrafos e câmeras de TV. Foi até o ônibus/hospital. Queria saber pela boca do Zé Modesto qual a razão daquilo tudo.
O Zé Modesto por sua vez já havia se restabelecido!
Ao seu lado, estava o vereador Goiabinha, do PV. Este último havia segredado ao Zé Modesto, que a culpa em parte dessa confusão era dele, pois ele havia falado para várias pessoas que encontrou nas ruas, tão alegre estava pelo fato, de que Piracicaba receberia naquele domingo a “primeira verba federal para o zoológico da cidade”; ora sendo o povo formado por pessoas muito simples, acreditaram que “verba federal” era um animal enorme e diferente de tudo que conheciam e assim tanta gente se dirigiu ao zoológico, dando início àquela confusão toda.
Esta história do vereador Goiabinha foi repassada ao Zé Luiz Antena pelo próprio e confirmada pelo porteiro Zé Modesto.
Difícil foi convencer o povo que queria adentrar ao recinto do zoológico, que não havia nenhum bicho chamado “verba”, federal ou não, naquele zoológico. A dispersão do povaréu foi feita aos poucos: primeiro os soldados do exército e seus tanques e viaturas com metralhadoras antiaéreas, depois a Swat, após os policiais militares e a guarda municipal. Em seguida, sumiram do local também os fotógrafos e jornalistas dos tabloides e pasquins regionais, depois foi a vez de o Zé Luiz Antena bater em retirada. Após o âncora de TV, todo o povo foi embora para casa.
Da repercussão local, nacional e internacional, não se sabe ao certo: a CNN se fez de desentendida e nunca mais falou da revolução em marcha no Brasil. Na verdade, nem meus amigos que moram em Piracicaba até hoje, como o Dirceu Berti, jamais falaram novamente nesse “causo”, nem os pasquins; ninguém!
-Mas que é verdade é; eu juro!
FIM
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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(Henrique Martins)
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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.
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