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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - MANUEL LOPES UM JUDEU DO TEMPO DA INQUISIÇÃO 2

No último texto ficámos na inquisição de Barcelona com o Manuel Lopes a dizer que as declarações feitas anteriormente eram falsas e que agora, sim, diria toda a verdade. Vejamos.

Confessou então que não nasceu no mar de Itália, mas em Portugal, na vila de Torre de Moncorvo, onde o batizaram. E que tinha 2 anos quando o seu pai morreu, em Mogadouro (1) e ele foi levado para Lebução, para casa de sua tia paterna, Isabel Cardosa, casada com Lopo Nunes.(2) Falou também dos irmãos, cuja existência antes negara.

Em Lebução, até aos 8 anos, frequentou a escola e aprendeu a ler e escrever, bem como a doutrina cristã. Depois, os tios foram-no introduzindo no judaísmo (3) e ele passou a frequentar as “juntas e congressos” que se faziam em casa dos mesmos tios e em que participavam outros cristãos-novos das suas relações.

Cumpridos os 12 anos de idade e catequizado na lei de Moisés, a tia mandou-o para Bragança, onde vivia um seu irmão, 7 anos mais velho, chamado João Ventura, em cuja casa ficou morando. João era tecelão de sedas, ofício que Manuel Lopes começou também a aprender. 

Em Bragança, com o irmão, viveu cerca de ano e meio. Nesse tempo, por 1696, reencontrou um segundo irmão, o mais velho de todos, chamado Luís Lopes Penha, que morava em Castela, em Benavente, metido no negócio do tabaco. Deslocou-se a Bragança, para casar com Ângela Gomes, filha de Manuel da Costa e, como “chefe” que era da família, para concertar o casamento do irmão João Ventura, com Beatriz Pereira, sua parente, da vila de Chacim.

E foi para Chacim que Manuel e João foram morar, casando-se este com a noiva citada, filha do falecido Bartolomeu Pereira. Ali ficaram morando por ano e meio, fabricando e vendendo sedas, com Manuel a cumprir as ordens do irmão.

Por 1697, deixaram Chacim e foram os três para Lisboa, levando também uma irmã de Beatriz, chamada Maria Manuela. Instalaram-se em uma casa da rua da Figueira, paróquia de S. Nicolau, “empregando-se em fazer chocolate e vender”.

Estando em Lisboa, Manuel Lopes teve oportunidade de assistir à celebração de um auto-da-fé, em 9.11.1698. Nele foram penitenciadas 39 pessoas, várias delas de Trás-os-Montes. Foi o caso de Francisco Rodrigues Coelho, o Riqueza, de alcunha, natural de Vimioso e morador em Bragança. (4) Tinha sido preso em 30.5.1698 e o processo decorreu em Coimbra, tendo sido condenado em cárcere a arbítrio e penitências espirituais. Certamente porque nos cárceres de Lisboa havia falta de prisioneiros para sair no auto, trouxeram-se, de véspera, os presos que estavam despachados em Coimbra, para que o auto-da-fé tivesse mais brilho e dignidade. 

Manuel Lopes havia conhecido o Riqueza em Bragança, morando ao cimo da Rua Direita, o qual era também conhecido pela alcunha de Cara de Renegado, “porque tinha muito má cara”. A respeito deste auto, contou Manuel que se realizou “no pátio sagrado, antes de entrar na igreja dos Domingos (sic), se levantou ali um tablado e adorno para a dita função”. (5)

Sobre o Cara de Renegado, diremos que, depois de sair penitenciado, se ficou a viver por Lisboa, e será um dos fugitivos do navio de Nª Sª la Coronada, juntamente com a mulher e 3 filhos.

Em Lisboa, entre os membros da nação vindos de Bragança, destacava-se João da Costa Vila Real, grande mercador. Manuel conhecera-o em Bragança, mas nunca privou com ele, nem entrou em sua casa. Em determinada altura, adoecendo o seu irmão João Ventura e passando alguma necessidade para sustentar a família, escreveu uma missiva para D. Leonor Nunes, mulher de João Vila Real, contando-lhe as suas necessidades e pedindo-lhe ajuda. E disse ao Manuel que fosse a sua casa levar-lhe a carta, como ele próprio contou:

- E com efeito, havendo ele levado à dita mulher o dito papel, logo que o leu, lhe deu a ele confessante alguns reais, para que os levasse a seu irmão; e lhe parece que voltou a ver a dita mulher para o mesmo efeito de socorrer o dito seu irmão, 3 ou 4 vezes mais, e o socorreu em cada uma delas com alguma quantidade, que não recorda qual foi; e muitas vezes a dita mulher, nas vésperas do sábado, enviava socorro ao dito seu irmão, por intermédio do seu filho mais velho, sem ter-lhe pedido então nada… (6)

Na primavera de 1699, Manuel Lopes reencontrou em Lisboa os tios que o criaram e muitos outros parentes, amigos e conhecidos de Lebução, Bragança e Chacim que, fugidos da inquisição, rumaram a Lisboa e, em 13 de abril, se embarcaram no navio Nª Sª La Coronada, com destino a Livorno. Disso falaremos adiante.

Eles próprios, o Manuel e o irmão, ainda em Chacim, terão sentido também apertar-se o cerco da inquisição e planearam a fuga para Lisboa e Livorno, o que aconteceu no ano seguinte. Veja-se a descrição dessa viagem, feita por Manuel Lopes na inquisição de Barcelona:

- Na cidade de Lisboa estiveram até ao ano de 1700 e embarcaram em um navio chamado Picaron e o capitão era genovês e não se recorda do nome nem do apelido. E do porto de Lisboa, passaram em 48 horas ao porto de Cádis e estiveram detidos na baía por causa do mau tempo e não desembarcaram e algumas vezes João Ventura seu irmão ia a Cádis buscar mantimentos. E do dito porto passaram à cidade de Almeria, Cartagena e Alicante, porque o capitão tinha nos ditos portos negócios e mercadorias. E também, no mesmo tempo, arribaram a Maiorca e em nenhum dos ditos portos desembarcou pessoa alguma da família do seu irmão. E desde Maiorca, rumaram a Génova. E do mesmo navio, sem saltar em terra, tomaram uma falua e se foram para Livorno, em companhia de outra família que, entre marido e mulher e filhos, seriam 6 pessoas, de cujos nomes não se lembra, que embarcaram ao mesmo tempo e ocasião no dito navio Picaron, no dito porto de Lisboa, quando embarcou a família do dito seu irmão João Ventura. (7)

A família referida, que com eles embarcou era a de João Cardoso Pereira, (8) de Chacim, a sua mulher, Isabel Cardosa Pereira e 4 filhos. E levavam com eles um rapaz de 8 anos, sobrinho de João Cardoso Pereira, chamado Gabriel Cardoso. Aportaram em Cádis e ali permaneceram algum tempo, acabando por falecer João Cardoso Pereira, “tendo-se confessado e recebido o viático pela mão do capelão do navio”. O cadáver foi a sepultar numa igreja daquela cidade espanhola. (9) E dele e dos que o acompanhavam ficou a descrição física, feita por Manuel Lopes, verdadeiros bilhetes de identidade. Vejam:

- João Pereira Lopes era alto de corpo cara redonda e cheia de carnes, olhos negros, com algumas brancas assim como a barba e cabelo, que era curto e liso, e teria 50 anos e ouviu dizer a sua mulher e filhas que havia sido mercador.

Isabel Pereira, sua mulher, era alta e magra, cara comprida e branca, olhos negros, assim como as sobrancelhas e o cabelo, este curto e liso, com algumas brancas, de 40 anos.

Maria Pereira, filha dos anteriores, era alta de corpo, cara larga e branca olhos negros e também sobrancelhas e cabelo, este comprido e liso, que seria de 18 anos (…) e lhe diziam que havia casado em Livorno, com um filho da terra, corretor de lonja…

Gabriel Cardoso, sobrinho de João Cardoso Lopes, de 6 anos de idade e altura correspondente à idade, cara comprida, morena, olhos azuis, cabelo preto.(10)

O barco seguiu viagem, acostando em Almeria, Cartagena e Alicante. Neste porto estiveram uns 15 dias. Ao zarpar, entraram dois novos passageiros: uma mulher e um seu cunhado. (11) Iam para a Itália, a tentar impedir que o marido daquela casasse com outra mulher. Manuel não fixou os nomes, mas isso não nos impede que os identifiquemos.

A viagem do navio Picaron terminou em Génova. Dali para Livorno, Manuel Lopes e os parentes alugaram uma faluca e com eles seguiram também os ditos cunhados que Manuel voltará a encontrar em Pisa, como adiante veremos. 

Notas:
1- A sua mãe tinha falecido 2 anos antes, possivelmente na sequência do parto de Manuel. 
2- Inq. Coimbra, pº 1145, de Lopo Nunes.
3- Pº 630, tif 95: - Começou a instruí-lo nos ritos e cerimónias dos judeus, advertindo-o e aconselhando-o que aquelas cerimónias e ritos havia de observar e guardar e não a doutrina cristã.
4- Inq. Lisboa, pº 18001, de Francisco Rodrigues Coelho.
5- Pº 630, tif 211.
6- Idem, tif 185-186. ANTT, inq. Lisboa, pº 2366, de João da Costa Villa Real: ANDRADE e GUIMARÃES – Nós, Trasmontanos… João (Abraham) da Costa Villa Real (Bragança, 1653 – Londres, depois de 1729), in: jornal Nordeste nº 1046, de 29.11.2016. Foi casado a primeira vez com Isabel de Sá, da família La Faia – Pissarro e segunda vez com Leonor Nunes ou Leonor da Costa, viúva de Luís Pereira d´Eça. A fuga de João da Costa Vila Real para Inglaterra, levando 17 membros da sua família, foi verdadeiramente espetacular.
7- Pº 630, tif 102-103.
8- João Cardoso Pereira era filho de Diogo Cardoso Nunes (pº 5724-C) e Maria Lopes, de Chacim.  
9- Pº 630, tif 110.
10- Idem, tif 163-165.
11- A mulher chamava-se Ângela e era filha de João Lopes, o Galego, de Chacim. A propósito diria Manuel Lopes: - E a dita mulher e seu cunhado, ao princípio que se embarcaram, tiveram o rancho entre a peça da artilharia e a praça de armas, onde como disse, ia ele confitente, seu irmão, Isabel Pereira (Cardosa) e sua família, e algumas vezes a dita mulher e cunhado entravam na conversação na dita praça de armas com os sobreditos, e passados alguns dias que estiveram entre a dita praça de armas e peça de artilharia, se separaram da dita praça de armas e dali foram com os demais até Génova.- Pº 630, tif 231

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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