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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Reencontros

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Na vida de cada um acontecem coisas insólitas que depois do nosso espírito se adaptar à novidade nos fazem refletir na nossa condição de humanos, seres que têm o privilégio de possuírem memória que tudo regista e guarda mais nitidamente ou com menos claridade. É na base desta verdade que nos é possível recordar factos passados e pessoas que conhecemos e quase sem pensarmos no espaço temporal revivermos momentos acontecidos há muito e com uma clareza de cristal.
Nos últimos tempos tem-me acontecido algumas, embora poucas vezes, reencontrar, gente que se dirige a mim e me faz a pergunta sacramental, não me reconheces? Fico embaraçado e faço um esforço mental, mas infelizmente quase nunca acerto. Depois quando o meu interlocutor me elucida, mencionando alguns pormenores, o meu espírito alegra-se, a ponto de não saber o que dizer, pois as memórias se mesclam e me é difícil dizer coisa com coisa em resposta ao momento.
Durante toda a vida que vai já adiantada me relacionei com pessoas de todas as idades e condições. A verdade é que nem com todos fiz amizade do peito. Eu como toda a gente tenho preferência por certos tipos de pessoas que acrescentem algo à minha passagem pela vida. Verdadeiramente as minhas preferências são pouco ou nada exigentes, bastando-me que a pessoa seja honesta, trabalhadora e respeitadora do seu semelhante. Os amigos que me tem calhado rever nos últimos tempos, são cultores destes princípios o que me faz feliz e achar que as minhas escolhas em coisas de amizade não foram o meu pecado.
Quando passei pelo Flórida tive, melhor, a firma teve, um grupo alargado de trabalhadores que eu considerava de primeira classe. Destes, que eram muitos, destacarei um que tinha a capacidade de ser o mais competente e simultaneamente o que mais problemas causava ao regular funcionamento do Restaurante. E era exatamente essa a razão porque eu gostava dele e sempre passei pela parte menos boa sem reclamar, pois estava certo que um dia ele pensaria seriamente e acabaria com o descaminho que lhe prejudicava a vida e a aceitação social. Em suma, ele estragava em duas horas o prestígio que angariava durante vinte e duas.
Chegado aqui é bom de ver que foi um tempo para ele em que a sua personalidade se afastou do caminho da sobriedade o que inexoravelmente o arrastava para o caos. Mas a parte boa prevaleceu sobre a má. Entretanto misturado com tudo isto teve um acidente de moto que o abalou fisicamente e teve um efeito avassalador na sua vida. Mas o homem tem uma capacidade grande de se regenerar e ele era possuidor dessa capacidade. Entretanto eu fui para Inglaterra e nunca mais o voltei a ver. No entanto a minha simpatia por ele não se esfumou, sempre que possível perguntava por ele, mas as notícias foram sempre dúbias. Nada de concreto. E eu sempre duvidoso do fatalismo com que algumas pessoas acham que a vida é pródiga, acertei.
Uma manhã do passado mês de Agosto, estava eu sentado na esplanada do Chave D' Ouro e vejo um Senhor vir do lado da Sé e parar diante de mim. Fiquei expectante e aguardei um pouco surpreso pois ele trazia um ar decidido na face. Sorriu e perguntou se eu era o Snr Fulano de tal? Respondi afirmativamente. Fez a pergunta sacramental: -Não me reconhece? Olhei atentamente e pensei ser algum meu camarada da tropa ou antigo amigo de Escola e decidi ser breve dizendo, não. Ele retorquiu, sou fulano que trabalhou consigo no Flórida. Fez -se luz na minha mente. Ali estava quase saído de um sonho um amigo que eu não via há quarenta anos e que eu recordava com frequência mas do qual não sabia se era vivo ou era já do lado oposto.
Abracei-o com alegria e foi aquele um dia feliz pois aqueles que nos acompanham na dureza da vida estarão sempre na nossa memória e sempre nos alegraremos de os encontrar. Fazem parte da nossa vida. 
Ora, depois desta introdução, vou direto ao tema que queria abordar, que é exatamente o escalpelizar todo o mistério que envolve este sentimento da amizade. É sentimento que outros animais e não só nós possuímos. A diferença é de que nós somos capazes de cultivar este sentimento racionalmente e de forma concreta mesmo que concluamos que somos capazes de amar e odiar. Este Verbo Odiar não consigo explicar o seu sentido na realidade por ser demasiado negativo do ponto de vista das relações humanas seja em relação aos nossos pares, bem assim como aos animais ou coisas. 
Diga-se em abono da verdade que eu nunca odiei ninguém nem nada exceto os atos criminosos, que não o indivíduo, que é agente executor do barbarismo.
O homem na sua marcha precisou de se adaptar às dificuldades da sobrevivência que o obrigou a praticar atos desumanos para dominar as feras e os cataclismos que o perseguiam dada a sua condição de mais fraco. Mas a Natureza por razões ainda desconhecidas deu-lhe capacidade de raciocínio que ele usou para dominar e quando o seu polegar se aperfeiçoou tinha já no seu entendimento da dificuldade que tinha em ser pacífico no meio de tamanha bestialidade. É esse período de modelação que se entranhou no seu ser e ainda hoje está latente na sua constituição genética, sendo que um grupo reduzido da humanidade, os criminosos, em inglês, Killers, possuem mais que os outros.
Mas se o que noutra época era uma arma natural e imperativa para sobreviver é também verdade que ele também é capaz através dos indivíduos que foram menos influenciados por essa hereditariedade, ser manso e operativo. É aqui que eu justifico a essência da beleza que é ser-se manso no sentido não absoluto do adjetivo, pois demasiada mansidão faria dele um parasita e o processo evolutivo teria terminado ali e o mundo não teria girado para lhe dar sol e lua para trabalhar e descansar e amar o próximo, mesmo que o não tenha visto durante quarenta anos ou para sempre conforme a sua existência seja curta ou longa.
Por essa razão eu apreciei tanto a visita do meu amigo dos tempos do Flórida e ontem tive o mesmo sentimento ao rever outro que não via há mais de trinta. Estou aos setenta e um anos de idade a compreender a razão por que se guarda amizade que dura uma vida. Não os reconheci à vista mas reconheci-os com o meu coração e a minha inteligência que herdei dos criminosos do princípio dos tempos, aperfeiçoados pelos milénios que ficaram para trás no tempo.

Moral da história: Todo o Homem é meu irmão!



Bragança, 04/12/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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