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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 9 de abril de 2022

Como era usado o lenço tabaqueiro?

 
O lenço tabaqueiro

Desde que o Homem sentiu a necessidade de se cobrir e agasalhar, começou a partir de folhagem e peles de animais por criar as peças de vestuário de que necessitava.

Caso pretendêssemos recuar a esse tempo na reconstituição dos usos e costumes dos nossos ancestrais, esse seria certamente o primeiro traje que nos caberia reproduzir.

Porém, à medida que as sociedades humanas evoluíram, foram surgindo novos hábitos e o vestuário deixou de constituir apenas uma necessidade básica para se tornar um meio de afirmação pessoal no contexto da sociedade como de comunicação.

O traje acompanhou a evolução da sociedade através dos tempos e a moda tornou-se uma indústria altamente rentável.

Se o advento da era industrial trouxe consigo a produção em escala e o pronto-a-vestir que teve como consequência a uniformização do modo de vestir em detrimento dos costumes locais, a chamada alta-costura procura actualmente satisfazer a necessidade de uma classe endinheirada que exige a produção de uma moda individualizada.

Os criadores de moda, não raras as vezes inspirados em motivos étnicos, dão voltas à cabeça para conceber uma nova peça de vestuário, por vezes tão arrojada quanto o grau de loucura de quem a encomenda.

Contudo, se o cliente se atrever a usar o vestuário de maneira inapropriada ou descontextualizada, corre o sério risco de ser-lhe diagnosticado um comportamento esquizofrénico.

Ninguém imagina certamente um agricultor, de fato e gravata, lavrando a terra ou um professor vestindo pijama na sala de aulas.

O lenço tabaqueiro nos grupos de folclore

Vem isto a propósito do uso que é dado ao chamado lenço tabaqueiro o qual, não raras as vezes, apresenta-se enrolado ao pescoço dos componentes masculinos de alguns grupos folclóricos.

Outros, porém, em meu entender de forma mais apropriada, optam por exibi-lo à cinta ou no bolso, como sucede com o Grupo Folclórico de Danças e Cantares de Mafamude, de Vila Nova de Gaia.

O lenço tabaqueiro surgiu entre nós, como um acessório, no início do século XVII, em consequência directa do consumo do tabaco. Este hábito foi trazido pelos espanhóis do continente americano.

O tabaco era consumido pelos povos indígenas que acreditavam nos seus poderes medicinais, razão pela qual o consumiam em ocasiões cerimoniais.

Uma vez introduzido na Europa, o tabaco era mascado ou aspirado sob a forma de rapé, tornando-se um hábito social que perdurou até aos finais do século XIX, altura em que se começou a generalizar o consumo do tabaco sob a forma de cigarros.

Caixas de rapé utilizadas no século XIX.

Das folhas de tabaco ao rapé

O consumo do rapé consistia em levar o tabaco em pó às narinas a fim de ser fortemente aspirado, gesto que invariavelmente provocava o espirro ou o pingo no nariz, sendo então considerado um óptimo estimulante nasal.

Esta reacção requeria naturalmente o uso de um pano, geralmente de algodão, para efeitos de higiene pessoal, o qual era então colocado à cinta ou pendurado no bolso.

Com o tempo, o rapé entrou em desuso e o lenço, por razões de decoro, passou a ser dobrado e guardado no bolso.

Este nada tem a ver com o costume entretanto surgido do uso de um lenço de seda ao pescoço, o qual se apresenta em substituição da secular gravata, nem tão pouco o lenço de cabeça outrora utilizado pelas mulheres.

Ao que tudo indica, foi em Alcobaça que em 1774 se instalou em Portugal a primeira fábrica de “lenços, cambraias e fazendas brancas”, ao tempo do reinado de D. José I, razão pela qual esse género de lenço também é conhecido por “O Alcobaça”.

Ao longo da sua existência, produziu uma grande variedade de padrões, sendo que geralmente apresentavam fundo vermelho, azul ou amarelo, com barras de diversas cores.

Compreensivelmente, tratando-se de um objecto de higiene pessoal, a ninguém lembraria enrolar ao pescoço o referido lenço que servia precisamente para assoar o nariz do efeito provocado pelo cheiro do rapé.

Apresentar com rigor não é imaginar!

Apesar disso, alguém teve imaginação para o fazer, dobrando-o ao meio e atando-o ao pescoço, gesto este que se multiplicou por numerosos grupos folclóricos que o assimilaram como se de algo genuíno se tratasse ou seja, ele fosse realmente usado ao pescoço do homem no século passado.

Quero dizer que os responsáveis não se deram ao trabalho de investigar, limitando-se a copiar aquilo que simplesmente os impressionou e pareceu bem.

Do ponto de vista etnográfico, não pode o traje com referência a uma determinada época e região em concreto ser apresentado de uma determinada forma ou ser-lhe acrescentado algo porque assim nos agrada.

Devemos, sim, limitarmo-nos a identificar como as pessoas realmente se vestiam, independentemente da eventual beleza e exuberância do vestuário que era usado.

Como tal, a forma como o lenço tabaqueiro é apresentado por alguns grupos folclóricos deve ser repensada!

Carlos Gomes, Jornalista, Licenciado em História

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