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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 16 de outubro de 2022

A Mulher duriense

 A obra assombrosa e sem medida que é o Alto Douro vinhateiro, é em si mesma uma absoluta homenagem à capacidade humana de fazer acontecer.
Ao longo de gerações, mulheres e homens que nunca foram meninas nem meninos, interagiram com a paisagem melhorando-a embelezando-a para nela e com ela ser possível o surgir de néctares dignos dos deuses do olimpo.
Cuidando mais das cepas que das vidas, estenderam uma imensa tela feita de montes pintados quem nem pintores com muitos cuidados. A poder de muita força e de muito suor escorrido sobre o xisto britado espalhado nos bardos, ergueram o sublime escadario que nos leva quase até ao céu.
Neste fazer e neste modo de ser, a Mulher foi e é a refusta que reforça o alinhamento, a gavinha que agarra os acontecimentos dando-lhe sentido e sentimento. No momento preciso e no local certo, a Mulher duriense esgravatava para pôr o pão em cima da mesa, com sabedoria mediava conflitos e deixava a sua marca na marcha das coisas em direção ao lagar.
Nos tempos de antes, buscava e acartava a lenha para a lareira no Lar, repartia as côdeas de pão e os pedaços de condoito pelos seus, dava força aos outros quando as suas mingavam. Acrescentava sempre ao que quase nada havia para que houvesse alguma coisa. Ponteava as meias com o mesmo empenho com que remendava os rasgos da vida.
Feitas as lides do lar ia cuidar das vides, não sem antes ir de cântaro à fonte suprimir-se de água. Na sua cabeça, a rodilha acomodava o cesto onde seguia a magra refeição para quem nos vinhedos já feitos ou a nascer mourejava à espera das uvas que Deus dava.
Indo buscar forças insondáveis dentro de si, labutava no granjeio e quando possível não se descuidava no asseio. Deitava os olhos aos seus. Cuidadosa, ensinava as coisas do mundo escasso que era seu. Educava a prole. Passava valores de valentia e de honradez.
Não esmorecia, ou pelos menos escondia. Na sua condição de serva ou de senhora, parecia sempre saber qual a hora. Quem nem uma bússola, apontava o Norte. Pouco acreditava na sorte. Por isso incentivava e trabalhava. Sorria quando por vezes lhe apetecia chorar. Era a vela na embarcação que sabia o porto de destino.
Quando nos caminhos da vida ora alegre, ora sofrida, surgiram encruzilhadas, desatava e fazia desatar. Influenciava os de perto que andavam longe a cuidar das coisas e das loisas, e que necessitavam de uma âncora e de um aconchego no regresso ao lar. Apesar de tudo ser um não acabar de aperreações, tudo se fazia para que sempre palpitassem os corações.
A Mulher do Douro amava e sabia amar. Dava, mas gostava de receber. Era grata, mas quase nunca ingrata. Sabia da sua missão de ajudar no erguer desta realidade assombrosa e ímpar.
Se as circunstâncias lhe exigissem ser timoneira não hesitava e tomava a dianteira.
Passava ela a comandar e a fazer as voltas que as vinhas exigem e que os vinhos pedem.
No Douro vinhateiro as mulheres que sempre foram senhoras jamais se tiraram de trabalhos e de cuidados. Guiaram caroças e camionetas, vindimaram, despejaram baldes, chegaram enxofre e sulfate, pelejaram fazendo em cada quotidiano um viver feito arte.
A Mulher do Douro foi e é tudo isto muito mais. Não foi somente ontem. No Douro vinhateiro o tempo não tem medida nem tempo para dar mais tempo pois o ciclo se repete. Feita uma vindima logo se pensa na que está para vir.
Lavam-se os cestos, mas não se arrumam as canseiras. Por isso a Mulher do Douro permanentemente se renova. Desponta e segue. Inteira e limpa para que como as parras coloridas habite na substância do tempo. Por isso foi o que é e será o que sempre foi.

Manuel Igreja

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