Um governo de cem ministros trabalha de noite e levanta-se às vinte horas, para ouvir o primeiro-ministro no telejornal, que os cidadãos não vêem. Cada gabinete tem cem funcionários, mas nenhum pode ser mais alto do que o seu ministro. São titulares dos Negócios Estranhos, da Propaganda, do Betão, da Apneia, dos Equídeos, das Boas Intenções… –, enquanto vendem a província ao estrangeiro.
Sobressai o da Alta Cultura ou do Verniz, octogésimo no elenco: compensa a humilhação do lugar com pentear-se e vestir vincadamente e, em cada inauguração, levar a tiracolo uma assistente, mais nova do que a anterior, até parecerem bisnetas.
Após 50 anos de sono e ignorância, ele será primeiro-ministro, ajudado pelo narrador, que, no incumprimento de promessas, se afasta, antes de chefiar um executivo sóbrio, visando o melhor governo, segundo Goethe: «O que nos ensina a governar-nos a nós próprios.»
Uma distopia? Sim. Tão séria, que se confunde com a realidade que nos calha tantas vezes em sorte.
…E, no quadro de uma literatura portuguesa educada e sem ‘graça’, o leitor perceberá como a ironia constrói uma obra inteligente.
Ernesto Rodrigues (Torre de Dona Chama, 1956) é escritor e professor universitário.
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