Espécie Em Perigo, a toupeira-de-água está a desaparecer silenciosamente. Portugal, Espanha, Andorra e França estão a preparar uma estratégia transfronteiriça para tentar travar a sua extinção.
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| Toupeira-de-água. Foto: Joxerra Aihartza/WikiCommons |
A toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus) é um mamífero semi-aquático que vive apenas em rios e ribeiras de montanha nos Pirinéus (Andorra e França), no Centro e Norte de Espanha e no Norte de Portugal.
Em 2021, a espécie viu o seu risco de extinção passar de Vulnerável a Em Perigo na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
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| Toupeira-de-água. Foto: David Perez/WikiCommons |
Há cerca de dois anos começou a ser pensada uma estratégia transfronteiriça para travar o desaparecimento da toupeira-de-água, juntando Portugal, Espanha, Andorra e França. Em Janeiro deste ano, a UICN organizou em Madrid, Espanha, uma reunião dedicada a esse documento.
Nessa reunião, além do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), participaram a Agência Portuguesa do Ambiente, várias universidades e centros de investigação do norte de Portugal e várias ONG ligadas a temas relevantes relacionados com a toupeira-de-água, como a remoção de barreiras fluviais e o controlo de espécies invasoras.
Segundo uma nota do ICNF enviada a perguntas da Wilder, “importa conjugar esforços para que sejam identificadas e implementadas as soluções mais eficazes para melhorar o estado de conservação da espécie”.
Neste momento, “a espécie está ameaçada nos quatro países da sua área de distribuição (Portugal, Espanha, Andorra e França) e com populações em franco declínio”. Por isso, a conservação destas populações, que vivem em bacias hidrográficas partilhadas por diferentes países, “depende de uma gestão articulada entre diferentes territórios”.
A estratégia transfronteiriça pretende ainda uniformizar metodologias de trabalho e medidas a implementar e promover a partilha de conhecimento entre os países.
Portugal tem estado representado na equipa de elaboração da estratégia, coordenada pela UICN, através do ICNF.
No âmbito desta estratégia já foi elaborada a situação de referência da espécie. Depois foi definida uma equipa de trabalho com representantes dos quatro países, que começou a definir o modelo de estratégia e o processo de elaboração da mesma. Esta equipa foi também responsável pelo encontro de Madrid, onde se discutiram “os temas considerados relevantes para uma estratégia transfronteiriça: investigação, gestão da água, dos cursos de água e respetivas bacias hidrográficas, reprodução ex-situ, espécies invasoras e governança”, segundo o ICNF.
A Wilder perguntou esta semana para quando está prevista a apresentação de uma proposta de estratégia mas o Instituto ainda não tem previsão de datas.
Em Portugal já foram estabelecidos contactos entre as entidades dos vários países participantes, no sentido de serem elaborados projetos de conservação dedicados a esta espécie e financiados por fundos europeus. “A elaboração de um plano nacional poderá ser uma das ações a implementar no âmbito desses projetos”, adiantou o ICNF.
As ameaças à toupeira-de-água
Em Portugal, a toupeira-de-água perdeu 30% da sua área de ocorrência nos últimos dez anos, restando populações isoladas. As principais causas são a construção de barragens, a poluição dos rios e a destruição da vegetação ribeirinha.
Mas há mais ameaças, entre elas as alterações climáticas e a predação pelo visão-americano (Neovison vison), espécie exótica.
Não existe estimativa sobre quantas toupeiras-de-água restam no nosso país. ” Os dados populacionais sobre a espécie em Portugal são escassos e antigos e não refletem a situação atual da espécie”, admitiu à Wilder o ICNF. “Desde 1995 que não é realizada uma avaliação completa da área de distribuição da espécie com base em amostragens de campo.”
Mas os alarmes já tinham soado em Portugal. Em 2018, um estudo publicado a 20 de Junho na revista científica Animal Conservation por uma equipa de cinco investigadores do CIBIO-InBIO avisou que nos últimos 20 anos, este animal desaparecera de 63,5% dos locais onde existia nas bacias do Tua e do Sabor.
“Nos estudos parciais que têm sido realizados, tem-se verificado um registo crescente de não confirmações de presença da espécie em locais onde estava anteriormente presente, estimando-se uma diminuição da área de distribuição em cerca de 60%”, acrescentou o ICNF.
“Recentemente, no âmbito de um projeto de um grande aproveitamento hidroelétrico, obtiveram-se dados populacionais para a área de estudo desse projeto que, extrapolados para a previsível área de distribuição atual da espécie em Portugal, estimam uma população nacional entre 1692 e 3066 exemplares.”
Neste momento, “as principais ameaças à espécie são as alterações climáticas, a fragmentação de populações e dos habitats pela existência de barreiras fluviais (e construção de novas barreiras), a erosão genética das pequenas populações isoladas, a predação por visão-americano, os grandes incêndios e a desnaturalização dos cursos de água e das suas margens em geral”.
Na verdade, este mês, Jorge González Esteban, biólogo da Desma Estudios Ambientales e um dos maiores especialistas mundiais na espécie, alertou que os incêndios deste verão revelaram-se fatais para a toupeira-de-água. “Arderam algumas das melhores bacias hidrográficas para a toupeira-de-água na Galiza, Astúrias, Leão, Zamora, Palência e Estremadura”, lamentou Jorge González Esteban à agência de notícias espanhola EFE.
Além da dificuldade de resolver estas ameaças que, lembrou o ICNF, atuam de forma conjugada, “desconhecem-se vários aspetos da biologia da espécie e ainda não se conseguiu reproduzir a espécie em cativeiro”. “A longevidade média da espécie é baixa (cerca de três anos), podendo atingir até cinco/seis anos em cativeiro, o que não permite garantir a sobrevivência da espécie.”
Para Jorge González Esteban, a toupeira-de-água é “uma verdadeira jóia do nosso património natural” que “morre, em silêncio, discreto como ela é. Sem que ninguém se importe”.



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