sábado, 12 de fevereiro de 2022

O francês está-se a rir

Por: Fernando Calado
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

O dia estava claro e o sol há muito tempo que se espraiava na vastidão do serro, onde o trigo já ondulava.
- Lindo dia… lindo dia!
Dizia um homem velho, habituado ao bom e ao mau tempo, na longa caminhada duma vida de fome e servidão.
Entra em casa e o filho mais novo, que não lhe custava a pagar as contas, tinha a pequena lâmpada da cozinha acesa.
- Isso tem a luz acesa que o francês está-se a rir!
E sem mais delongas, já mal disposto, apaga a luz gastadora e que tanto fazia rir o enigmático francês.
Mas porquê que um desconhecido e distante francês se haveria de rir das desgraças dum pobre velho, perdido na lonjura do Nordeste?!
A História regista sempre saberes que vêm do tempo e de memórias antiquíssimas.
No ano de 1921 era inaugurada em Bragança a primeira mini-hídrica, instalada pelo engenheiro francês, Lucien Guerche, no rio Fervença. E na noite de 29 de Outubro, do mesmo ano, a Praça da Sé estava esplendorosamente iluminada por três lâmpadas eléctricas, para contentamento de toda a cidade que assistia atónita à chegada tardia da era das luzes.
Simbolicamente na noite de 22 de Dezembro, os estudantes, acenderam um candeeiro de petróleo para de seguida o apagarem, ponto fim a um tempo de escuridão e iniciando o novo ciclo da luz. E toda a cidade aplaudiu efusivamente, batendo palmas e dando vivas ao progresso.
Mas depois, muito mais tarde, a electricidade fornecida pelo Engº Francês entrava nas casas mais humildes e daí, quanto mais electricidade se gastasse, mais contente ficaria o francês, mais se ria, por ver aumentar os lucros do seu investimento.
E já agora vou apagar a luz… não quero que o novo francês se ria!... mas parece-me que cada vez se ri mais… com o aumento desmesurado da electricidade que curiosamente é produzida nas albufeiras dos nosso rios.


Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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