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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

As «traseiras indignas» de Portugal

As viagens de Nuno ferreira levam-nos com frequência a descobrir aquele Portugal que existindo, não o queremos ver. As imagens que o turismo nunca exibe. Um rio tornado lixeira, florestas que desaparecem pasto do fogo, um litoral escavado, os fumos brancos da indústria da celulose corrompendo a paisagem. Descobrir as entranhas de Portugal pode ser um processo bastante doloroso.
Quando nos afadigamos a descobrir Portugal a pé nem sempre vemos o que gostaríamos ver. Demasiadas vezes, sinto-me como um intruso na cozinha de um restaurante de segunda categoria, nos bastidores caóticos de um mau espectáculo ou no quintal das traseiras de um vizinho pouco afamado. Vejo o que o Turismo de Portugal nunca poderá exibir, por razões óbvias e que eu próprio preferia não ter observado. Um dia gelado de Fevereiro passado parei, a caminho de Vimioso, não apenas para descansar as pernas doridas mas para alcançar, do alto de uma colina, as águas escuras e rebeldes do Rio Sabor no Inverno. Ao preparar mais uma fotografia, dei com o tal bastidor caótico que preferiria não ter avistado: colchões, tijolos, cadeiras partidas, latas de tinta. Se tivesse passado de automóvel, aperceber-me-ia do deambular do rio ao fundo e do jogo do esconde-esconde com os montes transmontanos mas ficaria imune aquelas traseiras indignas.
Mais à frente, desci até às águas revoltas do Rio Maçãs. O Inverno chuvoso transformara os Sabor, o Tua, o Maçãs em torrentes, caudais rebeldes, a escapulir-se por entre fragas e braços de árvores caídas sem parcimónia. Junto ao Maçãs, avistei entre um punhado de silvas, uma cascata de água tão fria que só a ideia de cair dentro dela me provocou um arrepio na coluna. Culminando na queda de água, existia um ribeiro, água límpida a correr entres musgos e pedras. Foi quando vi a mesa, as pernas de madeira viradas para o ar, como um animal morto de patas para cima - sim, também já tenho o meu pedaço de avistamentos de animais junto à estrada -, as latas de tintas e pasme-se, um frigorífico.
A displicência com que alguns usam ou se servem do nosso património natural chega a ser trágico-cómica. Na Serra da Freita, a caminho da Frecha da Mizarela, encontrei um sofá vermelho que parecia ali ter sido colocado para uma performance, uma sessão de fotos artísticas.
Mal tratada aqui e ali por este lixo doméstico e industrial, a nossa paisagem vive, bastas vezes, nua e desolada, marcada como um animal por um ferro em brasa. Os incêndios devastaram regiões inteiras, mudaram o cenário de tal forma que em Oleiros, por exemplo, os habitantes se queixavam que o clima, sem árvores, deixara de ser temperado e passara a ser seco quanto o de Castelo Branco, na planície. Em Mação, sob uma temperatura de quase 40 graus, um local encolhia os ombros quando lhe falei no risco de incêndio: «Já ardeu tudo...falta arder uns 30 por cento do concelho...»
Quando desci do Fajão para a Barragem de Santa Luzia, no concelho de Pampilhosa da Serra, tudo o que tive como companhia foram as hastes queimadas dos pinheiros que restaram. Na Foz do Cobrão, junto às Portas de Almourão, Proença-a-Nova, fiquei com as calças riscadas de preto ao trepar uma encosta de troncos, hastes ardidas e pedras a resvalar em terreno a esboroar-se. De Colmeal (Góis) a Cepos (Arganil) subi por entre o solo negro e seco e o perfil amaldiçoado de uma floresta ardida. Às vezes, querer “descobrir” as entranhas de Portugal é também um exercício doloroso e triste.
Sempre mantive uma imagem romântica do Alto Minho, paisagem de milheirais, espigueiros e vinhas, entre cantilenas, desgarradas e concertinas. Perto de Ponte de Neiva, avancei por entre o casario até ao litoral para o ver escavacado, a areia substituída por um mar de seixos e pedras, pedregulhos grandes a proteger o portinho de Castelo de Neiva. Andei como um sonâmbulo por entre as redes e armadilhas e o colorido dos barcos dos pescadores mas já com a tristeza ferrada na alma.
A caminho de Ponte de Lima, larguei o fumo branco da Portucel em Deocriste e enveredei pela eco-via. Em Setembro, não é de esperar grande caudal no Lima. Nos campos, alguns apanhavam as espigas dos milheirais. As tonalidades
estão longe do verde de outras estações. Este ano, entretanto, as encostas do Alto Minho jazem feridas dos fogos, uma crosta infame de sarna a desfigurar a Serra de Arga. Nem sempre vemos de Portugal o que gostaríamos ver.
(Nuno Ferreira)

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