“As couves da minha horta “Também as folhas de couve
Uma folha só tempera Têm a sua picardia:
Mais vale um amor de longe, Guardam gotinhas de água
Que vinte e cinco da terra.” Para beberem de dia.”
[in Cancioneiro Popular Português, coligido por J. Leite de Vasconcelos]
Autores de várias épocas e de variadas formações dão-nos testemunho de quão devedores estamos à couve, às diversas qualidades de couve, no facilitar a vivência dos nossos antepassados, pois solitária ou em combinação com outros produtos de todo o género facilitou e facilita o engano da megera – a fome – nas regiões onde é cultivada e, por isso mesmo, merece as atenções do povo português cujo singelo exemplo podemos percebê-lo nas quadras que antecedem este texto.
De fio a pavio, de alto a baixo, de cabo a rabo, em Trás-os-Montes as couves cumpriram e cumprem a salutar missão de engrandecerem os comeres simples, de ajudarem os sumptuosos em gorduras a ficarem mais apetitosos.
No nordeste da Província, concretamente no Barroso, o “grande e pequeno lavrador tem uma ou duas hortas, mais ou menos perto de casa. Nela cultiva as coubes pró caldo” assim o escreveu o padre Lourenço Fontes, os flavienses conseguiram que a couve penca, também conhecida por tronchuda, couve troncha, toncha ou manteiga, acrescentar-lhe a denominação – de Chaves – no inventário dos produtos tradicionais portugueses, mas nas terras de Bragança produzem-se pencas sem receio de pedirem meças às cultivadas noutras terras.
A revista Brigantia (ano de 1999), refere a receita couve à moda da matança, na qual a couve de penca é elemento central, mas devemos ao cónego António Figueiredo, doutas observações acerca da couve manteiga pelo efeito da geada. Na mesma revista, publicou opiniões sobre o valor culinário da penca, mais tarde coligidas na obra Ambiência do Ano. Escreveu ele: “As couves crescem em folhas largas de espesso e largo pedúnculo. O «trocho» é muito apreciado, quando bem cozido. Crescem as folhas em largas rodadas como uma corola longa, mimosas e esbranquiçadas, fechando-se num «olho» grande e cego. Toda a couve é aproveitada, mas o «olho» é o mais saboroso, comido em caldo, ou cozido inteiro ou guisado com os «trochos». Boa como é, esta, beneficiando com as geadas normais, não ultrapassou ainda, como cultura rentável, o consumo doméstico. É um mimo.”
Tinha carradas de razão o conhecedor Cónego António Figueiredo, mais agudos, os cultivadores da tronchuda do Douro Litoral, sempre a enviaram para o Porto em Dezembro, não por acaso na conceituada Gazeta das Aldeias, n.º 1456, ano de 1927, em resposta a um leitor diz-se: “No Douro cultivam muito a Couve Tronchuda que é extremamente saborosa e muito procurada nos mercados por ocasião das festas do Natal.”
Existindo numerosas variedades de couves, outra de larga utilização nas cozinhas transmontanas é a respeitada galega de folhas grandes, de cor verde escura, de caule alto e, responsável pelo nacional caldo-verde, o bragançano caldo de couves. O contista João Araújo Correia fixou para a posteridade o desempenho dos galegos na alteração paisagística do seu querido terrunho duriense ao desbravarem matos e construírem os socalcos suporte das formidáveis e formosas vinhas, em Terra Ingrata relata-nos o mau viver da maioria das personagens, alimentadas a broa, sardinhas sarnentas e caldo extreme, caldinhos e caldo de couves galegas, que nada têm a ver com a Galiza (também lá existem), estas couves são criação minhota e a designação de galegas é baseada na pobreza do terreno.
Os anais encerram múltiplas anotações acerca da couve, referenciada na Europa há mais de quatro mil anos, sendo a marítima a mãe das restantes variedades, por exemplo a couve-flor foi investigada pelos muçulmanos, a couve-de-bruxelas nasceu na Itália (as legiões romanas não faziam só conquistas), e a chinesa entrou em França apenas no século XVIII. A couve lombarda não necessitando de bilhete de identidade, é outra espécie considerada no Nordeste transmontano.
As bondades das couves proporcionaram remédios concebidos por médicos e boticários, os gregos e os romanos indicavam-nas para impedir a progressão do álcool, Diógenes o filósofo morador no tonel só comia couves, Catão no ainda actual Tratado de Agricultura não esqueceu as couves, enunciando variedades e as já referidas qualidades medicinais. Da longa descrição sobre as couves, retiro: “Convém conhecer as propriedades das diversas espécies de couves. Fazem bem à saúde e aliam-se maravilhosamente com o quente, o seco, o húmido, o doce, o amargo e o acre; reúnem em si todas as propriedades dessa composição que se chama o remédio das sete virtudes.”
A medicina popular transmontana é fiel depositária dos ensinamentos transmitidos ao longo do tempo, as mulheres souberam tirar proveito das couves, ou não fossem desde a Idade-Média elemento principal de sopas, caldos grossos, arrozes e outros pratos fortes, mormente na época invernal, mas serão desaconselhadas em Agosto, o provérbio avisa: “Queres ver o teu marido morto? Dá-lhe couves em Agosto.”
Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.
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