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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 31 de outubro de 2015

COUVE, em Comeres Bragançanos e Transmontanos

“As couves da minha horta          “Também as folhas de couve
Uma folha só tempera                   Têm a sua picardia:
Mais vale um amor de longe,        Guardam gotinhas de água
Que vinte e cinco da terra.”           Para beberem de dia.”
[in Cancioneiro Popular Português, coligido por J. Leite de Vasconcelos]


Autores de várias épocas e de variadas formações dão-nos testemunho de quão devedores estamos à couve, às diversas qualidades de couve, no facilitar a vivência dos nossos antepassados, pois solitária ou em combinação com outros produtos de todo o género facilitou e facilita o engano da megera – a fome – nas regiões onde é cultivada e, por isso mesmo, merece as atenções do povo português cujo singelo exemplo podemos percebê-lo nas quadras que antecedem este texto.
De fio a pavio, de alto a baixo, de cabo a rabo, em Trás-os-Montes as couves cumpriram e cumprem a salutar missão de engrandecerem os comeres simples, de ajudarem os sumptuosos em gorduras a ficarem mais apetitosos.
No nordeste da Província, concretamente no Barroso, o “grande e pequeno lavrador tem uma ou duas hortas, mais ou menos perto de casa. Nela cultiva as coubes pró caldo” assim o escreveu o padre Lourenço Fontes, os flavienses conseguiram que a couve penca, também conhecida por tronchuda, couve troncha, toncha ou manteiga, acrescentar-lhe a denominação – de Chaves – no inventário dos produtos tradicionais portugueses, mas nas terras de Bragança produzem-se pencas sem receio de pedirem meças às cultivadas noutras terras.
A revista Brigantia (ano de 1999), refere a receita couve à moda da matança, na qual a couve de penca é elemento central, mas devemos ao cónego António Figueiredo, doutas observações acerca da couve manteiga pelo efeito da geada. Na mesma revista, publicou opiniões sobre o valor culinário da penca, mais tarde coligidas na obra Ambiência do Ano. Escreveu ele: “As couves crescem em folhas largas de espesso e largo pedúnculo. O «trocho» é muito apreciado, quando bem cozido. Crescem as folhas em largas rodadas como uma corola longa, mimosas e esbranquiçadas, fechando-se num «olho» grande e cego. Toda a couve é aproveitada, mas o «olho» é o mais saboroso, comido em caldo, ou cozido inteiro ou guisado com os «trochos». Boa como é, esta, beneficiando com as geadas normais, não ultrapassou ainda, como cultura rentável, o consumo doméstico. É um mimo.”
Tinha carradas de razão o conhecedor Cónego António Figueiredo, mais agudos, os cultivadores da tronchuda do Douro Litoral, sempre a enviaram para o Porto em Dezembro, não por acaso na conceituada Gazeta das Aldeias, n.º 1456, ano de 1927, em resposta a um leitor diz-se: “No Douro cultivam muito a Couve Tronchuda que é extremamente saborosa e muito procurada nos mercados por ocasião das festas do Natal.”
Existindo numerosas variedades de couves, outra de larga utilização nas cozinhas transmontanas é a respeitada galega de folhas grandes, de cor verde escura, de caule alto e, responsável pelo nacional caldo-verde, o bragançano caldo de couves. O contista João Araújo Correia fixou para a posteridade o desempenho dos galegos na alteração paisagística do seu querido terrunho duriense ao desbravarem matos e construírem os socalcos suporte das formidáveis e formosas vinhas, em Terra Ingrata relata-nos o mau viver da maioria das personagens, alimentadas a broa, sardinhas sarnentas e caldo extreme, caldinhos e caldo de couves galegas, que nada têm a ver com a Galiza (também lá existem), estas couves são criação minhota e a designação de galegas é baseada na pobreza do terreno.
Os anais encerram múltiplas anotações acerca da couve, referenciada na Europa há mais de quatro mil anos, sendo a marítima a mãe das restantes variedades, por exemplo a couve-flor foi investigada pelos muçulmanos, a couve-de-bruxelas nasceu na Itália (as legiões romanas não faziam só conquistas), e a chinesa entrou em França apenas no século XVIII. A couve lombarda não necessitando de bilhete de identidade, é outra espécie considerada no Nordeste transmontano.
As bondades das couves proporcionaram remédios concebidos por médicos e boticários, os gregos e os romanos indicavam-nas para impedir a progressão do álcool, Diógenes o filósofo morador no tonel só comia couves, Catão no ainda actual Tratado de Agricultura não esqueceu as couves, enunciando variedades e as já referidas qualidades medicinais. Da longa descrição sobre as couves, retiro: “Convém conhecer as propriedades das diversas espécies de couves. Fazem bem à saúde e aliam-se maravilhosamente com o quente, o seco, o húmido, o doce, o amargo e o acre; reúnem em si todas as propriedades dessa composição que se chama o remédio das sete virtudes.”
A medicina popular transmontana é fiel depositária dos ensinamentos transmitidos ao longo do tempo, as mulheres souberam tirar proveito das couves, ou não fossem desde a Idade-Média elemento principal de sopas, caldos grossos, arrozes e outros pratos fortes, mormente na época invernal, mas serão desaconselhadas em Agosto, o provérbio avisa: “Queres ver o teu marido morto? Dá-lhe couves em Agosto.”

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.

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