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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 25 de outubro de 2015

O Sobreiro do Encanto

Não eram muitos os fornos na aldeia. As fornadas eram cozidas mais ou menos de oito em oito dias, espaço de tempo que o pão se aguentava e não ficava mofoso. Sempre as mães coziam um molete que quentico, a sair do forno sabia que consolava. Não era preciso manteiga. Só quentico bastava. Era preciso marcar o dia e hora pois, não eram muitos os fornos e embora de utilização comunitária, todos tinham proprietário. Era este que fazia a manutenção quando necessário. A paga pela utilização: uma fogaça/pão que ficava de cada utilizador e de cada fornada. Também deixavam a resentadura que era utilizada para a fornada seguinte. A resentadura é uma pequena porção de fermento, com que se azeda uma porção de massa, que chegue para fermento de uma amassadura completa. 
Utilizavam quase sempre o forno mais perto de casa. Lembro que minha mãe utilizava quase sempre o forno da Dª Aninhas, no Castelo. Deixava uma fogaça, um pouco mais pequena junto à masseira. Depois lá seria retirada pelo proprietário do forno. Parece-me estar a ver o “baile” de corpo que as mulheres faziam no movimento de arranhar o forno. Um pau comprido com um ferro na ponta, segurado e movimentado com a força de super mulheres que espalhavam uniformemente o calor pelos ladrilhos. As fogaças deviam cozer com a mesma temperatura. Poucas serão hoje as mulheres que cozem o seu próprio pão. Muitas nem saberão o que é amassar. Outras coisas fazem mas não cozer pão. O mesmo posso dizer dos homens. 
Consolo-me com um carolo de pão cozido, feito de modo tradicional. Cada vez que vou à aldeia, não menos de seis fogaças compro. Corto em quatro, congelo e depois vou tirando conforme necessito. Não há em Bemposta quem coza para vender mas Sendim tem mais que uma padeira e aí compro as fogaças.
Era meu Intento escrever sobre o encanto da fonte de São Pedro de Bemposta mas foi-me o começo para o forno, não fosse o começo da conta dentro de um forno. Vamos lá encarreirar e botar ao que intento tinha.
Do encanto da Fonte de S. Pedro de Bemposta me diz minha mãe:
“A bisavó do António Sol. ´Sol’ é a alcunha dada a uma família de Bemposta. Belíssima alcunha. Espero que não levem a mal os herdeiros ainda a viver na nossa querida terra ou por esse mundo fora, dentro ou fora de Portugal.
Vamos lá à lenda do Encanto da Fonte de S. Pedro. Dizia eu, melhor, contou-me minha mãe:
“A bisavó do António Sol tinha ido para o forno de madrugada e sem se dar de conta aparece-lhe uma menina dentro do forno:
- Mas que menina tão linda! Que andas a fazer menina?
- Venho falar contigo.
- Então diz o que queres.
- Eu sou um encanto. Se fores capaz de me desencantar ficas muito rica. Mas tens de ir à Fonte de S. Pedro três noites seguidas. Desces caleija abaixo durante a noite que eu hei-de aparecer. 
Na primeira noite apareço-te em forma de serpente, subo por ti acima mas nada temas que eu mal algum te farei. Podes dizer o que quiseres mas nunca poderás dizer: “ai Jasus”. 
A segunda noite, apareço-te em forma de touro. Ficarei muito bravo, a urrar e a querer escornar-te mas nada receies que mal não te farei. 
A terceira noite, apareço-te em forma de demónio mesmo que medo tenhas nada receies que mal algum te farei. Nada a ninguém podes dizer. Achas que és capaz de fazer o que te peço?
Diziam que era uma mulher forte, destemida e afoita, por isso a resposta só uma poderia ser:
- Claro que vou fazer o que me pede menina.
- Lembra-te: podes dizer tudo o que te aprouver mas nada podes contar a ninguém e nunca pronunciar “ai Jasus”!
Fácil dizer que se consegue quando se tem uma menina e tão bonita pela frente, o difícil seria durante a noite enfrentar tamanhos medos. 
A primeira noite, depois da meia-noite lá seguiu caleija abaixo à espera que a serpente lhe aparecesse. Logo à entrada da caleija aparece a serpente rastejando e assobiando. Sobe por ela acima e mesmo para mulher de poucos medos algum receio lhe passava pela espinha acima mesmo sabendo de antemão o que ia acontecer. Aguentou e ultrapassou o susto.
Seguiu-se a segunda noite, ia caleija abaixo e nada de lhe aparecer o Touro como era de esperar. Um pouco antes do sobreiro do encanto aparece o Touro que bufava e urrava por todos quanto buracos tinha. Assustou-se mas aguentou. Voltou para casa mas algum receio tinha e nada podia dizer a ninguém.
Chega por fim a terceira noite. Caminhava caleija abaixo e nada de lhe aparecer fosse o que fosse. Já junto do sobreiro aparece um pouco distante o demónio feito gente que todo ele deitava labareda. Estancou. Pensou: “nada temas, sabes que mal algum te vai suceder.” O demónio aproxima-se mais e mais dela e as labaredas chiçpam por todos os buracos que o demónio tem. Chiçpábam os olhos, chiçpam os narizes, chiçpam os ouvidos, chiçpa a boca e todo ele é labareda como os fogos dos infernos a chiçpar por todos os lados. Ampeça a rodeá-la e mete-a dentro das chamas e ela quando se vê dentro das chamas, não aguenta e só diz: ‘’ai Jasus” que m’acuda. Tudo para e só ouve uma voz: “ah ladrão que perdeste o encanto”.
António Cangueiro

Muitas vezes passei junto do sobreiro do encanto. Um sobreiro de grande porte que penso ter sido mandado cortar por ter apanhado alguma doença e morrido. Assim conto a conta que minha mãe me contou sobre o sobreiro do encanto.



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