A extinção dos dízimos, a assumpção pelo Estado do provimento dos benefícios eclesiásticos, a fixação dos côngruas liberais – naturalmente no quadro mais geral da organização constitucional dos poderes do Estado Liberal –, criarão definitivamente à Coroa os meios para nomear os párocos e intervir na paróquia. Por sob a Carta Constitucional (1826) com a assumpção do direito de provimento dos benefícios eclesiásticos assume agora em toda a extensão a Coroa, o que só parcialmente, no Antigo Regime, lhe era permitido pelo Direito de Padroado Régio e se tinha intentado alargar sob o signo do Regalismo Ilustrado e Reformador.
Estavam assim deste modo criadas as condições para que no quadro da paróquia se instituísse o poder civil do Estado com párocos por si nomeados e pagos, obrigados a jurar as novas instituições e a participar como presidentes ou vogais natos da Junta de Paróquia. Nesse contexto se enquadra também a extinção dos juízes de vintenas, cujos poderes passaram para a Junta e para os Regedores.
Para este fim, isto é, para a criação da instituição da Junta de Paróquia, com os poderes e competências que lhe foram entregues (Lei de 1830) e termos de participação nela dos párocos, o caminho tinha sido largamente preparado. Ele radica, seguramente, na tradicional colaboração e participação do Estado e Ordem eclesiástica com a Civil e Régia na governação e administração do território e suas populações, mas também na tutela patronal da Coroa num número significativo de benefícios eclesiásticos e paroquiais. E sob os desenvolvimentos do Poder Monárquico no desenho da mais forte intervenção, tutela e domínio da Coroa sobre os párocos e o benefício eclesiástico, sob o reforço das doutrinas e práticas regalistas do século XVIII, do Absolutismo e Despotismo Esclarecido.
A junção, mais ou menos activa, do pároco à governação civil e administrativa da paróquia ou freguesia nas instituições do nosso Liberalismo exprime, deste ponto de vista, uma continuidade relativamente ao passado, assente na colaboração activa entre os poderes civis e os eclesiásticos para o sucesso da Monarquia. Se é certo que os Liberais Portugueses não deixarão de seguir de perto, no desenho, da nova organização pública administrativa, o modelo francês, tal estava perfeitamente esboçado, na organização e funcionamento da nossa administração local.
O modo como o pároco e por ele as instituições e ordem paroquial, são chamadas a intervir e a integrar as Juntas de Paróquia do Liberalismo, compagina-se facilmente com o sentido da sua actuação no passado, quer na construção da ordem comunitária, do poder local, quer sobretudo na estruturação do poder e ordem monárquica-eclesiástica de forte índole centralizadora e hierárquica.
Como se referiu insistentemente, a paróquia foi historicamente um importante instrumento de
centralização das comunidades locais na igreja matriz e destas na ordem Diocesana. A posição hierárquica do padre, nomeado pelas autoridades superiores, naturalmente concorreria para induzir tal processo. E a actuação do pároco e da paróquia haviam de, ao lado da ordem e poder eclesiástico, corroborar as tendências hierárquicas e centralizadoras do poder civil, servindo o princípio da promoção do poder real, que a ordem eclesiástica e a igreja deveria suportar.
Essa relação de poder e hierarquia do pároco com a Igreja e a Coroa explica, naturalmente, a quase nula colaboração destas instâncias com o poder municipal, ainda que ele se volva também um tradicional suporte e intermediário desta articulação. Mas na História da Administração Municipal Portuguesa anterior ao Liberalismo a presença dos párocos e até de eclesiásticos no governo político das câmaras é praticamente inexistente. Os párocos e as instituições paroquiais participam activamente na sustentação das festas e festividades régias organizadas pelos concelhos, na publicação da Bula da Cruzada e outras proclamações régias e por aí se fica a colaboração com os concelhos. Mas essas são festas régias, monárquicas, de instituição e suporte real.
Tal explica certamente no futuro o papel e lugar dado às Juntas de Paróquia e dos párocos no ordenamento político administrativo liberal, os termos da sua maior ou menor articulação, tendo em vista as etapas centralizadoras ou descentralizadoras da organização do Estado e Administração Pública. Os Códigos Centralizadores contam em geral com a participação nas Juntas de Paróquia dos párocos, mas não lhe conferem funções, nem personalidade administrativa. Os Códigos Descentralizadores, por regra também municipalistas, desconfiam dos párocos, não os colocam nas Juntas ou só os colocam para efeitos de intervir nas matérias estritamente eclesiásticas, apesar de atribuírem funções administrativas às Juntas de Paróquia, como pela primeira vez se verificou com o Código Descentralizador de 1878 de Rodrigues Sampaio (Marcello Caetano).
Memórias Paroquiais 1758
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