A obra inclui o estudo introdutório «Ditos dezideiros mirandeses i l fondo quemun de las regras de bida i de l saber antigo i mediabal». Os provérbios são apresentados por ordem alfabética e respeitam as regras da Convenção Ortográfica de Língua Mirandesa.
O autor: Amadeu Ferreira (1950, Sendim, Miranda do Douro) é vice-presidente da CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, presidente da ALM – Associaçon de Lhéngua i Cultura Mirandesa e da Academia de Letras de Trás-os-Montes, e professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
Autor e tradutor de uma vasta obra em português e mirandês, também sob diferentes pseudónimos: Fracisco Niebro, Marcus Miranda, Fonso Roixo. Traduziu Mensagem, de Fernando Pessoa, obras de escritores latinos (Horácio, Virgílio e Catulo), Os Quatro Evangelhos e duas aventuras de Astérix.
Na Âncora Editora publicou as traduções para a língua mirandesa de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, e uma edição comemorativa dos 25 anos de Os Lusíadas em banda desenhada, de José Ruy, com quem também colaborou no álbum Mirandês – História de uma Língua e de um Povo, e correspondente versão em mirandês. É autor do romance Tempo de Fogo, primeiro livro publicado simultaneamente em português e mirandês (La Bouba de la Tenerie, com o pseudónimo de Fracisco Niebro) e das obras Norteando, com fotografias de Luís Borges, Ars Vivendi Ars Moriendi (poesia em português e mirandês) e Língua Mirandesa – Manifesto em Forma de Hino / Lhéngua Mirandesa – Manifesto an Modo de Hino.
Prefácio:
Amadeu José Ferreira, natural de Sendim, é um investigador combativo e um acérrimo defensor do mirandês, primeira língua que ouviu, aprendeu e falou. Desde pequeno começou a escrever poesia (com o pseudónimo Fracisco Niebro), sendo que a sua veia linguística, literária e cultural leva-o a outras áreas, como é o caso da ficção e do teatro.
Homem profundamente culto, tem formação académica no domínio das humanidades e a sua actividade científica distribui-se, com igual paixão, pelo Direito e pela Língua Mirandesa. Pode dizer-se que a sua formação lhe permitiu uma profunda e consistente intervenção na aplicação da lei do reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa, depois de aprovada.
Tratando-se de um património cultural e um instrumento de comunicação e de reforço de identidade da terra de Miranda, Amadeu Ferreira empenha-se no ensino do mirandês (na sua qualidade de presidente da Associaçon de Lhéngua Mirandesa). Assim, vemo-lo envolvido no apoio aos aprendentes do mirandês, quer através do diálogo com professores, quer na elaboração de programas, quer ainda nas conversações com editoras para publicação de obras em mirandês. «Onde todos ajudam, nada custa.»
A par de outras formas para divulgar o mirandês, a iniciativa de publicar a obra Ditos Dezideiros – Provérbios Mirandeses reveste-se de capital importância. Primeiramente, porque nas sociedades modernas a transmissão de valores culturais deixou de pertencer ao núcleo familiar e transitou para as escolas e para outras instituições. Segundo, porque o estatuto de 2.ª língua oficial em Portugal exige um tratamento compatível com a igualdade de oportunidades. Por último, numa União Europeia comprometida com os valores da fraternidade, igualdade, liberdade e solidariedade, a passagem do testemunho dos nossos antepassados às novas gerações é um bom contributo para a promoção da cidadania.
Como refere Luís Chaves no prefácio ao livro Adágios Portugueses Reduzidos a Lugares Communs, de António Delicado, 1923: «Forma simples e attrahente de transmittir conhecimentos adquiridos pela experiencia dos seculos, o adágio tem uma expressão intimativa, a modos de equação algebrica da vida, que prende. Na sua multiplicidade imensa, ha nelle unidade extraordinária […]; e tamanha influencia tem a rima, […], que o conceito por ella fica bem condicionado.»
Muitos provérbios agrícolas, atmosféricos e climatéricos forçam a rima para os referenciar no tempo e no espaço: «Die de Santa Lhuzie, míngua la nuite i crece l die», «Ne l Natal, l die yá ten mais un saltico de pardal», «Por San Simon i San Judas, colhidas son las ubas» e «Pul San Brás, ciguonha berás». Também os provérbios irónicos de ápodo típico como, por exemplo, «Quien bai a Santaren, se burro bai burro ben» usam a rima como forma de evidenciar certo tipo de sarcasmo, sobretudo nas relações de vizinhança. Embora a rima ajude a identificar uma expressão como provérbio, a verdade é que muitos ditos não rimam e, nem por isso deixam de ser considerados provérbios como é o caso de «Todos ls caminos ban a tener a Roma». Interessante é notar que, usando a mesma estrutura frásica, podemos dizer «Todos ls caminos ban a tener a Tabira», dificilmente reconhecível como provérbio por ainda não ter atingido a universalidade.
Mas afinal, o que é um provérbio? Passados séculos de lidação com expressões proverbiais, ainda hoje os grandes mestres da paremiologia mundial não se entendem quanto a uma definição universal. Se, para Moses Ibn Ezra, o provérbio tem três características – poucas palavras, bom senso e uma bela imagem, Wolfgang Mieder incorpora sete conceitos na definição: frase curta, geralmente conhecida como popular, contendo sabedoria, verdade,moral e perspectivas tradicionais, que se apresenta sob a forma metafórica e memorizável, para mais facilmente se transmitir de geração em geração.
Quanto à existência de variantes de um mesmo provérbio o autor desta obra sugere a eliminação de todas as que configurem meras repetições. Todavia, do ponto de vista pedagógico, a permanência escrita das variantes é importante para compreender outras dimensões para além da linguística. Os provérbios «A la cuonta de ls ciganos cómen ls aldeanos» e «A la cuonta de ls ciganos róuban ls aldeanos» ilustram o valor das variantes quando se trata de ajuizar sobre modos de vida de distintas classes sociais, como o próprio autor reconhece.
Ao afirmar que muitos provérbios dizem o contrário de outros, o autor vai ao encontro da variabilidade pessoal e situacional, sendo frequente encontrar pares de provérbios que se completam por reforço ou por oposição. Eis três exemplos de provérbios ditos emparelhados («Quien dubida pergunta», «Quien dubida quier saber»), («Quem espera, desespera», «Quem espera sempre alcança») e («Loinge de la bista, loinge de l coraçon», «Quien nun aparece, squece»).
Um outro aspecto que o corpus apresentado nesta obra permite salientar diz respeito à transformação que um provérbio pode sofrer por força dos movimentos migratórios das pessoas que os usam. Quando em presença de espaços culturais distintos, o provérbio pode ser traduzido («Todos ls caminhos ban a tener a Roma = Todos os caminhos vão dar a Roma = Todos los caminos llevan a Roma = Tous les chemins mènent à Rome = All roads lead to Rome = …») ou haverá necessidade de encontrar um equivalente. Para o provérbio português «Em casa de ferreiro, espeto de pau» temos os equivalentes «Szewc bez butów chodzi» ou «Syn gospodarzy szewski idzie boso», em língua polaca e que significam «Muitas vezes o sapateiro não tem sapatos» ou «Em casa de sapateiro, o filho anda descalço».
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Rui JB Soares
Presidente da AIP-IAP
in:altm-academiadeletrasdetrasosmontes.blogspot.pt
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