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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Chá de galinhaça de pita

[Informante1(ML):] − «Pois o chá das pitas(1) é assim. Fomos assegar(2), lá pra(3) um...Pra uns moinhos. E depois ao meio-dia, lá a Alda deu-nos... Foi-nos levar o jantar(4) (e ali, há ali uns cerejeiros(5)) e depois subimos aos cerejeiros a comer cerejas. As cerejas diz-se que não podem ter contacto co(6) vinho (nós tínhamos buído(7) vinho, lá ao jantar) e depois...cerejas.
Como aqui não havia muita e ali haviam, e estavam boas, foi comer ali *à farta*(8). 
Era eu e o meu marido e outro casal.

 Depois pra outro dia tornávamos todos a assegar para outro lado, para outro patrão. Também prà(9), prà Furna. Quando nos juntámos ali ao fundo das eiras(10), eles iam por um lado, gomitavam(11) ali... Nós íamos pra este e gomitávamos ali.
 − Oh... Então, estamos bons! Estamos bons pra assegar hoje, estamos... ‘Tamos(12), ‘tamos! Todos doentes!
Quando chegámos lá, à casa do, do patrão, eu disse-lhe prà, prà mulher:
− Ó tia(13) Altina, não faça-des(14) muito comer pra nós hoje, levai-nos um...Uma garrafa de chá...
E ela assim foi. Foi ao poleiro das galinhas, ‘garrou(15) atão(16) uma manada(17) de
galinhaças(18), embrulhou-as num pano, ferveu-nos, e lá nos apareceu com a garrafa do chá.
− Então bá! Comei primeiro uma sopica(19) e depois é que... É que comeis assim...
− Não! Nós não queremos comer *mai’ nada*(20)! Só vamos a buer(21) o chá.
Assim foi. Primeiro ainda bazemos(22) a garrafada(23) ali, ali, ali do chá. Pronto, ‘tou a assegar todo o dia, sem tornar a comer.
Quando à noite vamos pra comermos então uma malga(24) de sopa, diz-nos ela assim:
− Bá(25)! Vós bem... Bem baratos nos saístes...Livra-se todo o dia, com uma merda de pita!
Eu disse:
− Não me diga-des(26) que era o chá da merda da pita! E era tão bonito! Tão lourito!
− Pois era...Era do chá da pita... Da galinhaça da pita.
Pronto... E depois melhoremos! Outro dia estávamos bons... [Risos] ... Foi assim.
Assim... E põe-se dentro de um pano...
[Informante 2 (MF):] – Lava-se...
[Entrevistador:] – Lava-se?
[Informante1(ML):] – Eu não sei se o lavou nem se não!
[Informante 2 (MF):] – Pa’(27) tirar aquela coisa. Lava-se bem lavado, tira-se aquilo e depois mete-se no (...), fica feito. Depois mete-se dentro de um pano. Arrevia-se(28) um baraço(29) pra que não saia impureza nenhuma e o chá parece que... Parece que é ouro! É da cor do ouro.
[Informante1 (ML):] – É. É muito bom...
 [Informante2 (MF):] – Pronto, sabe muito bem.»

Maria Lopes e Maria Falcão, Caçarelhos (Vimioso),Outubro de 2010

Glossário:

(1) Pitas – galinhas (uso popular e também em mirandês).
(2) Assegar – segar (ceifar; cortar e colher o cereal nas searas com foice).
(3) Pra – “para” (redução da preposição “para”, sua forma sincopada, usada no registo popular, informal - reprodução da pronúncia).
(4) Jantar (meio-dia) – antigamente quem trabalhava no campo tinha normalmente como principais refeições do dia: a) o chamado “mata-bicho” tomado entre as 6 e as 7 da manhã; b) o almoço entre as 8 horas e as 10 horas; c) o jantar: tomado normalmente pelas 12 horas; d) poderia haver a merenda por volta das 16 horas; e, por último, e) a ceia: tomada entre as 19 horas e as 20 horas.
(5) Cerejeiros – cerejeiras.
(6) Co – “com o” (contração da conjunção arcaica ca com o artigo ou pronome o − ca+o −; uso oral, coloquial).
(7) Buído – bebido (verbo beber, de acordo com a seguinte definição: «buber – beber. Forma usualíssima em toda a parte. O u proveio da labialização do e». Vasconcelos, José Leite de. (1985). Dialecto Transmontano I parte — (Artigos redigidos pelo autor). OPÚSCULOS. Volume VI –Dialectologia (Parte II). Organizado por Maria Adelaide Valle Cintra. Lisboa: Imprensa Nacional. P. 34.
(8) À farta (comer) – em/com abundância; com fartura (em grande quantidade).
(9) Prà – “para a” (contração da preposição pra com o artigo ou pronome a; uso popular e coloquial).
(10) Eiras – terrenos lisos ou empedrados onde se debulham, trilham, secam e limpam legumes e cereais. Era costume cantarem-se modas para marcar o ritmo a empregar nos trabalhos diurnos, e até nocturnos, ali efectuados. Este espaço era também usado pelos trabalhadores agrícolas para fazer bailes ou festas que podiam estender-se pela noite fora.
(11) Gomitavam – vomitavam (gomitar – forma popular do verbo ‘vomitar’).
(12) ‘Tamos – ‘estamos’ (pronúncia popular do verbo “estar”, abreviatura oral, de uso informal e coloquial).
(13) Tia – forma de tratamento que, em Portugal e sobretudo na província, no campo, é usada para mulheres de certa idade e de condição modesta.
(14) Faça-des – ‘faças ou façais’ (verbo fazer).
(15) ‘Garrou – ‘agarrou’.
(16) Atão – ‘então’ (regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial).
(17) Manada – mão-cheia (regionalismo que designa o que se pode apanhar com uma mão, de uma só vez).
(18) Galinhaças – excrementos de galinha.
(19) Sopica – sopinha.
(20) Mai’ nada – «mais nada. Houve assimilação (absorção) do s ao n». Vasconcelos, José Leite de. (1985). II − Linguagem Popular de Macedo de Cavaleiros − Dialecto Transmontano −I parte — (Artigos redigidos pelo autor). OPÚSCULOS. Volume VI – Dialectologia (Parte II). Organizado por Maria Adelaide Valle Cintra. Lisboa: Imprensa Nacional. p. 22.
(21) Buer – beber (à semelhança de ‘buber’ − beber.» Barreiros, Fernando Braga. (1917). Vocabulário barrosão. Revista Lusitana, Volume XX, Lisboa:
Livraria Clássica Editora, Lisboa. p. 145.
(22) Bazemos – vazemos - esvaziámos, despejámos, bebemos ( ideia de esvaziar, despejar, verter). Trocar o “b” pelo “v” é um traço fonético comum nos dialectos do Norte do Portugal).
(23) Garrafada – a quantidade de liquido que a garrafa contém.
(24) Malga – tigela para a sopa (popular).
(25) Bá – Vá! – «Interjeição para dar ânimo» (http://www.mirandadodouro.com/dicionario/traducao-mirandes-portugues/B%E1/). Trocar o “b” pelo “v” é um traço fonético comum nos dialectos do Norte do Portugal.
(26) Diga-des – digas, digais.
(27) Pa’ – ‘para’ (usado de modo informal e coloquial).
(28) Arrevia-se – ata-se; dá-se uma laçada (hipótese a corroborar).
(29) Baraço – fio, cordel.
Referências bibliográficas e recursos online utilizados no glossário: Barreiros, Fernando Braga. (1916). Tradições populares de Barroso. Revista Lusitana, Volume XIX. Lisboa: Livraria Clássica Editora, p. 76.
Barreiros, Fernando Braga. (1917). Vocabulário barrosão. Revista Lusitana, Volume XX, Lisboa: Livraria Clássica Editora, Lisboa. p. 141, 145.
Barreiros, Fernando Braga. (1937). Apêndice ao «Vocabulário Barrosão». Revista Lusitana Volume XXXV, Lisboa: Livraria Clássica Editora. p. 245.
Barros, Vítor Fernandes, (2006). Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Lisboa: Edição Âncora Editora e Edições Colibri, p. 282.
Cardoso, Armindo. (2005). Vocabulário Transmontano: palavras e expressões regionais recolhidas na aldeia de Moimenta, concelho de Vinhais. Em linha.
Consultado em 17 de Abril de 2011. URL: http://www.bragancanet.pt/cultura/vocabulario/
Teixeira, Abade de Tavares. (1910). Vocabulário trasmontano (Moncorvo). Revista Lusitana, Volume XIII, Imprensa Nacional de Lisboa, p. 113.
Vasconcelos, José Leite de. (1985). II − Vocabulário de Macedo de cavaleiros − Dialecto Transmontano I parte — (Artigos redigidos pelo autor). OPÚSCULOS.
Volume VI – Dialectologia (Parte II). Organizado por Maria Adelaide Valle Cintra. Lisboa, Imprensa Nacional.
Vasconcelos, José Leite de/Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos (DRA). p.720.

in:memoriamedia.net

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