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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Evolução da Paisagem Rural de Bragança entre a Crise de 1929 e os Fluxos Migratórios da década de 1960

Campo de Trigo Barbela no Distrito de Bragança
De acordo com Águeda de Oliveira, em 1949, a expansão do cereal para o monte na Terra Fria Transmontana iniciou-se. ou foi retomada, em 1905. Nas duas primeiras décadas do século XX ocorreu uma breve interrupção da forte dinâmica demográfica que sucedeu às Invasões Francesas e guerras civis da primeira metade do século XIX.
Em simultâneo. verificou-se uma estabilização da área cultivada, da terra cultivada por trabalhador agrícola e do produto agrícola. Aparentemente. a expansão da área dedicada ao cultivo dos cereais só ganha visibilidade no final da década de 1920. Refere Lourenço, em 1932. que "têm sido desfeitos até alguns montes onde os nascidos nunca tinham visto semear centeio". A escalada, monte acima, do centeio, foi forçada por uma conjugação peculiar de fatores sociais e políticos, onde se destacam um novo folgo demográfico, em grande parte devido a um forte retrocesso da emigração com a crise de 1929, o aumento da procura interna de produtos agrícolas, as políticas protecionistas do setar dos cereais (Campanha do Trigo, de Linhares de Lima. de 1928 e 1938. na senda da Lei da Fome de Elvino de Brito, de 1899) e um atraso da adoção de fertilizantes químicos.
Águeda de Oliveira descreve com agudeza a dinâmica do cereal nas décadas de 1930 e 1940: "a idade do oiro passou depressa! As terras vagas acabaram de vez". "Semeia-se tudo quanto é possível. Mais não se semeia porque não há onde". "Em 1933 já não sobra nada". "As adubações [com adubos fosfatados) já não dão portanto como davam e os números de sementes da idade de oiro reduzem-se agora para metade. As terras parecem cansadas".
E Teixeira. em 1948. remata: ''A sucessão ininterrupta das culturas nos mesmos solos, só possível no momento da ocupação da terra virgem, desapareceu completamente, e hoje os pousios mais ou menos longos estão muito generalizados".
O alargamento do cereal às terras de monte teve um pesado custo: ''As trovoadas, as chuvas prolongadas vão, para mais, arrastando a terra bolida, desnudando os ossos, a rocha viva descarnada ao sol ou a terra rasgada e regueirada a toda a altura". A arroteia de terras virgens para o cultivo do cereal oxidou a matéria orgânica do solo, e o exíguo stock de nutrientes conservados nas terras monte colapsou. Com o alargamento da área cultivada, extinguiram-se as réstias de bosque sobreviventes a milhares de anos de uso agrícola da paisagem. O Abade de Baçal interpretou admiravelmente o sucedido: "Nos sítios chamados Couto e Coutada de Aveleda. Cova de Lua, Donai, França. Laviados. Lagomar, Rio de Onor, Sacoias, Soutelo da Gamoeda, Vale de Lamas e Varge há restos de belíssimas matas de carvalhos e sardões entremeados de pascigueiros, que o povo ignaro vai destruindo a ferro e fogo, sem ver que o cereal produzido no arroteamento brevemente estancará, arrastando rápida e absoluta esterilidade ... os mesmo restos e consequências esterilizantes se encontram nos termos de Babe, Palácios, S. Julião. Baça!. Carvas (Bragança), Rabal. Rica Fé (Bragança) e Vilar do Monte".
Vinte anos de cultivo de cereais em terras marginais de monte, sob um sistema de nutrient mining francamente mais agressivo do que a tradicional pastorícia de percurso, desestabilizaram, irremediavelmente, um sistema de agricultura inventado e fixado na longínqua Idade do Bronze. A capacidade de sustentação de populações humanas pelo sistema de agricultura tradicional estava a decair; mais do que nunca, urgia resolver o sempre eterno problema da reposição da fertilidade da terra. E a paisagem desoladora das montanhas trasmontanas denotada pelo conde de Hoffmansegg persistia. como refere Teixeira em 1948, a propósito da Terra Fria Bragançana "O panorama silvícola da região desenrola-se num quadro triste e desolante: a desarborização é intensa e, dum modo geral, quase não existe povoamento ou maciço de árvores de alguma importância''.
Primeiro chegou o adubo químico, e só depois o tratar com motor de combustão interna e respetivos implementas.
Concentremos-nos no primeiro. A importação de fertilizantes em Portugal inaugurou-se com o nitrato do Chile, em 1882. Meio século depois. a utilização de fertilizantes químicos no Nordeste Trasmontano resumia-se à aplicação de superfosfato a 12%. Em 1931, foram consumidas na região 2 000 toneladas de superfosfato. Se aplicados a uma dose de 300 kg por hectare, apenas 2% da superfície agrícola regional seria fertilizada com adubos químicos. A aplicação do fósforo restringia-se às terras de monte; as terras mais produtivas, de faceira, continuavam a ser fertilizadas em exclusivo com estrumes. que forneciam os três nutrientes essenciais da produtividade agrícola: azoto, fósforo e potássio, para além de uma completa panóplia de macronutrientes secundários e micronutrientes.
"Cultivar centeio nas terras das faceiras que, no dizer deles, sem estrume e ainda que adubadas com abono (assim se chama ao superfosfato em muitos sítios da Terra Fria), já não querem dar pão", diz Barroso, em 1923.
Esta nota, e o facto das terras de monte responderem com exuberância ao fósforo calculava-se "um aumento de cerca de 50% com o seu emprego", segundo Lourenço. em 1932 -.são uma evidência indireta da concentração deste nutriente vegetal. por natureza pouco móvel, nas faceiras, em detrimento das terras de monte, causada por milénios de nutrient mining governado pelos herbívoros domésticos.
Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). progressivamente. o azoto mineral sintetizado a partir do azoto atmosférico pelo sistema Haber-Bosch recuperou as ''terras cansadas·· referidas por Águeda de Oliveira, em 1949, e encurtou "os pousios mais ou menos longos ... muito generalizados" destacados por Teixeira em 1948.
A intensiva rotação bienal cereal-pousio empregada nas faceiras, bem perto dos povoados, no final do século XIX e início do século XX. ainda sob um modelo orgânico de agricultura. migrou para solos distantes dos povoados. que embora dotados de algum potencial produtivo eram. outrora, impossíveis de manter em condições produtivas por longos períodos de tempo. E o trigo regional, o 'Barbela', ganhou importância frente ao frugal centeio. Aos adubos químicos se devem as filas intermináveis de tratares com reboque que. ainda no início dos anos de 1990, serpenteavam em frente ao Hospital Distrital de Bragança. enquanto aguardavam a receção do grão nos silos da EPAC - Empresa Pública de Abastecimento de Cereais.
A transição do sistema tradicional orgânico de agricultura para o atual sistema industrial agrícola esteve indelevelmente ligada à arborização dos baldios. O adubo químico esvaziou a função coletora de nutrientes das pastagens pobres do monte baldio. permitindo. assim. a entrada do Estado. mediada pelos serviços florestais, na sua gestão. A incessante solicitação para a rearborização do território trasmontano foi, por fim, tecnicamente possível e atendida na primeira metade no século XX, com o Plano de Povoamento Florestal (1938-1968), secundado pelo Projeto Florestal Português/Banco Mundial (1981-1986) e pelo Programa de Ação Florestal (1986-1995). Estes programas promoveram a arborização de extensas áreas de monte baldias com recurso a espécies florestais predominantemente resinosas (pinheiros bravo, silvestre e larício). sensíveis aos fogos, na área de estudo com maior expressão na Alta Lombada, na Serra de Montesinho e na Serra da Coroa.

Título: Bragança na Época Contemporânea {1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE-Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
Autores: Adérito Branco, António Jorge Nunes, Bruno Rodrigues, Carlos Aguiar, Cá tia Ferreira,
César Urbino, Diana Vila Pouca. Diogo Ferreira, Fernando de Sousa, Francisco Cepeda. Henrique
Ferreira. Joana Martins. Joaquim Jaime B. Ferreira-Alves. José Monteiro, Luís Alexandre Rodrigues.
Maria da Conceição Salgado. Maria da Graça Martins, Maria João Guardado Moreira, Natália
Marinho Ferreira-Alves. Nuno Matias. Paula Barros, Paulo Amorim, Ricardo Rocha, Rosa Cadime.
Sónia Neves, Virgínia Martin Jiménez
Revisão: Ricardo Rocha
Tradução: Ricardo Rocha. Virgínia Martin Jiménez
Design Gráfico: José Miguel S. Reis

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