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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Proprietário agrícola compra aldeia depois de ter vindo de Angola sem nada

João Batista Calado tem hoje 69 anos. Em 1975 regressou de Angola sem nada. Hoje, além de possuir mais de 120 hectares de terras, é o pro-prietário do Cachão, uma pequena aldeia abandonada do concelho de Valpaços.


Mesmo assim, não se considera um "proprietário abastado", mas antes um "trabalhador abastado".

O "segredo" do seu êxito: "Quando tinha 100 contos juntos, nem dormia enquanto não os aplicasse". A "filosofia" que a vida lhe ensinou: "Faz mais um homem com vontade de fazer e sem dinheiro, que um que tenha dinheiro mas não tenha vontade de fazer".
A paixão de João Calado era Angola. Por isso, ficou enquanto pôde. Por isso, ficou sem nada.

Chegou a Valverde, junto a Valpaços, com a mulher e três crianças. O seu pai fez partilhas das propriedades, mas como os herdeiros eram sete, pouco tocou a cada um. Um seu vizinho, ao inteirar-se das sortes que lhe couberam, até ironizou: "Ficaste com prédios para morrer à fome".

É certo que teve de recorrer ao subsídio de 4.000$00 mensais com que, na altura, o Estado apoiava os "retornados". Mas lá começou a amanhar as leiras herdadas, procurando introduzir algumas técnicas "diferentes", adaptadas da forma como em Angola tratava dos seus cafezais.

No Verão de 1978 iniciou o "império" que hoje tem. Uma terra era-lhe oferecida por 300 contos. Não tinha aquela quantia, mas como o proprietário facilitou o pagamento, deu entrada com os 80 contos que conseguiu juntar da venda da fruta que produziu naquele ano. O resto pagou nos dois anos seguintes.

O ânimo perdido com a vinda de Angola "com as mãos a abanar" começara a ser recuperado. E meteu-se a comprar mais propriedades, ainda que "sempre sem dinheiro".

Na terra que lhe custara 300 contos, e noutras que, na altura, também adquiriu, plantou 16.000 videiras e cerca de 6.000 árvores de fruta.

Hoje, João Calado, com a ajuda dos seus filhos, tem anos de produzir 15 toneladas de pêssego, 30 de ameixa, seis de figo, 30 de uvas para vinho e 16 de cereja. "É a minha resposta ao vizinho que me disse que iria morrer à fome", diz, com orgulho, o agricultor de Valverde.

João Calado é um proprietário abastado. "Não. Sou apenas um trabalhador abastado", rectifica. E dá "pormenores". Levanta-se às quatro e às cinco da manhã e, ele próprio, vai vender a sua fruta para o mercado de Chaves e para outras localidades da região.

É claro que seria mais cómodo vender por grosso a um intermediário. "Pois era. Mas, dessa forma, lá se ia o lucro...".

Mas, a par das terras agrícolas, dos milhares de árvores de fruta, dos 5.000 sobreiros – e até dos 23 poços e cinco furos de água que já abriu –, João Calado comprou também a aldeia do Cachão. Não pode, por isso, "esconder" a sua riqueza. Volta a rectificar. "Rico... Eu?... Só se for por nunca me ter faltado a vontade de trabalhar".

"Em Angola tive uma ideia...."

Quando, em Angola, se deu conta que tinha de regressar a Portugal e aqui recomeçar a sua vida, João Calado começou a acalentar uma ideia. Comprar a aldeia do Cachão, a "dois passos" de Valverde, onde chegaram a viver perto de 80 pessoas e que, na altura, já estava praticamente abandonada. "É lá que vou fazer uma criação de porcos".

Mas, chegado cá, desanimaram-no. "Porcos? Não vais ganhar para a ração". Desistiu da pocilga. Mas ficou de olho no Cachão. "Era um sítio lindo, com bons terrenos. O [rio] Rabaçal logo ali... Ideias para o local não me faltavam". Não tinha na altura, evidentemente, nem uma pequena parte do dinheiro que o lugar valia. Mas, mesmo assim, abordou os herdeiros da maior quinta da aldeia, que, com o passar dos anos, já estava sem moradores. Obteve resposta negativa. Mas, como que a anunciar-lhe o destino, foi-lhe proposto ficar a tomar conta das terras. "O que produzisse era para mim. Só a cortiça era a meias".

Os anos foram passando. De tempos a tempos ia renovando a proposta da compra. Mas sem êxito. "A dada altura perdi mesmo a ideia ‘maluca’ de ficar com o Cachão", lembra João Calado. E com motivos. Tinha aproveitado a vinda ao local de um herdeiro que vivia no Brasil para, a todos juntos, falar, de novo, no negócio. "Nunca", respondeu-lhe o "brasileiro", argumentando que queria preservar a memória dos antepassados e manter sua a casa onde nascera. "Acabou-se naquele dia a ilusão do Cachão. Nunca mais lhes toquei no assunto", conta João Calado.

Até que, de repente, em Maio do ano passado, ao fim de 18 anos, chegaram-se ao "caseiro" e disseram-lhe que lhe venderiam a quinta – "Paga como quiser".

Hoje a aldeia do Cachão é do senhor João Calado. À excepção de umas pequenas courelas que ainda "resistem" no meio dos 50 hectares do seu termo. Ao todo já adquiriu 40 prédios rústicos e dez casas.

"Não gosto de pedinchar"

"Se isto tivesse sido meu quando tinha 40 anos... era agora um grande pomar!..."

Apesar de proprietário de uma pequena aldeia, inteira, situada a três quilómetros de uma estrada nacional, com capela, lagares de azeite e de vinho, com casas de pedra, um rio de águas límpidas a correr ao fundo e rouxinóis a cantar nos negrilhos, João Calado, por "deformação profissional" mede o sítio em pés de pessegueiros ou de videiras. Só quando é confrontado com a "intromissão" da agricultura europeia e a consequente fragilidade da nacional é que enumera as restantes poten-cialidades do Cachão. "Áh!... Aqui o que dava era o turismo. Mas um turismo especial, só para quem apreciasse o sossego. Nada de multidões...".

Mas, para isso, era preciso muito dinheiro. "Eu sei que até há pr’aí subsídios para projectos de turismo. Mas isso não é para mim. Não me estou a ver a andar atrás dos engenheiros a pedinchar". E arranjar um sócio capitalista? "Seria uma possibilidade. Mas não poderia ser tipo ave de rapina, daqueles que querem lucros fáceis e depressa".

Em longínqua e esbatida alternativa outro empreendimento povoa o imaginário de João Calado. "O que também aqui dava era uma adega regional. As pessoas já agora vêm para aqui pescar... poderiam trazer as famílias... os amigos". Mas João Calado é consciente da falta de consistência desta última ideia. Talvez por isso lhe acrescente. "Poderia criar uma marca própria de vinho, que daria nome ao local. Sim, porque se o vinho de Valpaços já é afamado, haviam de provar do que produzo eu. Nem tem comparança!".

Mas, independentemente das voltas que o futuro venha a dar, o Cachão, tal como agora é, já contribuiu para a felicidade de João Calado. "Não conto morrer nos próximos tempos. Mas, aconteça o que acontecer, o Cachão fez de mim um homem realizado. Pensei refazer a minha vida aqui... e aqui estou".

in:diariodetrasosmontes.com

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