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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 27 de dezembro de 2015

Natal do Pandegueiro e do Gaiteiro

              OPINIÃO 
Jorge Lage
Para quê tantas compras? Tantos presentes? Tantos faz de conta?
Quem me conhece sabe que não sou muito entusiasta do Natal, questionando-me: - para quê tantas compras? Tantos presentes? Tantos faz de conta?

A noite de Natal ou de consoada sempre foi parca em casa dos meus pais. É claro que havia os tachos e as travessas de gemalte que se enchiam de filhózes e rabanadas, de polvo frito em ovo e salsa. As filhózes e rabanadas eram regadas com molho de mel (e canela). Mel da Montanha da Padrela, que a minha mãe trocava por azeite, ao Ti «Joeu». Trazia-o em cântaros de cortiça e lata, nas cangalhas sobre o dorso do pachorrento jumentico.

As grandes travessas de faiança do cavalinho e outras de porcelana enchiam-se de aletria pobre (só com leite e sem ovos) e polvilhada com canela, deixando rastos de desenhos geométricos a indicarem como devia ser retalhada. Era comida à fatia e à mão ou em cima de trigo, sêmea ou charrão. O meu Pai não dispensava os bolos de bacalhau pintados pêlos ovos marelos e salsa verde.

Havia sempre pinhões com casca e que serviam para jogarmos ao rapa, põe, tira e deixa (R, P, T e D), com as letras bem desenhadas na madeira.

Prendas quase não havia, e se houvesse eram roupas que necessitávamos ou uns caramelos. A vida no mundo rural remediado ou de pequenos agricultores não deixava espaço para gastos no supérfluo. Quem os fizesse e não fosse comedido, recebia dos demais vizinhos qualificativos de «desgovernado», «gastador», «lambão» e «sem cabeça». Havia uma família que no tempo barato, a seguir ao 25 de Abril de 1974, todos os ordenados que entravam em casa somavam 15 contos. Uma fortuna para o tempo. E nunca conseguiram construir uma casinha modesta.

Mas propus-me falar de uma certa magia do natal, não vá alguém escandalizar-se com uma generosa e substancial malga de caldo, mesmo de castanhas. 

A magia de Natal, para os mais pobres, escrevia-se nas zonas frias montanhosas, em Portugal e na Galiza, com as generosas castanhas. Estas eram o garante das barrigas compostas em noite de consoada. Por isso, voava a imaginação das prendas do «Menino Jesus», uma esperança vã dos mais pobres e um sonho imaginário.

Nas décadas de cinquenta e sessenta do século XX, nas terras raianas de Lomba «o Gaiteiro», com a sua gaita de foles, era a figura próxima do Pandegueiro galego, que acordava toda a aldeia e fazia vibrar mais o coração dos que estavam colados à porta do quarto para, depois dos sons mágicos, irem retirar as prendas que tinham no sapatinho, botinha ou soquinho pregado à lareira, limpinhos e em posição estratégica, não fosse o Menino Jesus passar à frente sem os ver.

Assim, na madrugada da noite de consoada, enquanto toda a aldeia dormia sobre um debruado manto branco ou uma capa de frio, o Gaiteiro passava com a providencial gaita céltica e, ao som dos mágicos acordes, o Natal acontecia. Era só ir à lareira e ver se os «sapatinhos» tinham algum mimo, brinquedo ou peça de roupa.

Na Galiza profunda, mais nas Montanhas do leste da Galiza, em Terras de Trives, Courel ou Berzo, as castanhas na noite de Natal eram o garante da barriga cheia, mesmo para as populações serranas mais pobres. «O Pandegueiro», segundo texto da minha lavra em «Memórias da Maria Castanha» de que reproduzo partes, mais como inspiração motivadora. O mítico Pandegueiro, na noite de 25 de Dezembro, enquanto as crianças dormiam, descia da  Serra  de Manzaneda (ou da Cabeça Grande) e vinha certificar-se se tinham comido, pondo-lhes a mão na barriguinha, daí ser, também, conhecido por «Apalpador». 

Para além do lendário Pandegueiro, a Serra de Manzaneda, continua povoada de contos e lendas de mouras encantadas e de outras histórias de bruxas e lobisomens.

Na noite de Natal, ao menos, ninguém podia ir para a cama com a barriga cheia de fome. As crianças antes de irem dormir pediam, ao Apalpador ou Pandegueiro, leite com castanhas cozidas (o «caldudo»), presentes e brinquedos, em pau de amieiro feitos por artesãos locais. Daí o dito: «vou cheirar-te a barriga (pândega ou bandulho) para saber o que comeste».

O Pandegueiro (ou Apalpador) deixava aos meninos e meninas um montinho de castanhas e, às vezes, mais algum presente e desejava-lhes um ano cheio de felicidade e de barriguinha cheia.

Senti nas pesquisas, que muitos tentam enterrar a tradição e toda a memória imaterial das castanhas galegas, porque associam o mágico e saudável fruto ao tempo da pobreza extrema.

O «Pandigueiro» pagão acabou por desaparecer com a chegada de figuras mais luminosas, burguesas e cristãs dos Reis Magos e hoje os presentes galegos chegam em «Dia de Reis».

Nos natais galegos de antanho merecem referência «Os Trinta», isto é, os Gaiteiros de Trives, tocavam tanto, com se trinta fossem. Aqui entronca a tradição raiana vinhaense do Gaiteiro e que deve voltar a avivar-se nas escolas, tal como se vem fazendo na divulgação dos caretos ou dos mascarados.

A gigante e mítica figura do Pandegueiro ou Apalpador está a ser recuperada por algumas localidades galegas, como parte importante do seu património cultural e vai muito para além no tempo do que o cristianismo ibérico.

O Apalpador (ou Apalpa Barrigas) era um lendário gigante carvoeiro que durante a noite de Natal descia das Montanhas de Courel ou Ancares, tal como o Pandegueiro da Serra de Manzaneda, para apalpar a barriguita das crianças e saber se tinham comido bem, trazendo-lhe castanhas e regalos e desejar um bom ano.

Jorge Lage
in:atelier.arteazul.net

1 comentário:

  1. nao conhecia o dito mas acredito que recriar valoriza a nossa natureza ou resistência

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