terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Silenciosas ruínas

As terras de Trás-os-Montes integram a raíz de Portugal, que já conta quase nove séculos. Trata-se de terras com história, que enquadraram a construção do país, mas cedo foram conduzidas ao abandono, em nome de confortáveis maresias, permitindo o avanço insidioso do manto mortífero das ruínas.
Este tipo de relexão soa sempre a lamento que incomoda e provoca reacções “politicamente correctas”, na procura de tranquilizar consciências que se atarefam em garantir que tudo o que nos acontece resulta da nossa falta de iniciativa, da nossa inacção e da nossa demissão.
Na verdade, não são essas as razões. De facto, há mais de setecentos anos, a generalidade das vilas que ainda hoje têm alguma importância no nosso distrito, já eram centros de reconhecido peso. Por isso, os monarcas de então lhes concederam forais, de que muito nos continuamos a orgulhar. O grande Dinis, poeta mas também lavrador, foi, aliás, pródigo em atribuições dessas autênticas cartas de consagração da autonomia e do reconhecimento da importância económica regional.
Depois, a atracção dos mares e dos novos mundos escoou-nos, pelos vistos sem remissão. Mesmo quando houve nesgas de horizonte no tempo em que o empreendedorismo judeu aqui se instalou ou quando o marquês, dito de ferro, ainda tomou medidas que alimentaram esperanças, com seda, vinho e tudo...
De então para cá foram séculos de penas e lágrimas, brasis e áfricas de sonhos e desilusões, franças e araganças de repique a finados, velórios descuidados em Belém e São Bento, lá para Lisboa.
Basta olhar à nossa volta e apurarmos os sentidos para percebermos que a nossa via dolorosa não parece ter fim. As actividades económicas arfam, a demografia desvanece-se, os eucaliptos espreitam, para ressequir tudo.
Não é pois, de estranhar que 2016 adentro continue a haver manchas do nosso território onde não chegou e, provavelmente, não chegará essa coisa, já vulgar, que é a possibilidade de comunicar por telefone móvel e ter acesso à internet.
Desde da década de noventa do século passado que o país se foi cobrindo com essa “maravilha”, com excepção, é claro, desta nossa terra. Isto apesar de posições de responsáveis locais, como, há uns anos Edgar Gata, então presidente de Freixo de Espada à Cinta.
Agora, Duarte Moreno, de Macedo de Cavaleiros, lá terá conseguido um protocolo com a Vodafone. Mas, muito do território de Vinhais, de Mogadouro, de Miranda e de outros concelhos, continua desguarnecido, com reflexos no agravar de desigualdades no que respeita à segurana, à assistência na doença ou simplesmente no acesso ao mundo.
Claro que se ouvirá sempre a velha história de que o rendimento não justifica o investimento, argumento que serve para que o poder central lave as mãos do problema, tentando iludir a clara discriminação de cidadãos que têm os mesmos direitos que todos os outros, nomeadamente os que habitam os condomínios de luxo do Parque das Nações, na Quinta da Marinha ou nos vários algarves.
É uma questão de justiça e de equidade, num país onde muitos enchem a boca de direitos, mas esquecem as obrigações e reponsabilidades que a política séria impõe.

Editorial
in:jornalnordeste.com

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