Sou um tipo moderno. E chique. Muito chique. Por isso não podia deixar de entrar num restaurante gourmet da moda. Vesti um Armani que comprei num saldo dos chineses, calcei umas sapatilhas com uma virgula estampada que regateei ao ciganito da feira e esvaziei, pelo pescoço abaixo, meio frasco de Chanel dos marroquinos.
E foi assim, cheio de cagança, como mandam as regras do pelintra luso, que fui jantar ao tal restaurante, gerido por um “chef” reputado com categoria internacional e olímpica.
Tramei-me! Antes tivesse ido ao tasco da esquina aviar uma bifana! Confesso que já levei muita tanga, mas como esta, nunca! Passei fome, fui gozado e fui roubado!
Sempre achei que cozinhar era um acto de descontracção, de partilha, de alegria, de afecto. E eu devia desconfiar, porque aqueles concursos gastronómicos das TVs transformaram uma actividade social sadia, numa agressão stressante, provocadora de lágrimas e depressões. Já para não falar das parvoíces dos mestres cozinheiros da moda, cujos pratos estapafúrdios e minimalistas se apelidam agora de “criatividade culinária”.
Colocaram-me um prato à frente que foi mais difícil de decifrar que as palavras cruzadas do JN ao domingo. Um prato que exibia 5 cm2 de um pobre robalo que pereceu inutilmente só para lhe extraírem um pedacito do cachaço, meia batata engalanada com um pé de salsa, e 2 ervilhas a nadarem numa colher de chá de um azeitado molho de escabeche, bem disfarçado com um nome afrancesado que nem vem nos dicionários. Para remate, três riscos de uma substância pastosa, estilo Miró, para preencher os restantes 90% do prato vazio.
E o bruto do português, habituado à sua travessa de cozido e ao panelão de feijoada, olha para aquilo com uma cara de parvo capaz de partir todos os espelhos lá de casa.
Esboça-se um sorriso amarelo, engole-se em seco, diz-se que está tudo óptimo ao empregado de mesa que mais parece uma melga à nossa volta, e enfiam-se dois Xanaxs quando nos metem a conta à frente. E, a muito custo, cala-se o berro de duas peixeiradas à nortenha que nos vai na alma.
Nunca mais lá volto. E sabem que mais?
Porque se quero comer aperitivos, como bolinhos de bacalhau e tremoços, que são muito mais saudáveis e baratos.
Porque para ver pintura abstracta, vou a uma exposição.
Porque detesto jantar uma comida onde toda a gente meteu as mãos.
Porque para ser roubado bastava ir à Autoridade Tributária, vulgo Finanças.
E, acima de tudo, porque desconfio de um cozinheiro que vive e trabalha com a ambição obsessiva de ser medalhado por uma companhia de pneus.
in:ncultura.pt
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(Henrique Martins)
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