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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Santa Comba e o rei Orelhão

Versão A(30):
Dentro da cerca da vila se conta que no tempo dos mouros se recolheram nesta cerca os cristãos, que foram uns falsos, que entregaram as chaves aos mouros e degolaram todos os que estavam dentro, que dizem chegara o sangue onde hoje está o pelourinho.
E desta vila eram naturais S. Leonardo e Santa Comba, de gente lavradora e pobre, que andavam no monte guardando o gado de seus pais; o rei mouro, que se chamava Orelhão, quis intender com a moça e eles foram fugindo até onde está um penhasco alto, e a santa se meteu pela fraga e ali escapou, [pois] que milagrosamente lhe abriu a passagem para dentro, e dizem [...](31) lhe tiraram as tripas, coração e os botaram a um poço no alto da serra.
E da parte de fora do cabeço está outra capela da invocação de S. Leonardo, que dizem foi aqui martirizado. Aqui acodem muitas povoações em procissão de vários povos a pedirem água aos santos e tudo Deus lhes concede por sua intervenção.
A esta parte lhe chamam agora Serra do Rei de Orelhão e em um cabeço que está para o sul da capela dos santos está o refúgio32 onde morava o rei mouro.

Versão B:
Segundo a lenda, Santa Comba e São Leonardo guardavam os seus rebanhos na serra que hoje tem o nome da santa. Orelhão [rei mouro], tentado pela formosura desta (que tinha visto em uma caçada) fez-lhe as mais tentadoras promessas, e quando viu baldadas as suas diligências para seduzir a casta donzela, tentou empregar a força. Ela, vendo-se em tão iminente perigo, foge para junto de um penedo, e, invocando a Virgem Maria, esta se abre para esconder a santa.
Orelhão, cego de furor e ardendo em desejos, desembainha a espada e dá tão grande cutilada no rochedo, que ainda hoje se lhe divisa o sinal. Então o feroz mouro vinga-se em Leonardo, matando-o no sítio da serra que por isso se chama fonte de São Leonardo, onde rebenta um manancial de água cristalina.

Versão C:
Na Serra de Santa Comba, ao pé de Franco, a alguma distância de Mirandela, havia uma rapariga no tempo dos Mouros. Um governador foi uma vez atrás dela, mas quando a rapariga chegou ao pé de um penedo, este abriu-se e só ficaram de fora os cabelos. O governador mandou em seguida deitar fogo à serra, e ainda hoje se conhece o vestígio do incêndio. Em memória edificou-se ali a capela de Santa Comba, que era o nome da rapariga.

(30) Fizemos nesta versão algumas correcções/actualizações de ortografia.
(31) Há certamente aqui uma lacuna do narrador original. Pela leitura de outras versões da mesma narrativa, presume-se faltar aqui a alusão à morte de S. Leonardo, sob as lançadas do rei mouro.
(32) O local conhecido por “Refúgio do rei Orelhão” é um castro, onde se vêm restos de muros de pedra solta que se serviram de vedação e de habitações. (Alves, 1934a: 449).

Versão D (A lenda do Rei Orelhão):
O nome de Lamas de Orelhão vem de um rei mouro muito mau que viveu nestas terras há muitos e muitos anos. Dizia-se até que o rei Orelhão tinha uma orelha de gato e outra de cão. Portanto, não era só mau. Era mau e feio.
Contam os antigos que nesse tempo vivia também aqui uma pastora muito boa e bonita chamada Comba, que costumava ir para os montes com o rebanho juntamente com o seu irmão Leonardo. Um dia o rei Orelhão viu-a e, como era bonita, tentou seduzi-la. Primeiro esperou que estivesse afastada de seu irmão, depois abeirou-se dela e disse-lhe:
– Quero que me venhas catar os piolhos.
A menina, ao ver que se tratava do rei mouro, e como era ele quem ali mandava, obedeceu. Sentou-se então numa fraga e o rei encostou a cabeça ao seu colo para que o catasse. Estiveram assim horas e horas, pois o mouro, como estava a gostar do colo de Comba, já não queria sair dali. Até que adormeceu. Ela, ao vê-lo a dormir, desatou muito devagarinho o avental, pousou a cabeça do mouro na fraga e fugiu.
Dali a nada o mouro acordou e, ao ver que a moça tinha fugido dele, montou no cavalo e foi em sua perseguição para a castigar. Ela fugiu, fugiu, e, ao sentir o mouro já perto, abeirou-se de uma grande fraga e disse:
– Abre-te fraga bendita e salva Comba catita!
E o milagre deu-se. A fraga abriu-se e a menina entrou nela, desaparecendo da vista do mouro. Este, numa última tentativa para alcançá-la, lançou contra ela a sua lança, que, ao embater na fraga, deixou lá um golpe tamanho que ainda hoje se pode ver.
Entretanto, para tentar ajudar Comba, vinha já na mesma direcção o seu irmão Leonardo. Então o mouro pega, vingou-se nele. Só que o ódio era tanto, que não se limitou a matá-lo. Estripou-o.
Mais tarde outros pastores foram achar as tripas do Leonardo atrás de um juncal. E nesse mesmo sítio nasceu uma fonte. A água é milagrosa. A fonte ainda hoje ali está e chama-se "Fonte de S. Leonardo". E na fraga onde Comba desapareceu o povo construiu depois uma capela, que tem o nome de Santa Comba dos Vales.(33)

Fonte – versão A: Reverendo Matias Pires apud ALVES, Francisco Manuel – Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, Porto, vol. IX, 1934, p. 448. Fonte – versão B: LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, vol. 4, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1874, p 31. Fonte – versão C: VASCONCELLOS, J. Leite – Contos Populares e Lendas, Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis, 1969, pp.
548-549. Fonte – versão D: Inf.: Maria Emília (Tia Locas), 78 anos; rec.: Pai Torto, Mirandela, 1997. (33) É de referir que esta lenda corria já no seio do povo em inícios do Séc. XVI, altura em que António Ferreira lhe deu forma numa extensa composição poética narrativa, de notável elegância e erudição, apresentada em oitava rima decassilábica e sob o título “História de Santa Comba dos Vales”, sendo publicada pela primeira vez na obra “Poemas Lusitanos” editada em 1598. O poeta, que nasceu em Lisboa em 1528 e faleceu em 1569, casou em segundas núpcias com Maria Leite, de Lamas de Orelhão, onde chegou a residir por volta do ano de 1564 (Veloso Martins, s/d: 357), o que permite admitir que esta seria a versão mais comum da lenda.

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