Todo o fumeiro transmontano tem alheiras, mas foi o nome de Mirandela que vingou, graças à centenária estação da linha do Tua, onde afluía gente de vários pontos da região a escoar produtos para os grandes centros.
As alheiras que chegavam às messes do Exército, cantinas de grandes empresas e supermercados do Porto, Coimbra e Lisboa, nem eram de Mirandela. Porém, levavam o selo da estação e na volta as encomendas eram feitas com pedido de “alheira de Mirandela”.
“É como o vinho do Porto. O Porto não tem vinhos. O vinho fino saía de Freixo de Espada-à-Cinta, São João da Pesqueira, Régua. Só que ele, quando ia para fora, era carregado em Gaia, na foz do Douro e era dali que levava o selo do Porto”, compara Jorge Morais, presidente da Associação Comercial e Industrial de Mirandela.
Só no concelho de Mirandela, o enchido, eleito uma das maravilhas gastronómicas de Portugal, movimenta 30 milhões de euros por ano e dá emprego diretamente a 600 pessoas em cozinhas regionais, mas sobretudo nos 12 grandes produtores e fábricas.
De algumas destas fábricas saem 20 toneladas por dia, o que equivale a 100 mil alheiras, mais de dois terços para o mercado tradicional e algumas para exportação rumo a países europeus, como França, Luxemburgo ou Reino Unido, mas também Angola e Macau.
À alheira tradicional confecionada com pão, carne de porco e azeite, ou de carne de aves, adicionou-se inovação com alheiras de bacalhau, vegetarianas, de cogumelos, para doentes renais ou para crianças.
Há, porém, alheira e Alheira de Mirandela, a primeira é a corrente que sempre se confecionou e a segunda a certificada e a única que pode levar o nome de “alheira de Mirandela”, com Indicação Geográfica Protegida (IGP) conferida este ano, e que só pode ser produzida no concelho transmontano.
Das diferentes formas de confeção, chegou-se a uma receita que obriga ao uso de produtos regionais certificados como a carne da raça suína autóctone Bísara ou o azeite com Denominação de Origem Protegida (DOP).
A alheira certificada é mais cara e pode custar seis ou sete euros o quilograma, o dobro do preço da corrente.
O sucesso da alheira não terá sido alheio ao facto de ser um prato económico e que sacia, sendo por isso atrativo para as grandes cantinas industriais do Litoral, para onde migraram muitos transmontanos, defende Isidro Borges, filho de um dos primeiros fabricantes de alheira em Mirandela.
Isidro é professor e treinador de uma das modalidades de maior sucesso na região, o Ténis de Mesa, mas não abandonou as memórias de um tempo, na década de 1970, em que, ainda miúdo, para ir ao cinema, tinha de ajudar a acondicionar as alheiras nas caixas de madeira em que seguiam para a estação de comboio.
Há 60, 70 anos, recorda à Lusa, já havia um grande comércio de alheira de Mirandela para o exterior.
O pai de Isidro era agricultor e decidiu também produzir alheira junto a uma taberna de que era proprietário.
Pouco depois, surgia a Tópiteu, uma associação de pequenos produtores que projetaram uma espécie de cooperativa. O nome e o espaço mantêm-se, mas são atualmente uma das grandes fábricas de Mirandela.
Foi nas Alheiras Borges, do pai de Isidro, que aprenderam algumas mulheres, que se instalaram depois por conta própria, dando origem a grandes fábricas, como Angelina, a mãe de Sónia Carvalho.
Sónia e o irmão dirigem hoje em dia o negócio que os pais iniciaram há quase 30 anos e que já ganhou todas as medalhas de ouro que havia para ganhar. Todos os dias colocam no mercado quatro a cinco toneladas de alheira, das quais mil quilogramas da certificada.
O comboio já não percorre a linha do Tua até ao Douro e há muito que deixou de transportar alheiras, com os grandes produtores a fazerem todo o circuito da produção à comercialização, incluindo frota própria de transporte.
O cliente que procura a alheira certificada é o do mercado tradicional e ‘gourmet’ e Sónia ficou “muito contente” com a lista de lojas de Lisboa nomeadas para o comércio tradicional mais antigo de que fazem parte clientes dela.
“É sinal de que nós estamos em parceria há muitos anos e tudo o que é bom está nesse tipo de comércio”, vinca a empresária, que dirige a primeira empresa certificada do distrito de Bragança e se formou em engenharia alimentar para estar mais bem preparada para o negócio.
Os últimos anos correram bem à alheira, que sempre viveu “do mercado da crise”.
“É um prato supereconómico, não chega a 90 cêntimos (por pessoa), e deixa saciado”, aponta, referindo-se a preços da alheira corrente.
Para manter a qualidade, a produtora não abre mão do preço, ainda que tenha de abdicar de contratos com grande superfícies e para exportação, que pedem barato.
O Brasil é o destino ambicionado por esta produtora, que espera possam ser ultrapassados alguns obstáculos, como taxas alfandegárias.
“A alheira sai de Portugal com um preço que lá vai triplicar e os ordenados no Brasil não permitem aceder ao produto”, observa.
Se conseguirem chegar ao Brasil, “aí sim, teria de haver associativismo, porque nenhuma das fábricas, só por si, teria capacidade de abastecer as quantidades que eles propõem”, alerta.
in:bomdia.eu
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