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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - DUARTE NUNES NOGUEIRA OUVIDOR EM ANGOLA (1543 – DEPOIS DE 1596)

Na generalidade dos compêndios de história de Portugal quando se fala da conquista e colonização de novas terras, destaca-se o esforço militar de alargamento do império e a ação dos missionários na expansão da fé cristã. É uma história de batalhas e milagres, de heróis e de mártires. Despercebido passa o papel dos mercadores e ignorada é a ação dos judeus e cristãos-novos.
O caso de Duarte Nunes Nogueira é exemplar a tal respeito. Mostra um cristão-novo de Bragança movimentando-se entre o poder político, as expedições militares, o clero regular e os jesuítas ao início da conquista, colonização e evangelização de Angola.
Corria o ano de 1575 quando Paulo Dias de Novais desembarcou na Ilha das Cabras (atual cidade de Luanda) com uma expedição militar e o título de “governador, capitão-mor, conquistador e povoador do reino de Sabaste na conquista da Etiópia ou Guiné Inferior”. Seguiam com ele 4 padres jesuítas para evangelizar os povos. À chegada, encontraram uns 40 mercadores e 7 embarcações para carregar escravos. (1)
Seguiu a conquista de terras junto ao mar e ao longo do rio Quanza, com a conversação ao cristianismo de alguns sobas e com eles os respetivos súbditos, que ali vivia-se em fechado sistema feudal. 5 anos depois as coisas não corriam muito bem para os Portugueses, com o “amigo” rei Ngola a revoltar-se e a somar vitórias militares. As tropas de Novais eram dizimadas pelas febres e pelas setas dos nativos, tendo também falecido 2  jesuítas.
De Lisboa seguiram reforços  e um padre jesuíta que faria alterar o curso dos acontecimentos. Chamava-se Baltasar Barreira e, por mais de 10 anos revelou-se o homem forte do novo reino de Angola, com extraordinária visão política, capacidade de organização e comando militar e muita habilidade no que respeita à economia.
Em compensação, o governador Paulo de Novais fez doação aos jesuítas de imensas terras e de uma dezena de sobas com os respetivos povos. E os sobas, que sempre prestaram vassalagem a outros senhores, passaram a prestá-la aos jesuítas. E a vassalagem traduzia-se principalmente no pagamento de impostos que eram feitos não em moeda mas em escravos. (2) E os jesuítas, sob a batuta do padre Barreira tudo faziam para ter os sobas do seu lado e contentes. Para isso quando os batizavam faziam cerimónias empolgantes, vestindo-os de gal, dando-lhe nomes portugueses e elevando-os à categoria de fidalgos, numa imitação das cerimónias de cavalaria que a nobreza fazia em Portugal. Nas “reduções” (fazendas) dos jesuítas trabalhavam multidões de escravos e acumulavam-se riquezas.
O poder do padre Barreira e dos jesuítas, era imenso e isso desagradava particularmente aos mercadores de escravos. Até ao provincial da Ordem, em Lisboa, estranhava o poder do padre Barreira e não podia tolerar o envolvimento (ou mesmo o domínio) dos seus “missionários” no negócio das “peças” humanas.
Em 1592 surgiu oportunidade para mudar o rumo dos acontecimentos. O rei Flipe nomeou para governador um homem cheio de prestígio, do ponto de vista militar e da governação colonial – o capitão-mor de Tanger, D. Francisco de Almeida. Este escolheu para seu “ouvidor geral” Duarte Nunes Nogueira. Infelizmente não encontramos qualquer documento que nos permita perceber as razões que levaram o governador a escolhê-lo para seu braço direito e homem de confiança. Seriam relações familiares mais ou menos próximas? Na verdade encontramos gente de Bragança, próxima da família de Duarte casar em Lisboa no seio de uma família Almeida, cristã-velha. Mas quem era este Duarte Nunes?
Sabemos que nasceu em Bragança, por 1543, sendo filho de Ambrósio Nunes e Helena Dias. O pai era natural da vila de Cortiços (3) e a mãe era de Vila Franca de Lampaças. Tinha um irmão (Pero Nunes Nogueira) casado em Lisboa, que era “criado d´el-rei”.
Andou pela América Latina, mais concretamente no Perú e em Tucumán, Argentina. Tinha 49 anos quando entrou no desempenho do cargo de “ouvidor geral do reino” de Angola, em Junho de 1592. Pouco tempo se manteve no cargo e muitas tribulações sofreu. Tal como o governador. Com efeito, este era portador de um decreto real que anulava todas as doações feitas em 1571 a Paulo de Novais, aos jesuítas e a outros particulares. Isto provocou uma tremenda revolta, chefiada também pelo padre Barreira. E terminou com a prisão do governador e sua expulsão de Angola em Março de 1593.
Em simultâneo, Duarte Nogueira foi denunciado na inquisição como judeu. Acusavam-no de ter dito que a sua vara de ouvidor devia ser respeitada tanto como a cruz; que chamava santa Úrsula à sua coura (espécie de avental de couro) e ao seu roupão Santa Marta; que a igreja canonizava santos falsos parecidos com a freira da “Anunciada” (4) de Lisboa…
O processo (5) instaurado a Duarte começou a ser instruído em Luanda pelo vigário geral, padre Manuel Rodrigues Teixeira, a pedido do próprio acusado. Depois de ouvir as testemunhas de acusação e de defesa, em 8.7.1593, enviou os autos para o inquisidor Heitor Mendes Furtado, que então assistia na cidade brasileira da Baía, em visitação do santo ofício e cujo poder se estendia a todas as terras portuguesas do Atlântico meridional, com o despacho seguinte:
- Por não haver prova bastante neles para prender o réu Duarte Nunes Nogueira, conteúdo neles, remeto os ditos autos, no estado em que estão (…) e o réu se embarque a aparecer em juízo, solto.
Mandava também uma carta para Furtado Mendonça escrevendo, entre outras coisas:
- Só lembro a V. M., por descargo da minha consciência, que todos quantos juraram contra este homem são seus capitais inimigos (…) Ele foi ouvidor geral do governador e com a justiça escandalizou alguns e por outras razões que o ameaçaram (…) Dos padres da Companhia nada digo porque dos autos verá V. M. ser isto assim e suas tenções danadas.
Seguiu para o Brasil o processo e o réu. Um mês depois, em 21.8. 1593, o inquisidor ditava a sentença:
- Que o réu seja repreendido nesta mesa e se lhe imponham penitências espirituais, que se confesse 5 vezes por ano (…) e pague 6 mil réis para despesas do santo ofício.
Foi uma sentença muito leve, reveladora de que o processo era essencialmente político e não religioso. E a sua resolução caberia ao rei, passando pelo castigo da rebelião encabeçada pelo padre Barreira com o despacho de um novo governador – João Furtado Mendonça – que seguiu para Angola acompanhado de uma forte expedição militar e de 12 raparigas órfãs, educadas em Lisboa no recolhimento da Misericórdia e terão sido as primeiras mulheres brancas que chegaram a Luanda para casar e contribuir para a expansão da fé e do império.
Não temos aqui espaço para apresentar o processo de Duarte. Diremos tão só que para além dos jesuítas e do padre Barreira, os seus inimigos e delatores foram alguns “nobres cavaleiros africanos” e um grupo de mercadores cristãos-novos beneficiados em tempo do governador Novais, agrupados em volta de Luís Gonçalves Bravo, que passou à história com o epíteto de “sol” e de João de Vitória, ouvidor geral anterior. Veja-se apenas um trecho da defesa de Duarte:
- João de Vitória é inimigo meu por razão da prisão do governador e alçamento e ser ele a principal pessoa neste delito e sabia que eu o havia de prender e castigar com as minhas mãos. E quando o fui prender, à meia-noite, a ele e seu cunhado Manuel Jorge, por ter sido avisado pelo pajem do governador escaparam e na noite seguinte foi o alçamento e prisão do governador. E demais (…) me tem roubado minha justiça em uma nau que fretei (…) que me importou mais de 100 escravos (…) E Diogo Dias Veloso é meu inimigo porque julguei contra ele (…) em paga de negros que me devia, em jogo que me não pagou.
Para descrever a personalidade de Duarte nada melhor do que utilizar expressões tiradas do processo:
- O dito Duarte Nunes não é mouro nem cristão nem judeu nem segue lei nenhuma (…) é zombador e se pela de dizer ditos e gracetas.
Terminamos dizendo que em 1596 o encontramos casado, a morar em lisboa na rua da Cutelaria.

NOTAS E BIBLIOGRAFIA
1-LEITÃO, José Augusto Duarte – A Missão do Pe Baltasar Barreira no Reino de Angola (1580-1592), in: Lusitania Sacra, 2ª série, 5, pp. 43-91, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1993.
2-Ascendia a 300 escravos o tributo que os sobas entregavam anualmente aos jesuítas, que tinham ainda doações de outras entidades.
3-Esplendián Nunes, irmão de Ambrósio Nunes, foi o patriarca da família Cortiços, uma poderosa família de banqueiros e grandes mercadores da Europa.
4-Foi caso que uma freira do convento da Anunciada em Lisboa apareceu com chagas nas mãos e em volta da cabeça, tal como as chagas de Cristo. A fama do milagre espalhou-se rapidamente e ganhou muito crédito graças ao grande pregador Frei Luís de Granada que escreveu um trabalho contando o milagre (“Historia de la admirable vida de Soror Maria da Visitación, religiosa dominica”). Veio depois a descobrir-se que as chagas eram feitas por ela, sendo processada pela inquisição. – ANTT, inq. Lisboa, pº 1491. Sobre o assunto, Camilo Castelo Branco escreveu o livro: Virtudes Antigas A freira que fazia chagas…
5-ANTT, inq. Lisboa, pº 10875, de Duarte Nunes Nogueira.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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