Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos
(colaborador do "Memórias...e outras coisas..")
Final de dezembro.
Naquela região as noites são frígidas. Nessa época também festejam o final das colheitas.
Toda a cidade de Jerusalém está tomada de gente. São pastores que participam dos leilões, tentando comprar alguma rês para seu próprio redil; fazendeiros que procuram mudas de tâmaras, ou gado miúdo; mercadores de todos os tipos, mercado de escambo, encantadores de serpentes, músicos, artistas saltimbancos, jogadores e ladrões. Não havia uma única estalagem ou hospedaria com vagas, mesmo os becos estavam tomados por pessoas que pretendiam passar ali mesmo a noite fria que se avizinhava.
Ao cair da noite, chega mais um casal. Eles vêm de Nazaré, Israel, passando pela Galileia, norte da Palestina. Uma longa caminhada!. Ela montada sobre um jegue; ele a pé. Passam por todas as estalagens e hospedarias, ouvindo sempre a mesma resposta negativa: não há vagas! Ela de repente sofre uma vertigem. O esposo, um senhor de sessenta anos presumíveis, mal consegue ampará-la enquanto desce da montaria. Ambos estão muito cansados. O esposo fala-lhe calmamente nos ouvidos. Ela dá um sorriso doce e diz que está bem, recompõem-se. Passa a mão sobre o ventre. Pelo volume nota-se claramente que está grávida. Eles não buscam somente um local para descansar: procuram um lugar para que ela dê a luz. Seguem ziguezagueando por entre a ror. Nenhum beco disponível, nenhuma eira, nenhuma beira. Assim sem o notar, vão se afastando do centro da cidade. Penosamente sobem a encosta de uma colina.
Lá no alto, encontram um estábulo guardando apenas uma vaca e dois carneiros. Os animais com seu hálito quente aqueciam o ambiente. O esposo juntou palhas a um canto, convidando a jovem gestante a acomodar-se.
A estrebaria parecia confortável, mas estava muito fria. O velho esposo retirou sua capa de sobre a túnica e cobriu-a, pedindo que repousasse. A jovem gestante aceitou a oferta e retribuiu-lhe um doce sorriso. Porém o frio continuava e a jovem gestante tentou devolver a capa do velho esposo. Ao fazer o esforço para desvencilhar-se da capa sua bolsa uterina rompeu-se e os espasmos começaram muito fortes. O velho esposo sentiu-se impotente para cuidar da esposa naquelas condições. Enquanto ela dizia que tudo estava bem, ele saiu desesperado para conseguir lume para aquecer sua jovem esposa e para a criança que haveria de nascer. Nessa hora, no entanto, as ruas já estavam vazias. Bateu nas portas pedindo lume; lho negaram.
E assim foram dez, vinte trinta vezes. O velho esposo desesperava-se por estar demorando a voltar e precisava levar o lume. Assim atravessou toda a cidade. O frio era intenso. Seus ossos doíam de cansaço e de frio. Então vê ao longe uma fogueira de algum pastor acampado. Em volta da fogueira dois homens dormiam, aquecidos que estavam pela fogueira. Ao lado dos dois homens cerca de dez cães pastores. Os carneiros, centenas deles, dormiam recostados uns aos outros. Nenhum espaço para passar entre os carneiros até chegar à fogueira.
O velho esposo, incontinente, decide ir buscar o lume. Na impossibilidade de passar entre os carneiros, resolveu passar sobre eles. Não sem custo sobe sobre o dorso do primeiro, daí caminha até o segundo e assim por diante. Nenhum carneiro baliu ou de moveu! Chegando às proximidades da fogueira, passa agora entre os ferozes cães pastores. Nenhum cão latiu ou rosnou ou mordeu-lhe! Passou entre os dois pastores que ressonavam tranquilamente. Nenhum dos homens acordou ou sequer olhou para o lado em que estava! O velho esposo agora observava as brasas da fogueira. Elas luziam como rubis! Mas, como pegar, acondicionar e levar as brasas até a estrebaria em que sua jovem esposa estava aguardando-o? Após hesitar por um momento, ele tocou as brasas com as mãos. Sentiu apenas um leve calor. Tomado de fé, suplicou a Deus que o ajudasse; enquanto tomou várias e várias brasas com suas mãos nuas. Nenhuma brasa lhe queimara!. Mas, um punhado de lume era muito pouco, que fazer? Passou então as brasas das mãos para os bolsos da túnica. A túnica não se queimara!. Saiu dali feliz, levando nos bolsos reluzentes o lume que sua jovem esposa tanto precisava. De novo passou entre os dois pastores, a matilha e o gado ovino, atravessou a cidade.
Notou então uma estrela de brilho farto que parecia parada sobre a colina onde estava o estábulo. Na entrada do estábulo admirou-se de haver visitas, porém bem vestidos. Perguntou-lhes sobre a jovem esposa, eles lhe disseram que estava muito bem e agasalhada. E ainda ofereceram-lhe presentes e para a criança. Era ouro, incenso e mirra; produtos que valiam um tesouro.
O velho esposo, para surpresa dos três magos, retirou dos bolsos da túnica as brasas, que depositou sobre o chão de pedra. A criança vestida em linda túnica dormia na manjedoura recoberta de palha. A jovem esposa agradeceu o esforço do esposo para lhe trazer o lume, e louvou-o por isso, no quê foi acompanhada pelos magos. O velho esposo emocionado com todos os acontecimentos daquela noite especial, perguntou aos magos:
- Que noite é essa, em que as ovelhas não balem nem acordam, que os cães não ladram nem mordem, que os pastores não acordam, que o fogo não queima, e que uma pobre criança recebe presentes e visitas tão dignas?
- Respondeu comovido um dos magos: é a noite de Natal, meu amigo. Jesus Nazareno acaba de nascer!
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. Nascido em julho de 1946, é natural da zona rural de Cravinhos-SP (Brasil). Nascido e criado numa fazenda de café; vive na cidade de São Paulo (Brasil), desde os 13. Formou-se em Física, trabalhou até recentemente no ramo de engenharia, especialista em equipamentos petroquímicos. É escritor amador diletante, cronista, poeta, contista e pesquisador do dialeto “Caipirês”. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos” e quatro em antologias, junto com outros escritores amadores brasileiros. São seus livros: “Pequeno Dicionário de Caipirês (recém reciclado e aguardando interesse de editoras), o livro infantil “A Sementinha”, um livro de contos, poesias e crônicas “Fragmentos” e o romance infanto-juvenil “Y2K: samba lelê”.
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(Henrique Martins)
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terça-feira, 26 de dezembro de 2017
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