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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

A ilusão desiludida

Eu sabia quão nítida e riscante era a realidade, no entanto, sabia-me bem, dava-me aprazimento vogar na ilusão sempre que podia. Não era um nefelibata, era um ilusionista de um só único espectador, eu, qual suicida entusiasta (ainda não tinha lido o livro) por ganhar momentos de felicidade. Um de tais suplementos nutricionais da ânima era o de namorar sem a namorada o saber. Tal e qual!
Ora eu namorava uma menina a viver num Lar da Mocidade, a adolescente seria mais nova um ou dois anos, via envergando o traje (farda) a caminho e na vinda da Igreja de Santa Clara às quartas, sábados e domingos, olhava-a, contemplava-a, fixava-lhe o corpo, com tanto apreço como o Giordano Bruno pelos corpos celestes. 
Tudo deslizava na minha mente até ao dia primeiro de Dezembro de determinado ano. O feriado permitia às meninas do Lar mostrarem-se fora do circuito escolar e das preces à Santa de Assis, a Santa figura tutelar da Ordem franciscana das Clarissas, daí a razão de andar, estar alvoroçado ante a certeza de vislumbrar a amada, não em qualquer modelo de platonismo serôdio ou evidente, intimista apenas.
Antes da missa das dez já eu tinha transposto a soleira da porta, sapatos polidos a cuspo e graxa, calças vincadas, camisa lavada, casaco escovado, samarra liberta de vestígios de migalhas e ala que se faz tarde à espera tão ardente quanto Dante num assomo de febre amorosa.
Ouvia o arroz pró pote da banda do Patronato, assisti à execução tremelicante de passos desprovidos de marcialidade repisados bombeiros comandados pelo Sr. João Baptista Martins, vi passar a hoste bufa dos dignitários da Legião num arremedo verde das camisas cor de caca dos nazis, quando surgiu o rancho das moças de blusa verde, saia castanha e solidéu do mesmo tecido e cor, logo que a vi cometi o erro de segredar ao meu primo Tó – aquela é a minha namora – lesto respondeu-me ser a visada de outro seu primo. Fiquei varado, insisti na minha versão fantasiosa, teimei, o malogrado meu primo também teimou. Escapuli-me.
Regressei combalido a casa, não me interessaram as ofertas de mocas utilizadas no decurso do cortejo impulsionado pelos estudantes trajados a preceito – capa e batina e adereços – tal qual como na Lusa-Atenas, estava derrotado. No entanto, não ia desperdiçar a possibilidade de a rever engolfado no cortejo que terminava junto da casa do Dr. Adrião Amado, o qual após os eferreás tinha o cuidado de vir à janela saudar a Academia.
Os espanhóis dizem não existirem amores sem ciúmes, porém faltava-me o sujeito a conceder verdade à pulsão ciumenta, nem de frente, nem de perfil, sim uma extraordinária ilusão desiludida pela veemência do meu malogrado primo. Agora, troço da puerilidade, naquela tarde friorenta dedicada a dar vitoriar os Restauradores, o frio forte da traição inverosímil arrepiava-me.
Muitos anos mais tarde voltei a ver a Menina no corpo de mulher casada e mãe de filhos. Estava na mercearia do Sr. Victor Abreu. Sem querer saber soube que nunca teve falas ou namoro com o fautor do meu desgosto. Notoriamente o Tó quis-me azucrinar o coração, não os ouvidos. Perdoei-lhe a maldade.



Armando Fernandes
in:mdb.pt

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