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Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço.
A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)
Em Bragança, a herança dos cuscos está viva – e recomenda-se!
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O aspeto dos cuscos após a última secagem Foto: Lucília Loureiro |
A conta é quase certa. D. Guilhermina, 53 anos, perde, pelo menos, um dia inteiro a confecionar os cuscos. Como o processo é moroso, fá-los normalmente na primavera, já que no inverno não secam tão bem, para consumo próprio. Aprendeu em garota, com a mãe e a avó e, quando retomou à aldeia de Samil, às portas de Bragança, após uns anos a viver em Lisboa, voltou a arregaçar as mangas. “Antigamente era comida de trabalho, estava sempre no menu das segadas [ceifadas], como substituto do arroz e da massa”, recorda. O resto da família não aprecia, por isso cozinha-os quando está só com a mãe, apenas com tomate. “É a dose certa.”
Esta foi uma das seis mulheres que confecionavam regularmente os cuscos encontradas por Patrícia Cordeiro no périplo feito pelo concelho de Bragança, em 2015. “Muitas outras recordavam-se perfeitamente de como se faz, era uma tradição sedimentada na região”, conta a socióloga, responsável pela condução da investigação e da posterior proposta, feita pelo município brigantino, de inscrição do processo de confeção de cuscos no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. Um projeto implementado pela Direção-geral do Património Cultural (DGPC), por força do cumprimento da convenção da Unesco para a salvaguarda do património imaterial. “O bom do inventário é ter criado este momento de investigação e de trabalho de campo, que já proporciona uma dinâmica de preservação e de memória”, acredita Patrícia. Julga-se que a presença dos cuscos em Portugal, prato nacional da Argélia e de Marrocos, de origem berbere, remonta aos tempos da conquista árabe do continente europeu, mas também há quem avance com a hipótese de terem sido introduzidos pelos judeus sefarditas. Já no primeiro livro de receitas impresso em Portugal, A Arte de Cozinha, escrito por Domingos Rodrigues em 1680, aparece uma de cuscús, muito semelhante à praticada na atualidade.
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D. Guilhermina, uma das mulheres que ainda confeciona regularmente cuscos, e a socióloga Patrícia Cordeiro Foto: Lucília Monteiro |
Apesar dos novos hábitos alimentares terem afastado os portugueses do consumo (e, sobretudo, da produção) de cuscos, em Bragança, esta não é uma prática perdida no tempo e o envolvimento ativo da comunidade foi essencial para o registo de todo o processo. Graças àquelas mulheres, Patrícia conheceu todos os passos das receitas (veja-se o vídeo em baixo), com algumas diferenças de casa para casa. Numa cozinha separada da moradia, D. Guilhermina controla toda a produção. Primeiro, põe a farinha numa masseira grande. “Utilizo a farinha de trigo normal, comprada na Moagem do Loreto [fábrica no centro de Bragança, existente desde 1926]”, diz D. Guilhermina, já que o trigo barbela praticamente deixou de ser produzido na região. Com a ajuda de uma vassourinha (ou de um raminho de salsa), uma mulher salpica a farinha, gota a gota, com água (D. Guilhermina também inclui ovo, para os cuscos ficarem amarelinhos), enquanto outra mulher remexe a farinha em movimentos circulares, sempre para o mesmo lado, até se formarem grumos. Depois, passa pelo crivo (ou peneira) e os grãos amarelos pálidos, de tamanhos pouco uniformes, são postos em cima de um tecido, para secar. Só mais tarde são cozidos a vapor, colocados dentro de um pano numa cuscuzeira (um recipiente feito de barro, com uns furos na base, que D. Guilhermina herdou, já que os oleiros deixaram de os produzir), que é posta em cima de um pote de ferro com água, botada ao lume da lareira. Após a cozedura, têm de passar por nova secagem. “Guardo-os em sacos de pano e duram imenso tempo”, acrescenta D. Guilhermina.
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Pargo e cuscos de Vinhais com lingueirão, o prato preparado pelo chefe de cozinha Óscar Gonçalves no restaurante G, na Pousada de Bragança |
A região transmontana está bem representada por chefes de cozinha de renome. Justa Nobre, José Cordeiro ou Vitor Matos foram alguns dos que já se aventuraram em versões renovadas dos cuscos e afastaram a imagem de alimento para gente pobre. No restaurante G, na Pousada de Bragança, com uma aposta na cozinha de autor profundamente enraizada no território, o chefe Óscar Gonçalves faz questão de ter no menu um prato de pargo e cuscos de Vinhais (feitos pelas mulheres da família) com lingueirão. “Não faz sentido dar aos clientes caviar, quando podemos enaltecer os nossos produtos”, defende. O presidente da Câmara Municipal de Bragança, Hernâni Dias, alinha no mesmo discurso: “Temos grande potencial a nível gastronómico, nomeadamente com tudo aquilo que são os produtos endógenos, de grande qualidade, que queremos continuar a promover”. Com ou sem a inscrição dos cuscos no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial – a DGPC ainda não deu uma resposta – a aposta na sua divulgação é para se manter.
Joana Loureiro
Visão Sete
Gostava de ter a receita deste pargo e cuscos de Vinhais com lingueirão. Obrigado
ResponderEliminarCumprimentos
Fernando Encarnação