Foto: Nelson Garrido |
A primeira versão, apresentada no passado mês de Fevereiro, era um pouco mais do mesmo. Como aqui escrevi, no capítulo das soluções, só avançava com três propostas concretas e de algum relevo: a diminuição do stock mínimo de vinho do Porto, para atrair novas empresas e novos produtores (já baixou entretanto para os 75 mil litros, mas este é um valor que continua a afastar do negócio centenas de produtores-engarrafadores; para estes, o estudo defende, e bem, que possam comprar vinho do Porto a terceiros, para melhorar a qualidade dos seus pequenos stocks); a criação de um Simplex + para os agentes do sector; e a criação de uma plataforma logística regional no Douro. Como todos os estudos do género, propunha também algumas medidas com nomes pomposos que podem significar tudo ou nada, como a criação de um “Sistema Inteligente de Mercado”, de um “Sistema integrado de formação” e de uma “Regulação inteligente do vinho do Douro”.
Óbvio, embora bem fundamentado, no diagnóstico traçado, o estudo inicial deixava subjacente a velha tese de que os problemas da região duriense se resolveriam com mais promoção e consequente aumento das vendas de vinho. No contributo que enviou, a família Symington (é o maior proprietário do Douro) lembrou que o foco do trabalho “não deveria estar centrado nos mercados, mas sim nas gravíssimas debilidades na cadeia produtiva a montante e nas suas consequências devastadoras para o futuro do vinho do Porto e do DOC Douro”. “Uma grande parte do enorme crescimento das vendas do DOC Douro tem sido feito na base de uvas compradas a menos de metade do seu custo real. Como é que esta realidade pode ser deixada de fora numa análise estratégica?”, questionavam os Symington, acrescentando que “não é possível manter um sector dos Vinhos do Porto e do Douro (e consequentemente a economia regional da RDD), saudável, sustentável e vigorosa, assente em fundações institucionais e regulamentares antiquadas, desactualizadas e que não reflectem as necessidades de um sector cuja realidade mudou, de uma forma absolutamente radical, nos últimos 30 anos”.
Na versão final, os autores do estudo – vinte e um investigadores coordenados por Tim Hogg, professor da Escola Superior de Biotecnologia (ESB) da Universidade Católica do Porto e actual director Executivo da Plataforma de Inovação em Vinha e Vinho da UTAD, e João Rebelo, professor catedrático de Economia nesta universidade, sob a avaliação geral do economista Daniel Bessa – acolheram este e outros contributos e idealizaram um plano de acção bem mais realista e ambicioso.
São 11 as grandes medidas apresentadas, umas focadas no marketing e no negócio e outras na organização do sector. De todas, há uma que é só por si um programa de trabalho. É das tais que têm um nome pomposo - “Regulação competitiva do sector vitivinícola da Região Demarcada do Douro” – mas trata do essencial. E o essencial passa por resolver a distorção existente entre o custo real de produção de uvas para DOC Douro e o preço, abaixo do custo, a que são pagas, em resultado de um desequilíbrio entre a oferta e a procura. A consequência imediata é o empobrecimento dos produtores e a degradação da imagem do Douro, uma vez que os vinhos são vendidos a um preço que também não reflecte o verdadeiro custo de produção das uvas. Dos cerca de 40 milhões de litros de DOC Douro comercializados em 2017, 80 por cento foi vendido, à saída da adega, a um preço médio de 2,79 euros o litro, sem contar com os descontos que costumam ser feitos. Para uma região onde a produção média por hectare ronda os 4 mil quilos, é um preço ruinoso e desprestigiante.
Para inverter esta situação, os autores do estudo propõem a criação para os vinhos DOC Douro de um sistema regulatório semelhante ao que já existe no Vinho do Porto e que “tem permitido um relativo equilíbrio entre a oferta e a procura e a transferência de valor para os viticultores via preço das uvas”. Isto passa, basicamente, pela atribuição de quotas de produção também para o DOC Douro, o chamado “benefício”. Trata-se de uma medida com o seu quê de revolucionária mas justificada, face ao crescente peso dos vinhos DOC Douro na economia regional.
Paralelamente, é defendido um controlo mais apertado da qualidade do vinho comercializado com a chancela da denominação de origem, para que o Douro “se afirme como uma região de vinhos de elevada qualidade e não de volume”. E é proposto também um maior controlo da qualidade e da quantidade das uvas produzidas, de modo a “garantir um equilíbrio mais ´justo` entre a oferta e a procura, com a consequente valorização das uvas e do património vitícola”. De que modo? Além da fixação de quotas de produção, sugerem a redução gradual da área total de vinha, num horizonte temporal de 5 a 10 anos, pela via de um “processo voluntário de saída da actividade destinado a viticultores sem sucessores, sem vontade de continuar ou, simplesmente, sem dimensão para um projecto economicamente viável”. A compensação financeira “pela saída com dignidade da actividade poderia ser financiada com as reservas financeiras existentes no IVDP e por taxas pagas por todos os operadores da RDD, seja ao nível das uvas ou dos vinhos”.
Tantos os anos a dizer o mesmo! De que é que estão à espera, suas majestades? Se nada de relevante acontecer nos próximos anos, não será por falta de diagnósticos e de propostas - ou pela habitual inércia dos durienses. Será por falta de vontade, coragem ou saber de quem tem realmente o poder de mudar: o IVDP e o Ministério da Agricultura, a tutela.
Pedro Garcias
FUGAS
Jornal Público
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