sexta-feira, 14 de junho de 2019

Música e poemas musicados - 4ª Parte

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas..."
Foge a terceira parte à ideia fundadora da primeira e segunda que se propuseram para darem testemunho do meu gosto pela música e também pela poesia, que concluí ser também do agrado de muitíssima gente.
Mas como é de calcular há sempre um certo encanto mais acentuado por alguma que ouvimos e apreciámos num determinado contexto. 
Pois bem, porei hoje em evidência as obras discográficas que mais apreciei no meu tempo já de adulto. No pós 25 de Abril, Fausto Bordalo Dias. 
O Fausto, compõe umas quantas músicas que reuniu num álbum que titulou de, Por Este Rio Acima. Creio havê-lo feito para a peça teatral, Fernão Mentes? -Minto. Ou talvez fosse o contrário, depois de feito os que fizeram a peça de teatro aproveitaram as músicas e conseguiram um êxito completo pois aquilo é Beleza Pura, como dizem os brasileiros.

Abre com a canção “por este rio acima”, que com o desvendar do poema nos transporta à China dos Mandarins, vem envolta numa melodia de notas musicais com essência oriental percetíveis no tanger de instrumentos de cordas que são o elemento que se destaca para dar identidade à obra que conta a subida do Rio Amarelo (deixando para trás/ a côncava funda da casa do fumo/cheguei perto do sonho flutuando nas águas/ do rio dos céus/ .... escorre o gengibre e o mel/ sedas porcelanas, pimenta e canela /recebendo ofertas de músicas suaves/ em nossas orelhas/.
E segue numa toada plangente mas que nos prende porque é uma narrativa fascinante de um mundo, que os deste lado do Atlântico até ali não suspeitavam. 
Esta introdução é necessária para eu poder dar uma pálida ideia de como me apaixonei pela música e pela lírica de Fausto num certo tempo da minha vida em que todo o meu lado espiritual me acenava com verdadeiros ideais. O tempo continuava sendo de descoberta, para mim, que de coração aberto adicionei a música de Fausto à narrativa de Fernão Mendes e obtive um resultado que por duas décadas transformou esta soma de estórias e música na minha Bíblia terrena mas que me acenava da fronteira do transcendente. Depois num ato da peça teatral começam os acordes d' o barco vai de saída. 
A primeira vez que os meus ouvidos escutaram os versos: -Por servir de criado essa Senhora/ serviu-se ela também, tão sedutora /foi pecado, foi pecado / e foi pecado sim senhor/que vida boa era a de Lisboa.
Concluí que o nosso destino é insondável e num ápice tudo muda para que a vida e o mundo continuem a girar debaixo da roda do Sol. / Mas em frente de Sesimbra / Logo um corsário francês /Nos atirou p'ra Melides /Com o barco feito em três / E por Deus e por El- Rei, / Que Grande volta que eu dei/. 
Quando a estória de Diogo Soares se desvenda, é um ato de suprema inspiração a forma como Fausto descreve um homem possuidor de uma vontade indómita, talhado para a guerra e feito nas fornalhas vulcânicas de Marte, que se transforma num criminoso sem coração nem honra, vergado à vulgaridade pela luxúria que é um dos sete pecados capitais que fazem perder os homens. E atinge a história o clímax ao cair da última frase quando reponde a seu filho que admirado o vê subir as escadas do cadafalso : /-Pergunta aos meus pecados /Que eles to dirão /Que eu vou já de maneira,/ Que tudo me parece um sonho / Dramático , mas justo, olho por olho, dente por dente. E num crescendo que nos prende à imagem e ao som num completo deslumbre pelo enredo da narrativa cai a história dos Fonsecas e dos Madureiras. Mais português do que isto só mesmo o bisneto de D. Afonso Henriques. -/ Eu cá sou dos Fonsecas / E eu cá sou dos Madureiras / De ferro e puro sangue / O que me corre nas veias / Nasci da paixão temporal / Do parto dos vendavais / Cresço no fragor da luta / Numa força bruta / P'r 'além dos mortais / Mas tenho muitas saudades / Certas penas e desejos / E aquela grande ansiedade / Como um pecado / Meu amor se te não vejo / -Olha o fado... .-Bem, isto ocupou-me o pensamento, por anos consecutivos. -A minha vida havia-se complicado um pouco, por razões que eu comparava à desdita de Fernão Mendes Pinto e quando fui para Londres trabalhar levei comigo os dois volumes da Peregrinação. 
Se a desdita era comparável era imperioso que a vontade férrea de a vencer fosse passível de ser copiada pela minha vontade também férrea de dar a volta por cima. Quando sentia desânimo, lia uma ou mais passagens da peregrinação.
Anos após quando coloquei de novo a Bíblia Sagrada na mesa de cabeceira e coloquei os dois volumes da Peregrinação na estante dos livros, as obras de Fernão Mendes Pinto e de Fausto Bordalo Dias haviam salvado um outro português que viveu quatrocentos anos depois. Claro que continuei a seguir Fausto e a sua música e porque o texto já vai longo, cito apenas alguns versos duma canção do Álbum Para lá das Cordilheiras, / É por ela que me enfeito de agasalhos / Em vez daquela manga curta colorida / Vais sair minha nação nos cabeçalhos / Ainda a tiritar de frio, adormecida / Mas o calor que era dantes também farta / E esvai-se o Tropical sentido na lapela / Foi por ela que eu vesti fato e gravata / E passei das minhas contas / Foi por ela/. Na obra de Fausto a Pátria e a nação são sempre direta ou indiretamente percetíveis, daí o meu fascínio que não escondo.
Gostei também e continuo a gostar de Pedro Barroso. Da sua capacidade de fazer obra grande e música verdadeiramente portuguesa, nos versos e nos acordes sendo a sua Menina dos olhos d' água obra digna de ouvidos sensíveis à mais bela canção de amor feita em Portugal nos últimos Cinquenta anos. / Menina em teus olhos sinto o Tejo / E vontades marinheiras de aproar / Menina nos teus lábios sinto fontes / De água doce que escorrem sem parar / Se alguém houver que não goste / Não gaste, deixe ficar / Que eu só por mim quero-te tanto / Que não vai haver menina p'ra sobrar /.
Sem desprestígio de outra música de outros autores esta que aqui mencionei é a que mais preencheu o meu Ideal de estética musical. E já agora abro uma exceção para A Chuva de Jorge Fernando que merece destaque pela qualidade e singeleza. Obrigado aos três autores citados por ordem de grandeza que eu humildemente lhes atribuo.

P.S.- Este texto dedico-o à Paula Freire, que não conheço pessoalmente, mas de quem pressinto ser mulher de elevada sensibilidade. Agradeço a gentileza da sua missiva que guardo como prenda rara, pois não recebi muitas ao longo da minha vida e esta tem para mim um especial valor! Obrigado.





Bragança, 12 /06 /2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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