Paulo Bragança fotografado para a capa de Cativo - LUÍS CARVALHAL |
“Será um concerto bastante austero”, diz Paulo Bragança ao PÚBLICO. “As pessoas estão muito habituadas a ir a um concerto e ver muita coisa. E acabam por se desviar do que interessa, que é a música. Muitos até vêem o concerto através de um tablet ou de um telemóvel, e isso não vai acontecer no CCB; que me perdoem, mas não pode ser.”
Com ele, estarão cinco músicos em palco: Luís Coelho na guitarra portuguesa, André M. Santos (dos Melech Mechaya) na guitarra clássica, Tiago Silva na viola de fado, Jorge Carreiro no contrabaixo e Alexandre Tavares na guitarra eléctrica. Além deles, são convidadas as nove integrantes do grupo Adufe & Alguidar. “Vão estar presentes em Caoineadh na dtrí mhuíre, tema gaélico que gravei em Cativo, onde volto à Irlanda e faço a ponte celta: a Irlanda, ela própria, e o adufe, que é um instrumento do Nordeste e do interior português, uma ‘nação’ celta também. É fabuloso ter nove pessoas a tocar adufe, e logo num tema muito religioso, porque é o lamento das três Marias [junto de Cristo crucificado: a mãe de Cristo, a mãe de Tiago e José e Maria Madalena].”
Prós e contras da Internet
O espectáculo, diz, “terá temas de Cativo, outros que estão para chegar e outros que serão uma revisitação do que ficou para trás”, incluindo canções que já não canta “há bastante tempo, como O fado chora-se bem ou Amor e pão quente”. “Passaremos por Coimbra e pela Roménia, país onde só vivi três meses mas pelo qual desenvolvi um grande amor”, detalha ainda Paulo Bragança. Quanto ao formato, insiste: “Vai ser muito intenso mas muito centrado na música, sem distracções. Quero fazer um concerto objectivo e limpo. Não que os outros sejam sujos, mas a Amália correu mundo com três músicos e mais nada. E era fabulosa!”
Esta insistência é consequência da forma como vê o mundo hoje: “Este tempo líquido em que vivemos não é pós-modernismo nem é nada, é tudo muito sem forma. As certezas que havia já não há, nada é o que era e já nem vai ser. Sou de uma geração que ainda foi educada no francês e não no inglês, em que não havia mundo digital e era tudo analógico (ainda fiz exame da quarta classe!), e isso faz-me pensar se ainda vale a pena fazer discos ‘normais’, elementos corriqueiros que se podem devassar. Não sei se não seria preferível fazê-los como obras de pintura, únicos para cada pessoa que os comprasse. É que me perturba muito a actual devassidão da música, e não só; porque se a Internet nos deu muito, também nos tirou muito. Parafraseando Umberto Eco, estamos na democratização da imbecilidade. As pessoas têm as coisas, mas utilizam-nas de uma maneira completamente errada.”
Um tempo de espera útil
Com quatro discos anteriores à sua saída de Portugal (Notas Sobre a Alma, 1992; Amai, 1994, também editado pela Luaka Bop de David Byrne; O Mistério do Fado, 1996; e Lua Semi-Nua, 2001) e um gravado e lançado já após o seu regresso (Cativo, 2018), Paulo Bragança ainda não está na fase de lançar discos como obra única, embora a ideia o seduza. E o prometido Exílio, diz, já estará “cerca de 70 por cento” pronto. “Até temos vindo a pôr temas, em variadas versões, em palco. Mas é preciso juntar as peças todas, masterizar. A coisa mais difícil que eu tenho na minha vida é fechar um tema. Parece-me bem, mas nunca me parece totalmente bem. Por isso, largo-o e digo: decidam.”
O compasso de espera, porém, terá sido benéfico para o resultado final. “Esta maturação também faz bem”, conclui o músico. “Porque ouvir alguns dos temas já feitos passados uns cinco, seis meses, é muito bom, dá-nos uma outra perspectiva. De alguma forma, este tempo de espera até é útil e acabou por alargar o leque: há mais temas e há o desejo de explorar outros lados ainda, em termos musicais. Porém, quando sair, sairá mesmo como todos os envolvidos (que não só eu) esperavam que saísse.”
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