Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Memórias do Carnaval nos anos 60 em Bragança - A Morte, o Diabo e a Censura nos Bairros de Além do Rio e da Vila

Este meu tributo é para os Caretos do bairro de Além do Rio e da Vila-cidadela, na década de sessenta, que tanto entusiasmo e alegrias proporcionavam à garotada de que fazia parte e excitação ás raparigas! Eles saíam sempre na quarta-feira de Cinzas, a seguir ao dia de carnaval, quer fizesse sol, chuva ou neve. Ora hoje é   quarta-feira de Cinzas, dia 17 de fevereiro de 2021 e  é por isso que a publico. Nos bairros de Além do Rio e Vila há muitos anos que não há qualquer grupo de caretos de carnaval sendo que esta genuína tradição se sublimou no tempo. A ligação mais curta entre os dois bairros é feita pelo  caminho da vila.
Neste período de ausência do Carnaval forçada pela pandemia não resisti a lembrar estas memórias ténues aos muitos conterrâneos e amigos de Bragança, espalhados pelo país e mundo e a todos os que gostarem da temática e preservação da nossa memória. Esta também se apaga, pois o esquecimento é fruto dos encontros e desencontros ao longo dos últimos 60 anos, com a saída para a emigração, as grandes cidades e a nova cidade moderna de Bragança.

Estes rituais e tradições das Festas de Inverno são importantes na defesa do nosso património imaterial e da Humanidade. 
O uso da máscara é comum como manifestação cultural, mas esta prática já acontece há muitos séculos. Eu entendo a cultura numa visão antropológica, ou seja, de todo um povo e não humanista.A valorização da máscara e do traje, enquanto artefactos dos artesãos, também o é na dinamização sociocultural e económica, mas disto sabem muito mais os amigos de que irei falar á frente.Ainda guardo da adolescência as imagens ténues dos mascarados e trajes do Carnaval de Além do Rio e da Vila que se faziam na década de 60. Nessa altura o Carnaval era simples, mas divertido porque poucas festas tínhamos que nos entusiasmassem tanto! Estes dois bairros tinham uma identidade muito própria, eram pequenos, com muita gente mas unida pois todos se conheciam bem. Claro que havia rivalidades entre os dois bairros pois ficavam a umas centenas de metros. 
Os da Vila, no outeiro tem o Castelo de Bragança, que se foi construindo entre os séc. xII-xv. Os de Além do Rio desde a capela de nossa Senhora da Piedade até bem abaixo da velhinha ponte em pedra que junta as margens. O caminho da vila é a rua que liga os dois. Agora a zona foi melhorada com a construção do Corredor Verde do Fervença e do Centro Ciência Viva de Bragança. A Cidadela tem o Castelo, a Igreja de Santa Maria, o Museu Militar e a Academia Ibérica da Máscara.
Apesar da rivalidade entre eles no Dia de Carnaval todos eram amigos e juntavam-se para acompanhar o desfile do Diabo da Morte e da Censura que sempre se realizava quer o tempo estivesse bom ou mau. Os grandes atores eram quase sempre os mesmos. Na Vila pertenciam maioritariamente ás Famílias Sena e Valdrezes e em Além do Rio à Família Guichos que tinham muita gente nova e que todas as pessoas conheciam, estimavam e acarinhavam. 
Se bem me lembro, o Diabo trazia um fato de macaco vermelho com rabo, uma máscara com cornos e forquilha. A Morte outro de cor cinza ou preta com listras brancas ou  um esqueleto pintado de branco nas costas e gadanha. A Censura um fato de macaco azul ou preto e chicote. Todos usavam máscaras de chapa e cintos  para poderem infringir os tais castigos da praxe ás raparigas.
O grupo de miúdos que entusiasticamente os acompanhavam gritavam espaçadamente: Á Morte, ao Diabo e à Censura!  Á Morte, ao Diabo e à Censura … sem cessar  e com a força que as gargantas e os pulmões davam e não mais se calavam  até se cansarem levantando a curiosidade e o alvoroço á  sua volta! 
Quando os caretos estavam no bairro de Além do Rio eram desafiados pelas raparigas que do jardim do Castelo, onde está a estátua do D. Fernando, II Duque de Bragança, desciam para o caminho da vila e lá do alto gritavam esbracejando: Á Morte ao Diáábo e à Censúúraâã insistentemente! 
Os Caretos não se continham e toca a ir ao encontro das raparigas da Vila que as procuravam e elas sumiam da vista. Quando os Caretos estavam na Vila eram as raparigas de Além do Rio que em baixo os provocavam de novo para o seu regresso, nesta rivalidade sobe e desce. 
Do Jardim do Castelo vê-se o largo de Além do Rio. As raparigas estavam a contar com eles pelo caminho da vila e às vezes os caretos apareciam-lhe, por trás, vindo da Costa Grande (rua S.to Condestável) ou Costa pequena (rua Serpa Pinto) pois subiam os seus mais de quarenta e tal degraus na primeira ou de setenta e tal na segunda num instante! 
Era tempo do carnaval de rituais festivos, pretexto para a transgressão e agressividade consentida pelas raparigas. 
Todos corriam e para todo o lado procurando as raparigas mais descuidadas que andasse pelas ruas da Vila, de Além do Rio, Batocos ou até próximo da Capela de Nossa Senhora da Piedade. O objetivo era sempre o mesmo: atirar-lhes com farinha, farelos ou até ovos. E algumas cinturadas que também não as amedrontavam pese embora os falsos gritos de dor! Uma ou outra vez lá podiam magoar e até deixar marca, mas nada que não passasse… 
Tudo era tradição, excitação, alegria aos gritos e na rizada!… era o dia de exorcizar os medos e ter um contacto próximo com as raparigas pois nesse tempo não era fácil e as oportunidades raras! Elas mal viam os mascarados escondiam-se ora nas casas, atrás das portas, nos baixos ou até junto dos familiares. Outras julgavam-se mais seguras nas varandas para desfrutar da festa, mas o Diabo, a Morte e a Censura, não batiam à porta, nem faziam cerimónia e entravam nas casas, arrecadações, baixos e varandas sem pedir licença a ninguém… mas, também ninguém levava a mal pois era carnaval!
Os caretos mascarados conheciam toda a gente, eram vizinhos e amigos, mas estes nem sempre os identificavam com as máscaras mantendo a tensão e dúvida. Não se atreviam a ir para as ruas mais centrais da cidade porque as autoridades queriam confinar estas festas de carnaval aos bairros onde viviam! Na altura não compreendíamos bem o porquê, mas era uma incompreensível falta de liberdade.
Estes dois bairros da cidade de Bragança eram muito autênticos até á década de 60/70 porque havia uma forte ligação e solidariedade entre os vizinhos e porque se conheciam todos. O Bairro de Além do Rio acompanhava o curso do rio Fervença e zona envolvente. O Bairro da Vila ocupava a cidadela dentro das muralhas do Castelo e algumas ruas e área urbana de acesso ao mesmo. 
Ora as figuras da Morte, o Diabo e a Censura não desapareceram porque foram recuperadas de forma admirável pelo Prof. Doutor Luís Canotilho docente na ESE/IPB, artista no desenho e pintura, tal como a criação da festa com a queima do careto em 2003, data da primeira Mascararte. Ainda me lembro de estar presente numa conversa informal com ele e mais pessoas na Cidadela, muito tempo antes, onde se falou dos carnavais de antigamente nesta cidade e destas três figuras. 
“A Academia Ibérica da Mascara (AIM) foi criada mais tarde em 2017 com sede na Cidadela sendo uma associação cultural, sem fins lucrativos que tem um âmbito ibérico e conta já com muitos associados portugueses, espanhóis e brasileiros, estando aberta a todos os que se identifiquem com a temática da máscara ibérica e da permanência dos seus rituais festivos”. A Direção tem feito um trabalho notável muito pelo conhecimento e empenho do seu Presidente, o Prof. Doutor e Etnógrafo António Tiza.
A realização das nove Bienais da Máscara tem tido o apoio essencial do Município assim como do Museu Abade de Baçal, do Instituto Politécnico de Bragança, entre outras entidades da cidade na valorização da máscara e dos seus rituais festivos”(in AIM).  Ora é um evento incontornável que todos não devemos perder pelos milhares de pessoas que traz  a Bragança. A X Bienal da Máscara deveria ser este ano. 
Bragança é sem duvida nenhuma a Capital da Máscara!

Dicotomia4
Memórias do Carnaval nos anos 60 em Bragança
Autor do texto e fotos: Manuel  Belmiro Correia
17.02.2021

Manuel Correia

Sem comentários:

Enviar um comentário