quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Lenda d’O Caso da Lagoa – Palaçoulo – Miranda do Douro

Naquele tempo existia, em Palaçoulo, uma lagoa de água retida e insalubre, ao fundo da Praça da Cruz, onde esteve implantado um edifício público, conhecido como Casa do Povo. Mas apenas ocupa uma parte, pois a lagoa era mais ampla, em todos os sentidos.

Lá bebiam as vacas, até sem que fosse preciso assobiar-lhes. Via-se e ouvia-se chuparem aquela água estagnada, com gosto preferencial em relação a qualquer outra…

Aquela mesma lagoa, no Inverno cobria-se de gelo.

Então, havia rapazes, jovens e homens adultos que se divertiam a escorregar naquela espessa geleira. Por isso, ainda há quem se recorde de um palaçoulense que se deparou com sérias dificuldades em sair de lá, porque o gelo se partiu.

Salvou-se, com a ajuda de outros conterrâneos que, da margem, lhe lançaram os paus e a ponta de uma corda grossa. Localmente, esta corda é denominada “lúria”, utilizada para apertar as carradas grandes, geralmente de lenha ou molhos de cereais. Assim que o resgataram, já teso com o frio e semi-afogado.

Bom! Depois desta descrição, passamos a contar o que aqueles tais jovens fizeram, de sua espontânea e livre opção.

Uma brincadeira de rapazes 

Com baraços e cordéis apertados, fizeram como que um feixe dos destroços acabados de recolher daquela dupla imagem desmantelada.

E zumba! Aí vai aquilo tudo para a lagoa, para que o diabo ou demónio, que ali tinha uma boa parte do seu focinho, feio de meter medo, se afogasse de uma vez para sempre.

Mas o que é que havia de acontecer? O inesperado daquele improvisado feixe teimava em não se afogar e até parecia que “refunfunhegava” cada vez mais, provocantemente, com tantas bolhas sonoras de agua que emitia, à medida que se introduzia nos muitos buracos feitos pelo caruncho e por umas “rachicas” que tinha o “caramono”.

Então, os rapazes, para que se afogasse e parasse de refilar, toca de lha atirarem com calhauzada, pois naquele tempo, pedras era o que mais havia por ali.

Ao mesmo tempo, invectivavam-no com veemência: “inda refunfunhegas, caramonico de mil demonhos”?!

E continuaram a lançar-lhes pedras e o mais que encontravam, para que aquele embrulho maléfico e provocante desaparecesse para o mais fundo da lagoa, também persistentemente empurrado pela talvez ingénua, constante e aparente diabrite expressa no mesmo “inda refunfunhegas, caramonico de mil demonhos”?!

Sem puderem voltar atrás

Assim foi, até que com o peso das pedras lançadas para cima, aquele estranho conjunto já estava quase totalmente submerso quando uma onda de alvoroço começou a correr pelo povo, relativamente à pirraça, “perrice” ou simplesmente inadvertido divertimento da rapaziada, mas já não foi possível evitar nem remediar, o que já era façanha consumada.

O próprio Cura, advertido foi até a lagoa, mas já nada conseguiu ver nem vestígios do malfadado feixe de bocados, nem bolhas a “refunfunhegar”, nem sequer a rapaziada que tinha totalmente desaparecido, amedrontada, cada um para seu lado.

O caso foi aproximadamente assim, simples, mas iria ficar na lembrança de gerações.

Extraído de: Fernandes, José Francisco (2001), Mirandês e Caramonico. Caramonico – Associação para o Desenvolvimento Integrado de Palaçoulo, 188-190 (texto editado)

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