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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

À truta os franceses chamam «perdiz de água doce»

 «(…) deu conta da balsa que as águas ao confluir faziam e surpreendeu, fulgurando suas escamas lantejoiladas, duas boas trutas palmeiras»

Aquilino Ribeiro


A truta é da família dos salmonídeos

Os nossos rios ‘truteiros’ despovoaram-se. A truta que agora comemos é de ‘aviário’

Teleósteos perciformes da família dos salmonídeos, as trutas não são todas iguais.

Nas águas (doces) portuguesas vivem três espécies que, prescindindo do latinório, respondem vulgarmente por

– truta-saeira (truta salmonada quando a carne adquire cor rosada),

– truta-arco-íris (oriunda da Califórnia e introduzida na piscicultura europeia no final do século XIX)

– e, mais rara, a truta-marisca.

Exigem águas límpidas, frias, agitadas, com fundo pedregoso e sem salinidade, por isso preferem a parte superior dos rios e ribeiros do Norte.

Muito ágeis, saltam com facilidade os obstáculos, são carnívoras e a sua ementa abrange peixes pequenos, larvas aquáticas, moluscos, crustáceos e insectos.

O retrato da truta por Aquilino Ribeiro

Aquilino Ribeiro, o mais «truteiro» dos escritores portugueses, tirou-lhes assim retrato:

«A truta salta. Tudo nela é ímpeto e brusquidão. Também nada mais bonito do que os seus ademanes, batido por um raio de sol reflexo o seu manto esplêndido. (…)

Ao mais pequeno bulício, ei-la que relampeja numa fuga eléctrica e instantânea e se refugia nos seus abrigos entre raízes ou sob rocha.

A sua motilidade, as suas digressões, os seus disparos pávidos, com aquela fulguração de jóias às costas, é das mais bonitas coisas da cinemática animal. Em gastronomia prevela a tudo» (O Homem Nave, 1955).

Os franceses chamam-lhe a «perdiz de água doce», sem dúvida por causa da sua agilidade, da sua rapidez em deslocar-se e fugir perante o importuno.

Sem dúvida também porque, a exemplo da perdiz, caça de carne e sabor dos mais delicados, a truta pode ser considerada como o mais fino dos peixes do rio, o mais delicado, o de mais fácil digestão.

Um célebre gastrónomo francês de século XIX, Charles Monselet, chega a dedicar-lhe uns versos (de pé-quebrado) que começam assim: «Dans une ágape bien construite/ Envisagez, assurément/ L’ apparition de la truite/  Comme un joyeux événement».

Trutas abafadas e à moda de Boticas

Do receituário tradicional português salientam-se as trutas abafadas da Beira Alta e as transmontanas trutas à moda de Boticas.

A história destas últimas está ligada às invasões francesas.

O povo cozinhava as trutas fechando-lhes a barriga depois de as rechear de presunto; os gauleses rapinantes pensavam que o peixe não era estripado e então, enjoados, desprezavam-no.

Ardil que também houve que engendrar em relação ao vinho. De meramente escondido debaixo da terra, veio a resultar em processo de envelhecimento, correspondendo ao funéreo epíteto de «vinho dos mortos».

«Quem for a Boticas, coma um peixinho desses e beba-lhe ‘vinho dos mortos’ em cima. Pelo que houver, fico eu» – assegura Miguel Torga.

Infelizmente tudo isto é passado.

Os nossos rios «truteiros» despovoaram-se, pelas causas do costume, e deixou de ser possível obter uma verdadeira truta selvagem pescada à linha.

A truta que agora comemos, tal como a perdiz (para voltar ao símile gaulês), é de «aviário». A  truta tornou-se uma treta.

Guia da Semana – EXPRESSO – Edição Norte

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