Estamos, caros Amigos, a chegar ao ponto, em que falaremos das apreciações que Artur Botelho faz aos versos de Guerra Junqueiro, algumas das quais são de rara violência. Mas pareceu-me interessante, antes de entrarmos nesse capítulo escabroso, dar a conhecer o que levou um poeta a assanhar-se de tal modo contra outro poeta. Tenham pois, caros Amigos, só mais um pouquinho de paciência.
O livro Guerra Junqueiro falso poeta saiu em 1923. Por coincidência, Guerra Junqueiro morreu no mesmo ano, a 7 de Julho. Quero crer que Artur Botelho tenha publicado o seu livro antes da morte de Junqueiro, porque me repugna pensar que Artur Botelho seria capaz de publicar o livro em que ataca selvaticamente um homem quando a morte ainda mal arrefeceu o corpo desse homem. Não acredito que fosse tamanha a insensibilidade ou a falta de escrúpulos do poeta de Alvites.
Comprei o livro num alfarrabista do Porto, Moreira da Costa, Sucrs. Lda. É um cartapácio de 530 páginas e saiu — pasme-se! — com uma tiragem de 3 mil exemplares. Esta tiragem muito superior às que hoje se usam deve explicar-se pelo título, que cheirava a escândalo literário. De facto, chamar falso poeta a um poeta que uma grande fatia da população reverenciava como “poeta da raça” e outra fatia detestava visceralmente, ou seja, um poeta que não deixava ninguém indiferente, era um chamariz que tanto atraía os admiradores, que se iriam irritar com o conteúdo do livro, como os detractores, que se iriam deliciar. Custou-me apenas 14 euros, acredito que por estar bastante danificado de tanto manuseamento: à própria capa já faltava um pedaço. Gosto de conservar o recibo das compras em alfarrabistas, para que não se pense que algum alfarrábio na minha biblioteca chegou à minha posse por processo ilícito. Também desta aquisição conservo recibo, e nele vejo que 22 de Maio de 2002 foi a data da compra.
O livro cheira a fel que tresanda. Nunca Guerra Junqueiro terá tido tão viperino detractor — e, como sabemos teve muitos e de grande calibre. Às vezes custa-nos a acreditar que no livro estejam estampados mimos como estes: ‘reles poetastro’, ‘caricato e ridículo versejador’, ‘burlesco e miserável manipanso’. Mas estão. E então é inevitável a pergunta: Mas porquê?!...
Deixemos que o próprio Artur Botelho nos explique:
«Também a minha admiração por ele [Guerra Junqueiro ] era tão profunda que me levou a oferecer-lhe as humildes produções do meu espírito, como um ignorado peregrino que vai depor os seus ex-votos no altar da sua devoção. Mas, ó vergonha eterna!, ó mágoa infinita!, o senhor Guerra Junqueiro tão elevada tinha a sua fronte que nem sequer pôde atentar em mim!
A minha sensibilidade ofendeu-se com a arrogância e o menosprezo do grande poeta, e, desde esse momento, verdadeiramente revoltado, gerou-se no meu espírito a ideia da desforra.»
Aí têm os meus Amigos, preto no branco, a razão de tanto fel. Botelho foi ferido de asa pelo descaso de Junqueiro. O despeito gera o desejo da desforra, quando não a sede de vingança. É de crer que, se Junqueiro tivesse tido uma palavra de simpatia para com Botelho quando este lhe foi mostrar os versos, o livro nunca teria sido escrito. Por um lado, é de realçar a sinceridade, quase candura, com que Artur Botelho justifica a publicação do livro. Mas, por outro lado, não é menos de realçar a mesquinhez do motivo da publicação. Um ponto a favor, outro ponto contra. Mas, acreditem os meus Amigos, o melhor ainda está para vir. No próximo capítulo, se Deus quiser.
O livro Guerra Junqueiro falso poeta saiu em 1923. Por coincidência, Guerra Junqueiro morreu no mesmo ano, a 7 de Julho. Quero crer que Artur Botelho tenha publicado o seu livro antes da morte de Junqueiro, porque me repugna pensar que Artur Botelho seria capaz de publicar o livro em que ataca selvaticamente um homem quando a morte ainda mal arrefeceu o corpo desse homem. Não acredito que fosse tamanha a insensibilidade ou a falta de escrúpulos do poeta de Alvites.
Comprei o livro num alfarrabista do Porto, Moreira da Costa, Sucrs. Lda. É um cartapácio de 530 páginas e saiu — pasme-se! — com uma tiragem de 3 mil exemplares. Esta tiragem muito superior às que hoje se usam deve explicar-se pelo título, que cheirava a escândalo literário. De facto, chamar falso poeta a um poeta que uma grande fatia da população reverenciava como “poeta da raça” e outra fatia detestava visceralmente, ou seja, um poeta que não deixava ninguém indiferente, era um chamariz que tanto atraía os admiradores, que se iriam irritar com o conteúdo do livro, como os detractores, que se iriam deliciar. Custou-me apenas 14 euros, acredito que por estar bastante danificado de tanto manuseamento: à própria capa já faltava um pedaço. Gosto de conservar o recibo das compras em alfarrabistas, para que não se pense que algum alfarrábio na minha biblioteca chegou à minha posse por processo ilícito. Também desta aquisição conservo recibo, e nele vejo que 22 de Maio de 2002 foi a data da compra.
O livro cheira a fel que tresanda. Nunca Guerra Junqueiro terá tido tão viperino detractor — e, como sabemos teve muitos e de grande calibre. Às vezes custa-nos a acreditar que no livro estejam estampados mimos como estes: ‘reles poetastro’, ‘caricato e ridículo versejador’, ‘burlesco e miserável manipanso’. Mas estão. E então é inevitável a pergunta: Mas porquê?!...
Deixemos que o próprio Artur Botelho nos explique:
«Também a minha admiração por ele [Guerra Junqueiro ] era tão profunda que me levou a oferecer-lhe as humildes produções do meu espírito, como um ignorado peregrino que vai depor os seus ex-votos no altar da sua devoção. Mas, ó vergonha eterna!, ó mágoa infinita!, o senhor Guerra Junqueiro tão elevada tinha a sua fronte que nem sequer pôde atentar em mim!
A minha sensibilidade ofendeu-se com a arrogância e o menosprezo do grande poeta, e, desde esse momento, verdadeiramente revoltado, gerou-se no meu espírito a ideia da desforra.»
Aí têm os meus Amigos, preto no branco, a razão de tanto fel. Botelho foi ferido de asa pelo descaso de Junqueiro. O despeito gera o desejo da desforra, quando não a sede de vingança. É de crer que, se Junqueiro tivesse tido uma palavra de simpatia para com Botelho quando este lhe foi mostrar os versos, o livro nunca teria sido escrito. Por um lado, é de realçar a sinceridade, quase candura, com que Artur Botelho justifica a publicação do livro. Mas, por outro lado, não é menos de realçar a mesquinhez do motivo da publicação. Um ponto a favor, outro ponto contra. Mas, acreditem os meus Amigos, o melhor ainda está para vir. No próximo capítulo, se Deus quiser.
Sem comentários:
Enviar um comentário