Foto: Clément Bardot |
O muflão (Ovis gmelini) é o antepassado da ovelha doméstica. O muflão é originário do Médio Oriente, da cordilheira de Zagros no Irão às montanhas do Cáucaso até às zonas acidentadas da Anatólia. Foi um dos primeiros animais a ser usado pelo ser humano e, ao longo do Neolítico, foi chegando a algumas ilhas do Mediterrâneo, Chipre, Sardenha e Córsega, onde sobrevive até hoje.
Mais recentemente tem-se expandido para novas áreas, até porque os chifres do muflão são um troféu de caça valioso. Como resultado existem populações desta espécie, algumas em zonas de caça, outras livres, um pouco por toda a Europa, do Mediterrâneo à Europa Central.
É um animal de médio porte, similar em tamanho a uma ovelha, e pode medir da cauda à cabeça 1,45 metros, ter até 80 centímetros de altura e pesar até 40 quilos. As fêmeas são ligeiramente mais pequenas que os machos e vivem em grupos familiares, com várias dezenas de animais (vídeo de rebanhos em Espanha).
Apesar de existirem algumas populações de muflão em Portugal, principalmente em herdades no Alentejo, estão fechadas em cercados e bastante controladas. Não existe nenhuma população livre no país, apesar de haver habitat potencial de norte a sul.
O muflão pode desempenhar um papel nos ecossistemas lusitanos, sendo mais um animal útil para reduzir o risco de incêndios, espalhar sementes e fertilizar o solo. Pode ainda criar um mosaico de habitats bom para a perdiz, o coelho-bravo e a tartaruga terreste; pode ser uma presa potencial do lobo e do lince-ibérico e, quando morre, a carcaça pode ser alimento para abutres.
A pastagem por animais selvagens é um dos passos para restaurar ecossistemas degradados, permite animar o ciclo de carbono, criar oportunidades para a vida selvagem e preparar os ecossistemas para as alterações climáticas. O regresso das espécies selvagens, se for aliado a uma política de desenvolvimento local, tem potencial para ser terreno fértil para um turismo de natureza sustentável. E as antigas aldeias podem ser portas de entrada para uma nova paisagem, pois o restauro do mundo natural significa novas oportunidades económicas.
Na Córsega, são restauradas populações selvagens de muflões para aumentar o número de quebra-ossos na ilha (o tamanho dos ossos de muflões são perfeitos para os quebra-ossos, que têm uma dieta quase exclusiva de esqueletos de animais). Apesar de não ser uma espécie nativa pelos padrões clássicos – a população é assilvestrada, descendente de ovelhas domésticas que fugiram das povoações humanas do neolítico há 5.000 anos – este animal desempenha um papel cada vez mais importante no ecossistema, dado que os rebanhos de animais domésticos são cada vez menos.
Nos Alpes franceses, no Parque Nacional de Mercantour, é uma presa para o lobo e para a águia-real, coexistindo com o íbex dos Alpes (da mesma família da cabra montesa ibérica). Em Espanha, na Serra de Andújar, partilha habitat com coelhos, gamos e linces-ibéricos (fotos de uma caçada).
Foto: Alberto-g-rovi |
Quanto a Portugal, existem muitas áreas com bom habitat para o muflão – zonas com mais matos que pastores, das serras quentes do Sul às montanhas frias no Norte. É o caso das serras do Algarve, Monchique e Caldeirão, do litoral e o interior alentejanos, da Arrábida e dos pinhais de Setúbal. Ao longo da raia, temos as serras da Peneda e Gerês, Montesinho, Douro e Tejo Internacional, Malcata e Marvão. Igualmente interessantes são as montanhas do centro de Portugal: Estrela, Gardunha, Açor e Lousã.
Usar animais domésticos pode ser uma solução pontual, mas não deve ser a solução por defeito para restaurar ecossistemas, principalmente dentro de áreas protegidas, pois em áreas naturais deve ser dada prioridade a animais selvagens. Os muflões podem substituir as funções das ovelhas domésticas, não precisam de subsídios, de pastores dispostos à vida dura do campo, de medidas de proteção, custos de veterinária e compensação monetária, caso sejam comidos. Pastoreiam a paisagem, limpando o mato “de borla” e criando oportunidades para outros animais. E ainda podem gerar novos rendimentos através do turismo de natureza.
Imagine-se a passear por uma área protegida selvagem em trilhos de terra batida e, entre colinas e encostas, numa tarde de primavera entre flores e aromas, ver um grupo de muflões ao longe a pastar na erva fresca e a beber água numa zona húmida criada por castores. E também a ver pegadas de vários animais, veados, gamos, linces e coelhos, olhar o céu e ver aves de vários tamanhos e cores e, com um suspiro de pequenez e harmonia, desfrutar de uma paisagem com vida.
Aceitar a certeza de um estado degradado ou apostar na incerteza do restauro? Replicar funções pela mão do ser humano ou restaurar funções naturais? Manter uma natureza domada ou apostar numa natureza selvagem? Insistir em soluções do passado ou tentar algo novo?
O muflão pode ser selvagem em Portugal.
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