Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Percebi a importância do assunto na forma como a secretária da Presidente da Fundação Champalimaud me comunicou que a Dr.ª Leonor Beleza queria falar comigo no dia seguinte, mas apesar de querer que eu fosse ao seu gabinete, logo de manhã, não era urgente pois, ao contrário de outras ocasiões, não quis adiantar nada ao telefone – tinha de ser pessoalmente. A ser recebido no seu gabinete, antes de qualquer outra tarefa da sua exigente e preenchida agenda entendi os “misteriosos” contornos desta inédita convocatória:
– Pedi-lhe para vir aqui porque lhe queria mostrar isto, sabendo que ia gostar de ver!
Em cima de uma pequena mesa vários livros de que identifiquei logo alguns.
– Mirandês! – comentei logo, sorridente.
– Uma coleção do essencial do mirandês, que me foi oferecida pela Presidente da Câmara de Miranda.
Sensibilizado peguei em vários, folheei alguns e, enquanto discorri sobre as obras e os autores, falei da difícil situação da segunda língua oficial portuguesa e que, de certa forma, estava ali plasmada. Um tesouro cultural que, apesar dos últimos desenvolvimentos e esforços na sua divulgação e preservação corre o risco sério e não negligenciável de desaparecimento num espaço de tempo curto. Demasiado curto para um acervo milenar! Agradecido pela deferência para comigo, reconhecendo e apreciando a minha dedicação a esta urgência local, regional e nacional, por ordem de responsabilidades, regressei ao trabalho questionando-me sobre se, nesta mesma ordem e proporção estão as entidades públicas a dar a devida resposta.
O Estado, concedendo ao mirandês a justa condição de segunda língua oficial, pouco faz para o seu ensino nas escolas furtando-se ao dever de promover professores, manuais e gramáticas, aprovando a Carta das Línguas Minoritárias, “esqueceu-se” de a ratificar, criando o Instituto da Língua Mirandesa procrastina a sua concretização; a região, não se furtando a usar a língua como um precioso pin de lapela (é o único território lusitano com duas línguas) nada mais faz de concreto e substancial; e a Câmara, cuja Presidente, divulgando com natural “proua” as várias edições literárias deveria, no meu entendimento, questionar-se quantas destas são de iniciativa municipal, têm a sua colaboração ou, sequer, o seu apoio. Será que das dezenas (centenas?) de milhar de euros dedicadas a festas e romarias, sem qualquer intuito de as questionar, não seria possível retirar alguns milhares para financiar o registo áudio e vídeo, e a sua posterior transcrição, para premiar obras de poesia, ficção, ensaio e monografia, para editar obras, novas ou já existentes (o mirandês, sendo uma língua de tradição oral tem imensas histórias, lendas, ditos e tradições que é necessário preservar), traduções de e para outras línguas, a começar pelo “fidalgo” português?
Alegra-me que uma excelente coleção de obras passe a fazer parte do espólio cultural da Fundação Champalimaud, mas, confortando-me a ideia de o saber ali ao lado do meu habitual lugar de trabalho, inquieta-me a imagem daquela pilha de livros que, apesar da sua pequena expressão volumétrica, encerra em si uma cultura milenar. Sem querer ser injusto para ninguém, correndo o risco de esquecer quem deverá ser lembrado, por trás das páginas ordenadas e coligidas, das letras e imagens editadas vejo uma boina galega levemente tombada, um bigodinho aparado, um sorriso de permanente preocupação otimista, um par de olhos irrequietos e perscrutadores que a mim, aos mirandeses, aos restantes nordestinos e a todos os portugueses questionam o que vamos nós fazer para preservar o tesouro que milhares e milhares de compatriotas mantiveram, contra ventos e marés, ao longo de vários séculos, para no-lo entregarem em condições de impedir a sua perda.
– Pedi-lhe para vir aqui porque lhe queria mostrar isto, sabendo que ia gostar de ver!
Em cima de uma pequena mesa vários livros de que identifiquei logo alguns.
– Mirandês! – comentei logo, sorridente.
– Uma coleção do essencial do mirandês, que me foi oferecida pela Presidente da Câmara de Miranda.
Sensibilizado peguei em vários, folheei alguns e, enquanto discorri sobre as obras e os autores, falei da difícil situação da segunda língua oficial portuguesa e que, de certa forma, estava ali plasmada. Um tesouro cultural que, apesar dos últimos desenvolvimentos e esforços na sua divulgação e preservação corre o risco sério e não negligenciável de desaparecimento num espaço de tempo curto. Demasiado curto para um acervo milenar! Agradecido pela deferência para comigo, reconhecendo e apreciando a minha dedicação a esta urgência local, regional e nacional, por ordem de responsabilidades, regressei ao trabalho questionando-me sobre se, nesta mesma ordem e proporção estão as entidades públicas a dar a devida resposta.
O Estado, concedendo ao mirandês a justa condição de segunda língua oficial, pouco faz para o seu ensino nas escolas furtando-se ao dever de promover professores, manuais e gramáticas, aprovando a Carta das Línguas Minoritárias, “esqueceu-se” de a ratificar, criando o Instituto da Língua Mirandesa procrastina a sua concretização; a região, não se furtando a usar a língua como um precioso pin de lapela (é o único território lusitano com duas línguas) nada mais faz de concreto e substancial; e a Câmara, cuja Presidente, divulgando com natural “proua” as várias edições literárias deveria, no meu entendimento, questionar-se quantas destas são de iniciativa municipal, têm a sua colaboração ou, sequer, o seu apoio. Será que das dezenas (centenas?) de milhar de euros dedicadas a festas e romarias, sem qualquer intuito de as questionar, não seria possível retirar alguns milhares para financiar o registo áudio e vídeo, e a sua posterior transcrição, para premiar obras de poesia, ficção, ensaio e monografia, para editar obras, novas ou já existentes (o mirandês, sendo uma língua de tradição oral tem imensas histórias, lendas, ditos e tradições que é necessário preservar), traduções de e para outras línguas, a começar pelo “fidalgo” português?
Alegra-me que uma excelente coleção de obras passe a fazer parte do espólio cultural da Fundação Champalimaud, mas, confortando-me a ideia de o saber ali ao lado do meu habitual lugar de trabalho, inquieta-me a imagem daquela pilha de livros que, apesar da sua pequena expressão volumétrica, encerra em si uma cultura milenar. Sem querer ser injusto para ninguém, correndo o risco de esquecer quem deverá ser lembrado, por trás das páginas ordenadas e coligidas, das letras e imagens editadas vejo uma boina galega levemente tombada, um bigodinho aparado, um sorriso de permanente preocupação otimista, um par de olhos irrequietos e perscrutadores que a mim, aos mirandeses, aos restantes nordestinos e a todos os portugueses questionam o que vamos nós fazer para preservar o tesouro que milhares e milhares de compatriotas mantiveram, contra ventos e marés, ao longo de vários séculos, para no-lo entregarem em condições de impedir a sua perda.
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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