Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)
Hoje, não sei se reconheces o som da minha voz mas, mesmo assim, vou falar-te. Vou falar-te devagarinho, como quem fala gentilmente para os olhos que, tantas vezes, me iluminaram e me fizeram ser força no tempo. Vou falar-te como quem semeia flores num jardim que insisto em cuidar e amar. Porque sei que me escutas com o coração e porque enquanto eu me lembrar, tu viverás.
Pergunto-me, muitas vezes, onde vais quando partes de mim. Se encontras no refúgio das tuas lembranças o riso onde as horas pareciam tão simples quanto o respirar. Ou talvez te descubra a dançar com as sombras felizes do que um dia foi presente e, então, talvez o silêncio já não seja o vazio mas um lençol invisível, tecido de saudades, uma oração muda de quem contempla o passado e venera o sagrado da nossa existência.
Sabe que mesmo quando te perdes de mim, quando não sabes quem sou, há uma ternura imensa a segurar-me o olhar. É que o perfume que mora nessa lonjura onde já te não chego, diz-me que a esperança é um raio de luz que descobre sempre o caminho de volta, numa viagem em que o coração reconhece o eco do que de nós, em nós ainda permanece.
Por isso, talvez, nesse limbo onde o tempo já não tem direção, por vezes o teu rosto é um sol que se atreve a nascer mais uma vez e onde tu, por um instante, recordas o nosso nome. Um sol que atravessa o meu horizonte, pousa nele com a doçura de outros dias e continua a contar-me todas as histórias que vivemos, como se apenas um leve sorriso teu pudesse ser o farol que me guia de volta à margem de mim mesmo. E vejo ali um sopro de nós. Ainda vivo. Ainda cheio de um aroma tão quente que nos sabe a amanhecer. Como nos dias em que os dias se abraçavam ao infinito.
Falo-te sim, meu amor, falo-te que não te perdi porque sei que o amor é nascente e, nesse breve encontro, os meus olhos são apenas mar porque tu voltas a ser casa. E é nesses momentos raros e preciosos em que o tempo parece hesitar, que o universo inteiro faz sentido. E eu acredito. Não num milagre - que esses já há muito se perderam em distâncias - mas no poder de um amor que transcende o imortal.
O amor, meu amor, é uma devoção que não pede respostas, apenas a presença. Porque amar na ausência é amar o que é eterno. E, por isso, meu amor, toco a tua mão, tão leve, que descansa na minha e falo-te baixinho, como quem canta à terra, com o sonho de que a tua pele, ao menos, me sinta. E toco a tua pele como quem procura água e seguro a tua mão como quem segura o céu. Sim, ainda estamos aqui, neste lugar invisível, um lugar onde, todos os dias, acordamos juntos.
É na tua alma, suspensa entre dois tempos, que reside a nossa eternidade.
- Paula Freire -
Paula Freire - Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal.
Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas do Desenvolvimento Pessoal e do Autoconhecimento, bem como à prática de clínica privada.
Filha de gentes e terras alentejanas por parte materna e com o coração em Trás-os-Montes pelo elo matrimonial, desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, onde se descobre nas vivências sugeridas pelos olhares daqueles com quem se cruza nos caminhos da vida, e onde se arrisca a descobrir mistérios escondidos e silenciosas confissões. Um manancial de emoções e sentimentos tão humanos, que lhe foram permitindo colaborar em meios de comunicação da imprensa local com publicações de textos, crónicas e poesias.
O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021, “Cultura Sem Fronteiras” (coletânea de literatura e artes) e “Nunca é Tarde” (poesia), e da obra solidária “Anima Verbi” (coletânea de prosa e poesia) editada pela Comendadoria Templária D. João IV de Vila Viçosa, em 2023. Prefaciadora dos romances “Amor Pecador”, de Tchiza (Mar Morto Editora, Angola, 2021), “As Lágrimas da Poesia”, de Tchiza (Katongonoxi HQ, Angola, 2023), “Amar Perdidamente”, de Mary Foles (Punto Rojo Libros, 2023) e das obras poéticas “Pedaços de Mim”, de Reis Silva (Editora Imagem e Publicações, 2021) e “Grito de Mulher”, de Maria Fernanda Moreira (Editora Imagem e Publicações, 2023). Autora dos livros de poesia: Lírio: Flor-de-Lis (Editora Imagem e Publicações, 2022) e As Dúvidas da Existência - na heteronímia de nós (Farol Lusitano Editora, 2024, em coautoria com Rui Fonseca).
Em setembro de 2022, a convite da Casa da Beira Alta, realizou, na cidade do Porto, uma exposição de fotografia sob o título: "Um Outono no Feminino: de Amor e de Ser Mulher".
Atualmente, é colaboradora regular do blogue "Memórias... e outras coisas..."- Bragança e da Revista Vicejar (Brasil).
Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde, de forma autodidata, aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza.
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