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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 31 de outubro de 2017

REGRESSO ÀS MEMÓRIAS – Seminário de São José de Bragança

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Embora este texto seja intimista e sem razão de ser, não pude deixar de o escrever como preito a sítios e a pessoas e sobretudo como um sinal de gratidão.
Há algum tempo regressei a um lugar de onde saí há muitos anos. Esse lugar é o Seminário de São José de Bragança.  
Contudo, o meu regresso a lugares, a livros, a salas que permaneceram ali como quem espera uma visita que tarda, devolveu-me a gratidão necessária a homens, a professores que moldaram o meu sentir e a minha crença na vida e nas instituições. Poucos minutos bastaram para definitivamente fazermos as pazes de ressentimentos antigos, de desgostos velhos, de ausências de afectos, pois, verdadeiramente aquele era o meu Seminário que envelheceu como os seus Seminaristas e os seus Padres.
Ao dobrar do corredor, de novo senti os passos do velho Reitor, o Cónego Jerónimo que no final dos seus dias continuava a deambular pelos salões e pelo coro do Seminário, com uma austeridade de patriarca e com uma sabedoria de Santo. O Seminário, naquele tempo, revia-se no grande número dos alunos à procurem de serem os escolhidos, uma vez que tinham sido os chamados. A juventude extravasava em manifestações de alegria, muitas vezes para além das orações da noite que convidavam ao descanso e ao recolhimento. Por isso, na sua paciência de velho, o Cónego Jerónimo, com uma sombra, percorria, negro e pesado, o seu Seminário, tossindo, tossindo sempre.
Pouco tempo antes do Senhor Reitor morrer, visitei-o, ofereceu-me um copinho de vinho do Porto, ele que era austero em tudo, até nos prazeres da mesa, chamou-me pelo nome, acho que me confundiu com o meu irmão mais velho, também seminarista e comentou como numa confidência em tempo de grandes segredos: - Às vezes eu tossia pelos corredores, por necessidade, outras vezes para não me aborrecer. E era verdade, o Senhor Reitor, na sua austeridade, não gostava de se aborrecer com as traquinices dos seus Seminaristas, perpetuando a tolerância, mas também a indignação materializada num olhar de censura que terrificamente atravessava a alma e o sentir dos jovens estudantes.
Percorri com vagar, aqueles lugares, cheios de memórias, de histórias, de conflitos, de amores secretos, mas sobretudo, uma verdadeira escola de formação humanística, de criação de hábitos de trabalho, de estudo e de resistência às exigências da vida.
Sem dúvida, às pazes com o Seminário estavam definitivamente feitas e no percorrer das memórias de colegas que perdi na grande diáspora que espalhou os ex-Seminaristas pelo mundo, pude verificar que muitos dos lugares, da maior responsabilidade no aparelho do Estado, das Instituições públicas e privadas são ocupadas por estes homens que um dia de desgosto maior, saíram pela porta grande do Seminário, rumo à vida.
Os meus últimos anos de Seminário vivi-os na abertura ao mundo do Pós Concílio, o Seminário atravessou uma profunda crise, não foi possível conciliar o ascetismo do Cónego Jerónimo, com a modernidade dos novos tempos e o Seminário entrou num colapso monumental com cursos inteiros procurando, sobretudo, a Faculdade de Filosofia de Braga e mais tarde do Porto.
O meu último exame, nesta casa, foi com o Cónego Mário Brás, pedindo-me que entoasse uma lição em Gregoriano do ofício dos defuntos, despediu-me regalado pelo exame, com a promessa, que um dia, iria fazer um curso de canto a Roma. A profecia ainda não se cumpriu.  
A minha visita de paz ao Seminário terminou...era necessário este regresso adiado. Ainda visitei a Biblioteca, lá estavam os meus livros, da minha Juventude e do meu imaginário...informaram-me que actualmente os alunos lêem pouco...por isso, os meus livros ainda lá estão.
E pronto...a estátua do Anjo que tem a fivela do cinto ao contrário ainda me fez um último aceno de ternura e cumplicidade.


Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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