OPINIÃO - Barroso da Fonte
O que se passou numa boa parte do país profundo, a partir de 26 de Abril, com o «apagão» que rima com ladrão, é grave demais para o explicar numa crónica séria e sensível a todos os leitores. Exactamente porque quem vive nas cidades não se apercebe de que o interior norte deixou de ver televisão, fruto de um acto prepotente, cínico, injusto, provocatório e revelador de uma incompetência crassa. Foi uma pulhice que fizeram a quem mais precisava.
Seria de supor que ao programar uma alteração profunda na vida de um país, essas alterações teriam de abranger todos os cidadãos, ricos ou pobres, do norte, do centro ou do sul. Essas alterações apenas se justificariam se fossem certeza de um aperfeiçoamento, de melhor qualidade de vida, de um acréscimo de benefícios aos já martirizados cidadãos que nos últimos anos têm assistido ao desmoronamento de uma sociedade que chegou a ter níveis de vida que permitiam prever que tudo o que ficou para trás, nunca mais se viveria. São os tais direitos adquiridos que a natureza gerou e pôs ao serviço da humanidade.
Lamentavelmente a ânsia de poder, a apetência pelo egoísmo, a gula de extorquir a uns para enriquecer meia dúzia, provocou dos maiores disparates, das mais sórdidas decisões, dos mais pífios intentos de aburguesar duas ou três dúzias de administradores, de perturbar com mais esta estúpida ousadia a classe média do país urbano, mortificando uma significativa percentagem da população que tinha a sua vida organizada, o seu conforto assegurado e que se viu, com o «apagão» de 26 de Abril, espoliado, traído e completamente decepcionado.
Desde há 55 anos o país era servido pelo chamado sistema analógico para ver a televisão. Foi um investimento caro para quem o quis utilizar. Para além do equipamento foi até à última década do século, necessário pagar uma licença que foi extinta, mas que a factura eléctrica ainda menciona, para reforçar os seus lucros. Os utentes, já tão massacrados, foram-se acomodando e cada vez há mais administradores, mais sortudos, a viver à custa dessas inovações tecnológicas.
Os fabricadores de leis e de serviços, cansaram-se desse método analógico e trataram de o substituir por serviços novos chamados TDT (televisão digital terrestre). Esses espertalhaços gizaram um calendário para imporem a sua sanha lesiva dos direitos dos que aceitam todas as decisões com fé de procissão, como escreveu Miguel Torga. Fizeram tudo a pensar neles e nos lucros das empresas. Nunca naqueles que tudo pagam, a bem ou a mal. Uma prepotência que nenhum poder legal é capaz de responsabilizar. Foi-lhes fácil elaborar um calendário e anunciar que bastava um descodificador para ter sinal televisivo. Só que a ignorância é atrevida. Silenciada a população urbana que teve 153 emissores, dos 180 que estavam previstos, mais uma vez o zé povinho que aceita as tempestades com fé de procissão, na palavra de mesmo Torga, se viu confrontada com a falta do sinal. E sem sinal não há televisão para ninguém.
A caminho de um mês sem esse sinal, o «apagão» veio para ficar. Na periferia fronteiriça ainda se apanha a espanhola. Em Trás-os-Montes que foi sempre a última colónia e aquela que sempre esteve mais distante do Terreiro do Paço apenas há televisão no perímetro urbano. A raia miúda, aquela que vai à missa e segue as palavras pacíficas do padre, não sabe, não barafusta, não bate o pé e até pensa tratar-se de um castigo de Deus. Nem percebem como é que uma Terra que tinha para companhia das horas do solidão, o seu televisor, se viram privados dessa única voz que encurta distâncias, educa, distrai e cultiva.
Algumas Câmaras já vieram a público em defesa dos seus munícipes. Orlando Alves, vice-presidente da Câmara Barrosã já denunciou essa lamentável falta de respeito pelo concelho que tem 80% do seu território sem sinal. Acusa a Anacom, a PT e demais serviços de nem sequer responderem às suas reclamações. É um contra senso, ser Montalegre o concelho que mais Barragens tem intra-muros, que mais torres eólicas deixou implantar nas suas montanhas e que paga tudo mais caro; desde a energia que fornece, às antenas para os telemóveis que não garantem cobertura aos residentes, desde as vias de comunicação como a estrada 311 e a 103 que não condizem com o nível de vida que a sede de concelho produz diariamente e para todos os gostos.
Os emigrantes, quando regressarem a férias, vão levar consigo os poucos que ainda por cá estão. Mas vivem sós, sem qualquer apoio social, sem distracções que chegavam por via da televisão amiga que emudeceu. É uma crueldade aquilo que a Anacom e a PT Comunicações fizeram às partes mais flageladas da Região.
Os mandões da Anacom vieram para a televisão gabar-se do sucesso do TDT que foi dos maiores fiascos das últimas décadas. Se tivessem vergonha voltariam, agora, mas para pedir desculpa e colocarem os seus milhões pessoais ao serviço dos que não podem comprar os equipamentos. São caros, não havia estoques de reserva. E aliciam uns e outros, dizendo que eles oferecem os descodificadores. Mentira. Apenas a quem tiver rendimentos inferiores a 500 euros. Podem os serviços intervenientes neste processo limpar as mãos à parede...
Por: Barroso da Fonte
in:jornal.netbila.net
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