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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Um homem não é de onde nasce, é de onde come

Atenor fica no epicentro da região mirandesa e é uma aldeia em mudança. Vários projetos trouxeram de fora o sangue novo que faltava à aldeia e são já vários os jovens que se instalaram. 
A ensinar música, a tratar de burros ou a prestar cuidados de enfermagem à população envelhecida. 
«Não sei o que é que eles vêm fazer para aqui, para o meio dos velhos. Isto não tem quase ninguém. As pessoas abalaram. Só vêm na Páscoa ou nas férias de verão.» A apanhar o primeiro sol da manhã na berma da estrada, Fábia Conceição Pêra fia lã de ovelha para fazer meias e vendê-las a quem oferecer «qualquer coisita» por elas. Conhece Atenor. Fora os dois anos em que andou por França à procura de melhor vida, nunca saiu da pequena aldeia a 25 quilómetros de Miranda do Douro, em Trás-os-Montes. A aldeia agora não tem mais de trinta moradores permanentes e, desses, crianças contam-se apenas duas. 
Alguma coisa mudou nos últimos tempos, mas Fábia Conceição não percebe as vantagens que a malta nova com quem se cruza, nos últimos meses, nas ruas, vê em Atenor, ao ponto de se terem mudado para lá. «Eu cá acho que isto não é futuro para eles. Uns andam aí com os burros para trás e para a frente. 
Nem sei quem lhes paga. Se calhar é o Estado.»Acontece que Fábia é mãe do presidente da Junta de Freguesia de Atenor, Moisés Pêra Esteves, o maior promotor da nova estratégia que tem atraído novos habitantes. Também construtor civil, como autarca Moisés Esteves tem três objetivos para a sua aldeia: captar sangue novo, valorizar o património cultural e proporcionar um fim de vida melhor aos mais idosos. Para os concretizar, criou incentivos na habitação, saúde e artes. E assim conseguiu que gente jovem de diferentes pontos do país assentasse arraiais em Atenor, abraçando projetos inovadores que dão visibilidade nacional à aldeia. Moisés sabe do que fala. 
Ele próprio saiu da terra, mas sempre alimentou a vontade de um dia regressar. O regresso foi há quatro anos e, até agora, sem arrependimento. Além de presidente da Junta, cargo que exerce há dois anos e meio, trabalha na construção, com pladures e garante que trabalho não lhe falta, sobretudo na reconstrução de casas. «Não preciso de me distanciar muito daqui. As casas foram sendo abandonadas e a degradação tomou conta delas. Algumas só têm silvas lá dentro. 
Mesmo não vivendo cá, os donos querem recuperá-las.»Uma das caras novas que a mãe do presidente da Junta vê «com os burros para trás e para a frente» é Cláudia Costa, que veio de Lisboa. Foi o desemprego que a levou a Atenor, em Janeiro de 2011. 
«Um mal que veio por bem», pois não gostava do trabalho como operadora de registo de dados, no Instituto de Mobilidade de Transportes Terrestres (IMTT), sentada oito horas em frente de um computador. Antes de se meter à estrada em direção a Trás-os-Montes, podia ter-se lançado na fotografia; tinha o curso da escola de arte Ar.Co. E Cláudia tinha outra paixão: os burros. E queria passar pela experiência de cuidar deles. Tinha tido um, há uns anos. «Ofereceram-mo como presente de Natal e adorei. 
A partir daí comecei a recolher informação sobre burros e cheguei ao site da APEGA, Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino de Miranda do Douro, que ficava em Atenor.» 
Cláudia ofereceu-se para fazer uma semana de voluntariado. «Estava desempregada, tinha todo o tempo do mundo.» O que era para ser uma curta experiência, acabou em atividade a tempo inteiro. «Agora sinto-me realizada», diz a tratadora, enquanto mima uma cria de burro mirandês. «Sinto que estou a fazer uma coisa importante, a contribuir para a sobrevivência desta espécie.» Além de tratar dos cinquenta animais da APEGA, Cláudia é guia dos turistas que se deslocam a Atenor para andar de burro, que se tornou moda nos últimos anos. A máquina fotográfica não ficou na gaveta. É graças a Cláudia que a associação tem um vasto registo fotográfico.
É assim que se contam as histórias que a mãe do presidente da Junta não compreende. Das vantagens de trocar a cidade pelo campo, que estão à vista de quem procura trabalho e qualidade de vida. Cláudia não tem saudades de Lisboa. Tudo o que precisa para viver encontra em Atenor. Depois do trabalho, ainda arranja energia para outros ofícios. Uma vez por semana vai a Vilar Seco, aldeia vizinha, para aprender com a Dona Maria Glória a fazer escrinhos, cestos de palha de centeio e silvas, típicos da região. E nas instalações da Junta de Freguesia de Atenor aprende a tocar gaita-de-foles com Ricardo Santos, também ele um novo habitante da aldeia. Ricardo, 29 anos, chegou a Atenor em Setembro do ano passado, a convite da Lérias, uma associação de artes e cultura local. 
Além de ensinar gaita a 22 alunos de Atenor e de outras localidades próximas, também faz o levantamento das histórias dos gaiteiros e dos pauliteiros transmontanos. É uma forma de exercitar a formação académica em antropologia. Natural de Castelo Branco, viveu sete anos em Lisboa, onde tirou a licenciatura. E aliviava o stress com aulas de gaita-de-foles na Juventude da Galiza. 
Gostou tanto que se tornou mestre no instrumento, fazendo hoje parte do trio Velha Gaiteira, um grupo musical da Beira Baixa criado em 2007 e já com um bocadinho de mundo: «No ano passado fomos tocar a Espanha, França, Eslovénia, Brasil e Canadá.» Um cheirinho do talento da banda está gravado no primeiro e único álbum, homónimo do grupo, feito dos sons tradicionais e acústicos da caixa beiroa, do bombo, do adufe e, claro, da gaita-de-foles.
«Sinto falta das livrarias»
A distância geográfica que separa Ricardo dos outros dois elementos da banda, que residem em Castelo Branco, não o impede de fazer a sua parte. «Componho e gravo sozinho em casa, depois envio pela internet para eles ouvirem. E eles a mesma coisa. São as vantagens da tecnologia. Quando nos encontramos, ensaiamos. Se a coisa for do agrado de todos, passamos ao estúdio.» 
Da cidade, o que mais lhe faz falta são as lojas onde costumava consumir cultura. «Querer um livro técnico, da área de ciências sociais por exemplo, e não encontrar aqui nem nas imediações é um bocado frustrante. Tenho de aproveitar as minhas idas a Bragança, a Lisboa e a Castelo Branco para comprar livros, CD ou até ver uma exposição. 
De resto, está-se muito bem aqui e não penso sair». O provérbio mirandês «Un home num ye donde nasç, ye donde paç» [«O homem não é de onde nasce, é de onde come»] assenta-lhe como uma luva. Quem também pensa ficar por Atenor é a diretora da Lérias, a associação que contratou Ricardo. 
Diana Caramelo, 30 anos, está em Atenor há seis anos, onde chegou atraída pelo projeto de uma Escola de Música Tradicional, desenvolvido pela associação. «Tenho o curso de produção artística. Quando tive conhecimento deste projeto não hesitei em agarrá-lo.» Trocar a Guarda pela aldeia não custou muito. De resto, «já estava habituada a terras com pouca gente». Desde que a Lérias entrou em ação e com Diana à frente, a aldeia viu rejuvenescer as músicas, as artes e as tradições locais. Neste momento, cem alunos frequentam a Escola de Música Tradicional, uns na gaita-de-foles, outros no acordeão, na percussão, no teatro e no coro. 
Na Lérias, Diana programa festas, espetáculos e exposições temáticas. Destas, destaca a exposição de máscaras, ainda patente no único café da aldeia, e as sextas-feiras culturais, que decorrem nesse mesmo café. «A última sexta-feira, dedicada aos anos oitenta, encheu a casa. A próxima terá como tema a música reggae». 
Os bailes tradicionais dinamizados pela associação também atraem muita gente, sobretudo os turistas que visitam Miranda do Douro.
Reminiscências de Cleópatra 
A mulher que tornou famoso o leite de burra viveu bem longe daqui, mas ninguém sai de Atenor sem se lembrar dela. É que os souvenirs mais conhecidos da pequena aldeia - no mundo inteiro - são os sabonetes Tomelo, feitos do leite das burras de Bárbara Fráguas e José Gamba, ela do Porto e ele de Vila Nova de Foz Coa. A rainha egípcia tinha razão: o leite de burra tem de facto um grande «poder hidratante» pelo efeito das «vitaminas e ácidos gordos, que penetram facilmente na pele e incrementam a produção de colagénio». Os sabonetes propriamente ditos são fabricados na região da Provença, no Sul de França, onde há o know how. «O leite vai congelado, para não perder qualidades. 
Passados 15 ou trinta dias, os sabonetes estão cá, embalados e prontos a entrar no circuito comercial.» Da remessa mensal que vem de França de 11 mil unidades, os empresários deixam em casa apenas oitocentas, quantidade «suficiente para abastecer os locais e os turistas»; as restantes enviam para a loja e armazém que abriram no número 108 da Rua D. António Ferreira Gomes, no Porto. 
«É daí que seguem para vários pontos de venda no país.»Ideias não faltam a este casal para dinamizar a aldeia que escolheram para viver e trabalhar já lá vão dez anos. Querem recuperar duas casas de pedra que compraram e transformá-las num centro de turismo rural e criar uma empresa de ecoturismo. «Estamos tão perto do Douro Internacional que seria uma pena não aproveitar a grande variedade de avifauna que existe aqui. Isto tem potencial para a organização de programas de observação de aves como a águia-de-bonelli, a águia-real, o abutre-do-egipo, o grifo, a cegonha-preta, o falcão-peregrino, e muitas outras.» Também não descartam montar a sua própria fábrica de sabonetes em Vimioso, a poucos quilómetros. «Tudo o que pudermos fazer por esta região, faremos. 
O nosso filho nasceu nesta aldeia. Tem 3 anos e se depender de nós é aqui que o Francisco vai crescer.» Os produtos que Bárbara e José produzem não encontram muita saída junto da população idosa de Atenor. 
É convicção de Conceição Pêra de que «isso é o género de coisas que agrada mais aos novos e aos turistas». A mãe do presidente da Junta vê mais utilidade no que oferecem as duas enfermeiras recém-licenciadas que se instalaram há dias na aldeia, numa casa cedida pela Junta.Tânia Dias, 22 anos, e Isabel Moreira, 39 anos, resolveram vir para Atenor por não encontrarem trabalho nas suas terras (uma é de Seia, a outra de Meda). No posto de saúde improvisado numa sala da Junta de Freguesia, desenvolvem o projeto Laços, que elas próprias criaram e que consiste na prestação de serviços de enfermagem aos mais velhos e acamados. 
Medem a tensão arterial, a diabetes, acompanham os doentes às consultas, apoiam na medicação, colocam pensos, dão injeções. Quem está acamado e não pode deslocar-se, não perde os seus cuidados, porque Tânia e Isabel também fazem domicílios. Este serviço de enfermagem é gratuito e temporário. Está previsto durar apenas três meses. A sua continuidade depende da adesão das pessoas, que para continuarem a usufruir dele terão de passar a pagar vinte euros por mês. Conceição Pêra e o vizinho Celestino Machado, 79 anos, «o primeiro da aldeia a pôr os pés no posto de saúde», acham que o trabalho das enfermeiras merece bem o valor. 
«Se a gente precisa de levar uma injeção, não tem quem dê. Por nós, elas bem podiam ficar. Fazem-nos muita falta.» 
As enfermeiras também acreditam no futuro do seu projeto: «Tem pernas para andar. Poderá até ser aplicado noutras terras do interior que, como esta, têm uma população bastante envelhecida.»

Por: Carla Amaro Fotografia de Rui Manuel Ferreira
in:jn.pt

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