.jpg)
Símbolo da civilização milenar da bacia do Mediterrâneo, presente na cultura popular através das crenças, medicina, rezas e provérbios; arreigado à religião e às economias, o azeite continua, hoje, a ser um elemento com peso nos hábitos de consumo dos portugueses. Abordagens aprofundadas por Manuel Paquete, formado em história, na obra «O Azeite na Cultura e no Património Alimentar Português».
Café Portugal - O livro «O Azeite na Cultura e no Património Alimentar Português» (Colares Editora) mereceu agora uma segunda edição, revista e actualizada. Conta, inclusivamente com a colaboração de Ana Soeiro, Secretária-Geral da Qualifica. O que podemos esperar ao folhear esta obra?
C.P. - Ou seja, um produto com uma presença central na nossa cultura. Pode dar-nos alguns exemplos dessa matriz civilizacional?
M.P. - O azeite sempre teve vários usos, entre eles o alimentar, que, por sua vez, não terá sido, na Antiguidade, o uso mais significativo. O azeite começou por se firmar, na área mediterrânica da sua produção, como um óleo com virtudes farmacológicas e de algum poder simbólico, no domínio da religiosidade, comum ao judaísmo, ao cristianismo e ao islamismo. No plano alimentar, o uso do azeite acabou por integrar, de algum modo, aqueles atributos adquiridos nesse uso não alimentar. Actualmente, a importância alimentar do azeite tem vindo a crescer, com base em dois aspectos: o peso económico e o discurso médico-nutricionista, a que não é alheia a «descoberta» da dieta mediterrânica, com a grande valorização deste óleo como a melhor das gorduras.
C.P. - No que se refere à cultura popular em torno do azeite praticada em Portugal, como se pode caracterizar, tendo em conta que ela é diferente de norte a sul do país?
M.P. - Essas diferenças, entre o norte e o sul, poderão estar relacionadas com o, historicamente, maior ou menor consumo regional do azeite. Mas é curioso notar que mesmo em zonas onde o azeite não era uma gordura culinária de eleição, acaba por estar presente, por exemplo, nomeado ou usado nas chamadas mezinhas com fins propiciatórios ou profiláticos.
C.P. - Aborda nesta sua obra uma dimensão normalmente menos focada, a das rezas e práticas curativas associadas ao azeite. Quer pormenorizar?
M.P. - De acordo com as características e as finalidades da chamada medicina popular, com a sua componente mágico-religiosa e propiciatória, associada a rezas e outras práticas curativas, o azeite é um elemento precioso, já que a sua natureza está imbuída, segundo a crença popular, inspirada por sua vez no discurso religioso, na sua matriz judaico-cristã, que conferiu ao azeite poderes profiláticos a partir da sua eleição como unguento com faculdades sacramentais. Um exemplo: o termo Cristo deriva do grego Khristós, que significa «ungido».
É curioso notar que o uso medicinal tradicional do azeite passa, sobretudo mas não apenas, por tratamentos de doenças de pele já defendidos na antiga medicina grega e romana, a que não terá sido alheio o uso religioso do azeite como unguento.
C.P. - No consumo e na exportação do azeite, o país tem registado, nos últimos anos, indicadores muito positivos. Mas nem sempre foi assim. Como comenta esta realidade?
M.P. - Na primeira metade do século XIX, por exemplo, registou-se um notável incremento da olivicultura relacionado com a expansão da iluminação pública, que recorreu a esta gordura como combustível. É natural que a maior quantidade de azeite disponível no mercado influísse o aumento do seu consumo alimentar. Pelo contrário a parir da década de 1960, a produção e o consumo decaíram na sequência duma campanha, devastadora, favorável à expansão industrial e comercial de outros óleos e gorduras alimentares. Entretanto, a descoberta das virtudes da chamada «dieta mediterrânica» (conceito introduzido na década de 1990) reabilitou, e ampliou, o interesse do azeite, que é, agora, um sector económico em alta, dado o aumento da procura, sobretudo internacional, deste alimento visto também como uma espécie de alimento-medicamento.
C.P. - Estamos no fundo a falar de um produto basilar na cozinha portuguesa. Algo que verte para a presente obra através do receituário que apresenta…
M.P. - O azeite é de facto fundamental na cozinha portuguesa e muitos pratos que remotamente recorriam a outras gorduras, ou dele prescindiram temporariamente por questão de moda (construída pelos citados interesses da indústria agro-alimentar), optam agora pela aquela que foi eleita como a melhor das gorduras alimentares. Mas, é claro, embora o azeite seja um dos ingredientes marcadores da cozinha portuguesa, não é, nem nunca foi, o óleo exclusivamente presente nas mesas portuguesas. As receitas deste livro são, forçosamente, algumas das que poderão compreender uma «cozinha de azeite», ou dos «comeres de azeite», dada a sua presença como ingrediente «obrigatório» porque central. Frequentemente a alusão a esse uso encontra-se na própria nomeação das receitas: bacalhau à lagareiro, vários pratos de peixe em que o azeite é usado como ingrediente culinário ou apenas como tempero, migas lagareiras, açordas, pão de azeite, tibornas, bolos de azeite, biscoitos de azeite, broas de azeite, etc.
C.P. - Em conclusão, que mensagem gostaria que ficasse com este seu «O Azeite na Cultura e no Património Alimentar Português»?
Ana Clara
in:cafeportugal.net
Sem comentários:
Enviar um comentário