O poder e a intervenção da Coroa, ao nível local-paroquial, estrutura-se e exerce-se essencialmente a partir do corpo e ordem municipal que o condiciona fortemente.
A partir da 2.ª metade do século XVIII, o Estado pombalino desenvolverá os maiores esforços de ultrapassagem deste poder municipal para uma articulação mais directa com os povos. Será uma actuação e uma intenção política mais fortemente levada a cabo a partir de uma mais ampla definição e aplicação da jurisdição do Direito Pátrio, mas também da assumpção das funções da Polícia. Tal será levado a cabo pela reorientação da actuação dos concelhos, no sentido do cumprimento do sentido público das leis e regimentos régios pela actuação mais interveniente dos magistrados régios à periferia (corregedores para a esfera civil e administrativa, provedores para a esfera institucional-religiosa e financeira) e pelo esforço de estender os serviços (gerais) régios às paróquias – com a limitação do direito canónico e jurisdição civil da ordem eclesiástica –, tal como o verificado com a criação dos serviços de Polícia (criação dos zeladores de polícia nas aldeias) e os intentos e propostas de criação de outros serviços gerais com extensão directa às paróquias.
O alargamento da intervenção civil e política daqueles magistrados é realizada reforçando a Coroa os mecanismos jurisdicionais do Direito Público Régio, que defende os direitos dos povos contra a jurisdição das câmaras. Nesta acção os corregedores desempenharão um papel fundamental e crescente, quer na sua actividade ordinária – como juízes de apelação e agravo – quer na sua actividade correccional, em audiências gerais de capítulos em que sentenciam em capítulos gerais ordenamentos e posturas para o governo civil, político e económico dos povos, em que ouvem e desagravam os povos e aprovam capítulos e provimentos contra os abusos dos poderes locais, que nos finais do século vêm sobretudo das câmaras.
Ainda no tempo de Pombal, atendendo à clara insuficiência da ordem municipal – para a qual o Ministro não giza uma reforma institucional, nem territorial – foram instalados no terreno pelo governo central os Comissários e Zeladores da Polícia (1760), directamente articulados, através dos corregedores, ao governo central, estrutura hierárquica que liga a administração deste importante domínio da Administração Pública, do topo à base. Trata-se de um corpo de oficiais e estrutura a quem cabe promover a Polícia. Polícia que nos termos da definição de Pascoal Melo Freire em O Novo Código do Direito Público de Portugal (título XLII) trata da «a religião, os costumes e a subsistência, comodidades e segurança) – a que poderemos juntar na definição de Delamare – «as artes liberais, o comércio, as fábricas, as domésticas, os delinquentes, os pobres».
Também por aqui se pretende ultrapassar as incapacidades, as insuficiências e as resistências da ordem municipal.
Este será um corpo especial para a intervenção do Estado do Despotismo Esclarecido e do Reformismo que não deixará de colidir com as tradicionais competências das câmaras, seus quadrilheiros, almotacés, juízes de vintena, mas também da igreja e dos párocos e até de outros magistrados e instâncias régias locais e territoriais.
O fim da experiência da Viradeira – que corresponde localmente ao reforço da ordem senhorial nos concelhos e também ao afastamento de algumas medidas mais radicais do Pombalismo contra a ordem eclesiástica e paroquial no tempo do governo de D. Maria I – confrontou o Poder Real já na conjuntura revolucionária do impacto da Revolução Francesa de 1789, com a necessidade de romper definitivamente como espartilho da ordem municipal, do regime senhorial na administração local e a tutela eclesiástica e levou a retomar o programa pombalino.
Datam de 1790/92 leis que iniciam a reforma da administração local, em grande medida na sequência das propostas de Novo Código. Mas o programa de reformas institucionais e administrativas do Reformismo Ilustrado da Lei Mariana de 1790-92, conhecidas da abolição das Donatarias, conducentes à reforma das instituições e carta camarária e concelhia traduziu-se num fracasso. Ele delineara um vasto programa de reformas e extinção de muitos concelhos que então não se realizaria. A ideia passava pelo reforço dos concelhos, extinguindo os mais pequenos e inorgânicos e aos restantes aumentando-lhe os recursos, a população, a jurisdição e por ela a acção junto dos povos.
Memórias Paroquiais 1758
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