Foto: José Caria |
Caro leitor,
Desculpe interpelá-lo assim mas às vezes apetece dizer olá, enviar um abraço, dizer-?-lhe que estamos no mesmo barco e não fazer caso das más notícias que todos os dias enchem os jornais. Há já uma mão cheia de anos que não nos sentimos o 'bom aluno' (passe o facto de só haver uma meia verdade nessa ideia) e até o conceito do empreendedor, que nos apontava os exemplos a seguir (íamos ser todos como o Mark Zuckerberg ou o Bill Gates), caiu em desgraça. Depois da explosão de start-ups, foi um rodopio de empresas a fechar portas e de gente a fazer as malas, pronta a emigrar. A crise remeteu-nos de novo para o discurso do fado português. Os outros números da conjuntura também não ajudam (o desemprego é um fenómeno de longa duração para boa parte da população; entre os mais novos, 17% não estuda nem trabalha, e nem quem tem diploma escapa à má sorte).
"O Portugal de de hoje é igual ao Portugal de Os Maias", repetem-nos amiúde, e neste cenário apetece muitas vezes baixar os braços. Ou então socorrermo-nos do inquietante 'Portugal, Portugal, de que é que estás à espera', mesmo que seja outra ideia também meio batida. Não querendo ver aqui qualquer terreno fértil para populismos - que estes, como nos ensinou a História, podem dar força a perigosos ditadores - decidimo-nos por outra via. E, poucos dias depois de lhe revelarmos que é possível voltar à rotina sem stresse (ver VISÃO 1123 Como dar nova força à vida), lançamo-nos neste desafio de dar um pouco de lustro à nossa - sua - autoestima.
A verdade é que, em vários momentos da nossa cronologia, fizemos a diferença. Aparecemos a guiar a globalização (ao velejarmos por metade do mundo, depois de aperfeiçoarmos a caravela árabe e mais uma série de instrumentos náuticos, explorando sistematicamente a costa de África até descobrirmos o caminho marítimo para a Índia e para o Brasil). Mas também estivemos na frente da medicina cardiovascular (no século XVI, Amato Lusitano, como ficaria conhecido o médico João Rodrigues de Castelo Branco, descrevia a circulação do sangue, sendo o primeiro a afirmar que as veias tinham válvulas). Temos um Prémio Nobel na investigação clínica (Egas Moniz, em 1949, por dar, pela primeira vez, visibilidade às artérias do cérebro, criando a angiografia cerebral) e também na Literatura (José Saramago, em 1998, tornando-se responsável pelo efetivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa). Ah, e claro, temos Cristiano Ronaldo, o melhor futebolista do mundo, e José Mourinho, o mister por excelência. No turismo, continuamos a arrasar a competição. Ainda na a semana passada, por exemplo, fomos novamente distinguidos: o Vidago Palace Hotel, no concelho de Chaves, foi considerado o melhor hotel para casar, pelos Prestigious Star Awards 2014, numa gala realizada em Londres. As nossas pérolas não têm, aliás, passado despercebidas aos estrangeiros - o Porto está na moda, Lisboa é o spot do momento para escapadinhas, escapadelas e afins, e um índice norte-americano acaba de eleger o Algarve como o melhor lugar do mundo para passar a reforma. E não vá terem-lhe escapado as principais razões que, nos dias de hoje, nos põem na linha da frente, fazemos aqui um ponto de situação
As 33 razões para adorar Portugal
Da cortiça à urina: Com o selo da NASA
Primeiro foi a cortiça, usada para forrar os foguetões desde a missão Apolo XI, que levou os primeiros astronautas à Lua. Agora, um salto tecnológico chamou a atenção dos responsáveis da agência espacial norte-americana: o Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho está a produzir eletricidade e fertilizantes a partir de urina humana. Este projeto europeu, intitulado Value from Urine, já despertou o interesse da NASA e também da Agência Espacial Europeia. Numa primeira fase, para produzir fertilizantes para solos ricos em fósforo e, num segundo momento, utilizar células de combustível capazes de gerar eletricidade e fertilizantes ricos em azoto.
Multibanco: Uma vida - segura - em cartões
Fomos dos últimos da Europa a instalar as máquinas (em 1985, quase 20 anos depois de as primeiras terem surgido), mas hoje temos uma das mais sofisticadas redes interbancárias do mundo: a baixa incidência de fraudes foi largamente elogiada no relatório de 2013. E aqui sim, as mais variadas possibilidades de usar o multibanco foram invenção nossa: Portugal é mesmo o país com maior número de operações oferecidas através das máquinas de ATM. A possibilidade de comprar tanto bilhetes para concertos como para o comboio continua a surpreender agradavelmente quem nos visita.
Calçado: Ponha aqui o seu pezinho
Já foi apresentada como a mais sexy da Europa: a indústria do calçado português ganhou novo fôlego e este ano bateu mesmo um recorde ao fazer-se representar por 86 empresas e cem marcas, na maior feira do mundo do setor, em agosto, na cidade italiana de Milão. Tudo somado, corresponde a 7 mil postos de trabalho e cerca de 500 milhões de euros em exportações.
Crime: Um país em segurança
Segundo o mais recente Índice Global da Paz, que avalia os países mais e menos seguros em todo o mundo, Portugal alcança um honroso 18.º lugar, entre 162 estados. Islândia, Dinamarca e Nova Zelândia são os primeiros.
Têxteis técnicos: Os tecidos do futuro
Tornaram-se uma grande aposta nacional: coletes que monitorizam o batimento cardíaco, fatos de isolamento térmico, malhas repelentes de água e de mosquitos, fios termorreguladores e antibacterianos são exemplos do que esta indústria consegue fazer (e que tem Usain Bolt como cliente). De janeiro a julho, as vendas para Espanha aumentaram 14,7% e para Angola 20,9 por cento
17.º lugar: Amigos do Ambiente
Quem o diz é o ranking das universidades de Yale e Columbia, que listou 178 países. Subimos 24 posições desde 2012. Os melhores parâmetros são na qualidade do ar, água e saneamento.
Via Verde: Circular é viver
Não somos os criadores, mas tivemos olho para aproveitar o protótipo dos finlandeses e pô-lo a funcionar. Desde esse ano de 1991 estendeu-se ao pagamento de combustíveis e estacionamento.
Luís Borges: O rapaz mais fixe cá do burgo
É o único português na lista dos 50 melhores manequins do mundo no site models.com. Com 24 anos, tem também o recorde de maior número de trabalhos internacionais numa só estação. Há dois anos, foi ainda escolhido como um dos dez homens de maior relevância no mundo da moda, conseguindo um honroso terceiro lugar, numa lista elaborada pela norte-americana Obvious Magazine e dominada pelos EUA. "O Luís é como o rapaz fixe da escola com quem todos querem estar. Muito mais dele está para vir!", antevia, então, a revista.
Pena de morte: Um exemplo para a Europa
Não fomos os primeiros, pois Venezuela e San Marino adiantaram-se, decretando a proibição em 1863 e 1865. A nossa lei é de 1867 e fomos os primeiros na Europa, decisão elogiada por Victor Hugo autor de Os Miseráveis e um dos mais aclamados pensadores de sempre: "Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande História. (...) Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! (...) Viva a vida!"
Papel higiénico: Inovação às cores
Sempre foi branco e, na nossa imaginação, raramente aparece de outra cor, mas a verdade é que o papel higiénico preto abriu todo um mundo de possibilidades à Renova, desafiando a concorrência. Um dia, estava o CEO da Renova, Paulo Pereira da Silva, a assistir a um espetáculo do Cirque du Soleil, em Las Vegas, quando os panos negros o fizeram lembrar rolos e daí a mudar-lhes a cor foi um passo, em 2005. O sucesso foi tal que a gama passou a ser usada como case study em cursos de gestão.
Mestrados: Sempre nos tops
Faz tempo que as nossas principais escolas de gestão aparecem bem classificadas nos principais rankings mundiais. Um dos principais responsáveis por esses bons resultados é o mestrado de Finanças da Nova SBE, escolhido sistematicamente para o top ten do Financial Times, desde há quatro anos. Mas não é o único caso a ter destaque internacional. Na lista dos 50 melhores da área de gestão, aparecem agora, também pela primeira vez, o mestrado da Faculdade Nova da Universidade de Lisboa e o da Universidade Católica.
Eduardo Souto Moura: O novo Nobel
Já tínhamos Siza Vieira na lista da arquitetura mundial. Agora, temos outro representante, vencedor da edição de 2011 do Pritzker, considerado o Nobel da arquitetura. Entre as suas obras, estão a Casa das Histórias de Paula Rego, em Cascais, e o Estádio Municipal de Braga.
Praia: Azul, da cor do céu
Portugal tem sido dos países a receber mais distinções da Fundação para a Educação Ambiental, logo desde 1987, Ano Europeu do Ambiente. Em 2001, o âmbito deixou de ser apenas europeu, mas ainda assim mantemos a boa classificação. Em 2011, fomos mesmo o primeiro do ranking mundial.
Botija de gás: 14 prémios
Recebidos, incluindo o Good Design Award. Produto 100% nacional, a Pluma apareceu em 2003, apresentando metade do peso de uma garrafa convencional
Sara Sampaio: Como um anjo
Desde 2013 que desfila para a Victoria's Secret, foi eleita revelação do ano pela revista espanhola Hola! e foi ainda a primeira a ser fotografada para a Sports Illustrated Swimsuit Issue, que lhe atribuiu igual distinção.
Joana Vasconcelos: Arte com tampões e outras coisas
Nascida em França, em 1971, a artista plástica deu nas vistas em 2005, depois de criar A Noiva, um lustre gigante todo feito de tampões higiénicos. O resto do mundo descobriu-a depois da sua participação na Bienal de Veneza, nesse mesmo ano. Em 2010, a antologia da sua obra Sem Rede, apresentada no Museu Berardo, foi a exposição realizada em Portugal mais vista de sempre. Em 2012, as suas peças rumaram ao Palácio de Versalhes, onde foi a primeira mulher a apresentar trabalhos, e a exposição tornou-se rapidamente das mais visitadas em França, nos últimos 50 anos. No ano passado, voltou a surpreender com o Trafaria Praia, ao transformar aquele cacilheiro no pavilhão de Portugal, durante a Bienal de Veneza.
Natalidade e longevidade: De boa saúde
Segundo a Organização Mundial de Saúde, estamos entre os 10 países do mundo onde as mulheres têm maior longevidade (84 anos) e também entre os dez mais seguros para recém-nascidos, tendo em conta a taxa de mortalidade neonatal, uma das mais baixas do mundo, informação divulgada recentemente pela britânica The Lancet: baixou 74% desde 1990.
Fronteiras eletrónica: Mais rápido não há
Chama-se RAPID - Reconhecimento Automático de Passageiros Identificados Documentalmente e foi o primeiro sistema do mundo que permite o controlo de passageiros com passaportes eletrónicos sem intervenção humana.
O projeto-piloto funcionava em Faro, em 2005, quando impressionou um governante inglês. Hoje, está em mais de 30 aeroportos internacionais há 400 milhões de pessoas no planeta a usar o este tipo de passaporte.
Telemóveis pré-pagos: Mimo, com muito gosto
Hoje, comprar cartões para fazer chamadas de telemóvel é um ato banal mas... lembra-se do Mimo, da TMN? Pois sim, foi o primeiro cartão do mundo a permitir comprar antecipadamente chamadas telefónicas, em 1995, democratizando o uso dos telefones móveis no planeta.
Património da Humanidade: A nossa riqueza
Quinze lugares estão inscritos na lista da UNESCO. Em 2011, foi a vez de o Fado ser reconhecido bem imaterial do planeta
Drogas: A discriminalização exemplar
Primeiro, o elogio veio de Glenn Greenwald, um dos mais conhecidos constitucionalistas norte-americanos, que analisou o que se passa em Portugal e concluiu que deve servir de exemplo. O elogio vai para as oportunidades de tratamento, e para o facto de não dar prisão, que era o principal desafio: os toxicodependentes não pediam ajuda com receio de acabar na cadeia. Recentemente, aos 10 anos da lei, Jorge Sampaio, acompanhado de vários congéneres internacionais, fez um apelo por um novo olhar na maneira de lidar com o tráfico e o consumo de droga.
Campos de golfe: Uma forte tacada
A eleição é da revista Golf World: há treze campos nacionais entre os 100 melhores da Europa Ocidental. Antes disso já Portugal tinha sido eleito o melhor destino de golfe da Europa nos World Travel Awards e o Algarve o melhor destino de golfe da Europa Continental, na relação preço/benefício, pela Today's Golfer.
João Magueijo: O 'nosso' Einstein
Investigadores portugueses a dar cartas no mundo já tínhamos, na pessoa de António Damásio, há décadas instalado nos EUA e que se tornou mundialmente reconhecido quando lançou O Erro de Descartes, em meados dos anos 90. Agora, o cientista na berra é João Magueijo, que desafiou Einstein, em 2003, ao propor que a velocidade da luz variou ao longo do tempo, solucionando assim uma série de questões na Cosmologia. Faz parte da equipa de físicos do Imperial College, em Londres.
Reciclagem: Pneus velhos... no asfalto
A ideia de usar betume modificado com borracha para pavimentar estradas não só salvaguarda o ambiente, por reutilizar a borracha velha, como ainda diminui o ruído nas estradas e aumenta a segurança dos carros e há décadas que já era feito. Entretanto, foi dado um novo salto quando um projetopiloto, desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, e adaptado depois pela Recipav, sugeriu fazê-lo com pneus velhos.
Joana Carneiro: A maestrina
Iniciou os seus estudos musicais na viola antes de se formar em direção de orquestra, ainda em Lisboa. Seguiu-se o mestrado em Chicago e o doutoramento no Michigan. Em 2009, aos 33 anos, foi nomeada diretora musical da Orquestra Sinfónica de Berkeley. No ano seguinte, recebeu o Prémio Helen M. Thompson, atribuído pela Liga das Orquestras Americanas a diretores musicais excecionalmente promissores. Hoje, é maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa.
Tribunais de menores: Em nome das crianças
Há cem anos, Portugal foi pioneiro na proteção das crianças, ao tratar de forma diferente menores e adultos, criando a Lei de Proteção da Infância, a 27 de maio de 1911- que mais tarde veio dar origem aos tribunais de família e menores -, baseada nos ideais republicanos. Em Diário da República, 16 páginas explicavam essa opção: as crianças eram o futuro e só educadas num determinado ideal seriam adultos de pleno direito e desenvolvimento.
Surf: A nossa reserva mundial
Em 2001 a organização Save the Waves distinguiu a Ericeira como a primeira zona de ondas protegidas da Europa. A distinção visa assegurar a proteção da orla costeira e reforçar o reconhecimento de um património de interesse mundial para o surf.
Carlos do Carmo: O primeiro Grammy
A Latin Recording Academy agraciou o cantor de Um Homem na Cidade com o Prémio de Excelência Musical uma distinção única para celebrar a carreira de um artista e que já foi entregue a cantores como Frank Sinatra, Miles Davis ou Bob Dylan. É o ponto mais alto da carreira de Carlos do Carmo, 74 anos. Co-protagonizou a candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade, depois de participar no filme Fados, de Carlos Saura, em 2007, ao lado de Mariza e Camané, além de Chico Buarque de Hollanda e Caetano Veloso. Entre as apresentações públicas contam-se espetáculos em algumas das mais prestigiadas salas de todo o mundo, como o Olympia de Paris, Ópera de Frankfurt, Royal Albert Hall de Londres, Savoy de Helsínquia ou a Ópera de Wiesbaden.
Imigração: De portas abertas
Fomos considerados o melhor na integração de imigrantes na vertente de reunificação familiar e acesso à natalidade. Segundo o último índice desta área anunciado em Bruxelas, e que faz um estudo comparativo que avalia políticas em 31 países da Europa e da América do Norte, estamos mesmo muito próximos da Suécia, que ocupa o primeiro lugar absoluto, na imigração.
Caiaques: Heróis do mar
Somos o maior fabricante do mundo deste tipo de embarcação. Sob a marca Nelo, a empresa de Manuel Ramos, de Vila do Conde, já vendeu mais de 30 mil caiaques, desde a sua fundação em 1978. As exportações absorvem 98 % da produção, e têm como destino mais de 100 países, da Europa às Américas, passando pela Ásia.
Avenida da Liberdade: 10.ª mais luxuosa do mundo
E também a 35ª rua mais cara do mundo. Nos últimos anos ganhou um novo vigor, e passou a acolher marcas como a Louis Vuitton, Prada, Dolce & Gabbana, Tod's, Gucci, Burberry...
Sumos frescos: Fruta com muita tecnologia
Podemos dizer que os portugueses foram pioneiros em sumos frescos que duram 55 dias. São naturais, feitos com recurso a uma tecnologia da NASA e produzidos em Alcobaça. A máquina de hiperpressão a frio, usada para cortar ligas de foguetões, foi adaptada para fazer sumos de vegetais sem conservantes, aditivos ou açúcares. O sumo conserva-se quase dois meses porque a tecnologia esmaga as bactérias a 5º C, sem alterar as vitaminas nem o sabor. A empresa exporta já 70% dos sumos que produz. A solução ajudou a escoar boa parte da produção de fruta.
Azeite: O país do ouro líquido
Desde 2010 que Portugal detém o maior olival do mundo. A produção de azeite também está em alta: este ano, duas marcas nacionais receberam as mais altas distinções num concurso internacional de azeites atribuído pelo Conselho Oleícola Internacional.
Teresa Campos (texto publicado na VISÃO 1125, de 25 de setembro)
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