terça-feira, 1 de dezembro de 2015

“Há faixas etárias que têm um aumento exponencial de violência doméstica, sobretudo a terceira idade”

Teresa Fernandes, coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica distrital de Bragança, fala do aumento “exponencial” de queixas de violência doméstica e contra idosos e revela que uma nova casa abrigo deverá começar a ser construída em 2016.
As denúncias por violência doméstica têm aumentado no distrito?

Sim, temos assistido a um aumento exponencial do número de participações. Há faixas etárias que têm um aumento exponencial, sobretudo a terceira idade. O que não significa um aumento dos episódios de violência, mas que as pessoas estão mais conscientes e informadas. As campanhas de informação, alterações legais e o trabalho de campo feito têm feito eco nas consciências de vítimas, agressores, familiares e amigos. O momento da apresentação de queixa corresponde apenas à oficialização da denúncia e não tanto ao aparecimento de novas formas de violência. Em 2014, atendemos 298 vítimas, das quais 182 casos são novos. No distrito de Bragança, foram apresentadas às forças de segurança 365 queixas. É um aumento em relação ao ano anterior, como registamos sempre, desde 2009. E este ano já faleceram 41 mulheres às mãos dos seus maridos ou ex-cônjuges e 122 crianças ficaram órfãs de mãe. Uma das mortes foi em Bragança e houve uma tentativa de homicídio em Carrazeda.

Quais os motivos para existir um grande número de casos?

A violência doméstica assenta numa variável cultural, é um fenómeno cujo padrão de comportamento e raízes assentam na educação, formação e cultura. Temos um modelo de família instituído que, no distrito, ainda funciona com recurso a violência para a educação das crianças e dos cônjuges. A evolução existe, mas não tanto a ponto de erradicar o fenómeno. No distrito de Bragança, existem alguns factores de risco, como o consumo de álcool, uso e porte de arma, a cultura, a escassez de recursos económicos e de acessibilidades, o desemprego, alguma patologia mental, que se reveste de importância tendo em conta as respostas do sistema nacional saúde, o aumento dos custos dos medicamentos e as distâncias até às unidades hospitalares.

Existe apoio em todos os concelhos para as vítimas de violência doméstica que o solicitem?

Sim, o núcleo tem âmbito distrital e, apesar de ter sede em Bragança, fazemos atendimentos descentralizados e visitas domiciliárias, articulamos com entidades locais em todos os concelhos. O território está coberto por este núcleo, que é uma estrutura especializadas de atendimento às vítimas.
O processo é iniciado através de uma sinalização, referenciação ou encaminhamento formal. A partir do momento em que abrimos o processo, fazemos uma avaliação para perceber o risco associado à reincidência do crime e para a integridade física e psíquica das vítimas, directas e indirectas. Até há bem pouco tempo, trabalhava-se muito as vítimas directas, que eram agredidas fisicamente, psicologicamente, economicamente, sexualmente e socialmente, e negligenciava-se a intervenção das vítimas indirectas, especificamente dos menores. Hoje trabalha-se o agregado familiar no seu todo.
Depois avaliamos o impacto da vitimização e fazemos um diagnóstico das necessidades. Percebemos o que tem de ser feito para construir um projecto de vida afastado da violência e capacitar a vítima para tomar decisões. Este diagnóstico resulta na atribuição de apoios, psicólogo e psiquiátricos, económico, social e jurídico.
Por último, existe o acolhimento de emergência, numa casa abrigo, muitas vezes a única solução imediata para salvaguardar a integridade física da vítima e dependentes.

Venceram o prémio BPI Seniores para criar um projeto que pretende combater a violência contra idosos. No distrito também se regista?

Este tipo de violência não é recente, mas só recentemente se começou a dar uma particular importância. No núcleo de Bragança, sempre foi nossa preocupação a terceira idade, porque vivemos num território envelhecido e disperso geograficamente, em que muitos idosos vivem isolados, sem retaguarda familiar e sem suporte social efectivo. A falta de recursos económicos e sociais faz com que a nossa população idosa seja de risco.
Muitas vezes estes pedidos de ajuda estavam relacionados com o regresso dos descendentes a casa ou que levam o idoso para viver com o agregado familiar, retirando-o de lares ou centros de dia.
Com este projecto conseguimos colmatar a necessidade, acompanhar de perto as situações e criar uma resposta adaptada, específica e a tempo inteiro. Contratámos mais uma técnica e serviços de apoio na Associação Socorros Mútuos dos Artistas de Bragança, como centro de dia, refeitório social ou empresa para fazer limpeza habitacional e o tratamento de roupa. O projeto tem a fase de prevenção, com acções de sensibilização em freguesias dos 12 concelhos do distrito. Muitas vezes, depois de falar do tema as denúncias aparecem. Na segunda fase, a de intervenção, temos recursos económicos, sociais e habitacionais, para poder suprimir as necessidades.
Em 2014, atendemos formalmente com queixa apresentada 38 casos, em que as vítimas eram pessoas idosas.

Um dos projectos que a ASMAB tem é a construção de uma casa abrigo, em que fase se encontra?

Em 2012, a ASMAB conseguiu pôr no papel a ideia da construção de uma nova casa abrigo, a que existe, da Santa Casa da Misericórdia só tem 5 vagas, o que é insuficiente para responder a todos os pedidos. Foi inicialmente atribuído um terreno, que não estaria muito adaptado às exigências de uma casa abrigo, e tivemos de criar uma alteração à planta do projeto. Mas hoje temos a planta, um terreno designado e também a aprovação em PIDACC do financiamento, numa percentagem significativa. Em meados de 2016, vamos avançar com a construção para termos o mais depressa possível esta casa em funcionamento, que terá 30 vagas. O orçamento previsto é de 800 mil euros.

Vão realizar uma Gala Solitária, qual é o objetivo?

No dia 25 de Novembro, comemoramos o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Doméstica contra as Mulheres. Este ano quisemos fazer uma iniciativa diferente, pegar em algo positivo, a arte, a música e a dança, no que é belo e que toda a gente gosta de contemplar, e associá-la a esta causa e passar a mensagem.
No Teatro Municipal de Bragança, a 1 de Dezembro, vamos conseguir, no mesmo espaço, perceber o que é belo e o que nós queremos combater, que não é belo.
Paralelamente aos espectáculos, vamos ter a leitura de histórias de vida reais de vítimas de violência doméstica. A gala também tem um cariz solidário, a venda de bilhetes reverte integralmente a favor da construção da casa abrigo.

Por: Olga Telo Cordeiro
in:jornalnordeste.com

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