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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Maria Amélia Silva e a sabedoria dos dizeres populares.

“Deus nos dê do nosso que é dado sem vergonha”, é assim que Maria Amélia Silva vai respondendo a quem com ela conversa, com os “dizeres” que os 93 anos completados lhe foram ensinando. A mãe cedo ficou viúva e criou-a com as dificuldades que os tempos exigiam, a ela e mais dois irmãos. Ganhava o pão pra eles a tecer no tear, arte que mais tarde Maria Silva viria a desenvolver.
Maria Amélia Silva enviuvou e há vinte anos que vive sozinha. Não precisa de ninguém, só do amor dos filhos e netos, “faço a comida e governo-me sozinha, lavo a roupa à mão, tenho uma máquina para lavar a roupa mas lavo à mão, vale a pena estar ali a máquina trum, trum, trum, a gastar luz pra lavar dois farrapos, à medida que se sujam lavam-se e pronto é assim”. Esta visão descomplicada da vida ensinou-a a não prestar atenção ao vazio que por vezes surge a quem vive sozinho.
Foi moleira com o marido mas nunca gostou dessa vida, “não gostava porque eu gostava de ser séria e gostava que fizessem pão pra ter freguesia, depois às vezes faziam pouco porque os alqueires eram pequeninos e depois às vezes não rendia pró pão. Íamos aos que tinham as tulhas maiores e que tinham o alqueire maior porque dizia um que lhe chamavam o Sr. Lousadas “se não fosse por Deus temer, nem saco, nem baraço havíeis de ver”; depois eu queria que fizessem muito pão tinham que fazer 8 pães, dois alqueires, quando não faziam já não ficavam contentes; não gostava daquela vida por causa disso”. Maria Amélia e o marido aborreceram-se daquela vida. Quando chegava a hora de ir aos moinhos tinham que andar mais de uma hora de caminho até Carviçais e desistiram, “deixamos aquela vida e fomos lavradores até ao fim”. Tinham terras “de meias” em que o rendimento era dividido entre os donos das terras e quem nelas trabalhava. O trabalho sobrava, era duro e nem toda a gente estava disposta a fazê-lo. Os segadores escolhiam as melhores terras e quem lhes dava melhor de comer e no fim queriam ver rendimento, [“diziam, sol e vento e mais 10 tostões à tarde”, porque depois o pão varejava-se e se a gente o deixasse secar demais já não trazia pra casa porque ficava lá no terreno].
Foi feliz com o marido que haveria de conhecer nas tradicionais partidas da amêndoa, muito usuais naquele tempo, [estávamos a partir a amêndoa, na Dona Maria Pinto dos Correios, e apareceu ele, ela tinha uma criada, e só deixava entrar o namorado da criada, o meu no céu esteja, era ele; ele pra não ir sozinho, levava outro com ele; nós é que íamos a partir, já estávamos sentadas, e ele lá se sentou ao pé de mim, a criada lá andava a fazer as coisas, e eu disse pra outra que estava ao pé de mim que era a Maria Amélia Sabina, “tu não deixes meter ninguém aqui no meio das duas, que se sentem práí que aqui não queremos ninguém, estamos muito bem as duas”, mas ele mete uma perna e depois a outra e enfiou-se lá no meio, foi por trás e sentou-se, “carambo Maria Amélia pra que o deixaste sentar”, “deixa lá ele cá está na vida dele e nós cá estamos na nossa”; depois ele ao outro dia apareceu todo sujo, de estar encostado, à cal (...), ia com uma roupa nova preta e sujou as costas todas e digo eu assim, “agora já arranjaste pra lhe dar trabalho amanhã a tua mãe a escovar-te a roupa, encostaste-te à parede, sujaste-te todo”, “agora escovou-me ela mas daqui a pouco há-des escovar-me tu”, “não me parece isso”, “ah sim, sim”, e depois continuou, continuou e lá foi”]. Casaram e a vida continuou. Sem queixas. A única que tinha para o marido era o facto de não querer que os filhos estudassem. Ficaram-se pela 4ª classe, ela não queria e a sua resposta, com a sabedoria de quem pouco aprendeu na escola mas a quem a vida muito ensinou, era, “deixa-os ir pra saberem sequer por onde andam”. O marido nunca cedeu e os filhos acabaram por seguir os passos dos pais, tornaram-se agricultores.
Maria Silva nunca saiu de Freixo só quando ia com o marido às consultas do coração, “chegava lá mais doente do que ele porque enjoo; às vezes querem-me levar prá’qui e prá li mas em minha casa é que estou bem, boa festa faz, quem em sua casa está em paz”, responde com mais um “dizer” como quem tem o dom da palavra seja qual for o assunto. É em sua casa que vai passando os dias, e diz que ainda não dá “enfado” aos filhos. Dos netos, ainda criou dois, “pra que não dissessem que queria mais a um do que a outro”.
Aos 93 anos só “foge” um bocadinho ao sal por causa da tensão. “Sou rija”, diz com a vaidade que a já longa idade lhe deu o direito a ter, tal como a expressão de sorriso que faz sem esforço. Sozinha, a senhora Maria Silva vai usufruindo da independência que a vida cedo a obrigou a ter mas que em troca lhe deu as forças para nunca baixar os braços a nada.

Gabinete de Comunicação da CM de Freixo de Espada à Cinta
Joana Vargas

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