Na minha modesta condição de pescador de cana, ocasional, de merenda, que mal sabe lançar o anzol, cruzei-me, há meia dúzia de anos, num dia de Verão, nas margens do rio Sabor, como que por acidente, nas lides piscatórias, com os humildes e carismáticos manos guitchos, que dão pelo nome de Pedro e Herculano, rapazes que conheço desde a infância, dos tempos em que éramos vizinhos na memorável Vila, dentro das muralhas do castelo de Bragança.
Depois de ter partilhado, não mais de meia hora, o curso de água com os meus prezados companheiros, aconteceu-me (o que, aliás, é frequente nos fracos pescadores) ter o azar da cana se partir. Não me tendo precavido para tal eventualidade, e à falta de material de substituição, a pescaria acabou para mim naquele preciso momento. Antes de me despedir, ofereci o lauto farnel que me acompanhava aos meus compinchas, que, como é seu hábito, o agradeceram venerada e obsequiosamente.
Nesse mesmo dia, depois do jantar, o Pedro e o Herculano foram a minha casa presentear-me com o resultado da intensa jornada de pescaria: um cacifo cheio de escalos e de bogas. Sensibilizado com o bonito e tocante gesto dos meus amigos, e por muito que me tivesse custado, não pude aceitar a “oferenda”, porque sabia que aqueles 2/3 quilos lhes rendia, no mercado local, pouco mais de meia dúzia de euros, imprescindíveis para juntar aos seus parcos recursos económicos.
Por me parecer que “isto anda tudo ligado”, parafraseando Victor Bandarra, o inconfundível e competente jornalista da TVI, e porque se especula muito em relação aos nomes dos portugueses que poderão estar envolvidos no escândalo da Panamá Papers, suspeitei que os irmãos guitchos, que, ao longo de décadas, mantêm a lucrativa actividade da pesca, qual frota pesqueira galega, poderiam (porque os indícios para aí apontavam) pertencer a uma nebulosa rede internacional de fuga ao fisco, de lavagem de dinheiro, onde o epicentro da especulação financeira se situa nessa ilha da América Central.
Fruto de alguns contactos que mantenho no jornal Expresso, parceiro do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, tentei saber se os visados constavam do vasto rol de implicados nesse imoral e despudorado negócio sem riscos. Para espanto meu, segundo a minha fonte jornalística, os dois manos, de quem eu tinha fortes suspeitas em tais envolvimentos, apresentavam a folha limpa.
Descartada aquela que para mim seria a hipótese mais óbvia, à falta de informação concreta, devido aos nomes dos implicados saírem a conta gotas, conjecturei sobre a possibilidade de, entre os 240 portugueses de que se fala pertencerem à lista negra, serem aqueles funcionários públicos que ganham 700 euros, que manifestam sinais exteriores de riqueza, que viveram durante o período das vacas gordas acima das suas possibilidades, que se deram ao luxo de comprar frigoríficos, máquinas de lavar roupa e carros utilitários, recorrendo ao crédito bancário, que poderão constar dos ficheiros da Sociedade de Advogados Mossack Fonseca, em nome individual ou colectivo.
Com pena minha, e recorrendo à mesma fonte, também a segunda tese caiu por terra. Excluindo, assim, uma e outra, custa-me admitir que, com total segurança, alguém possa acertar (ou sequer desconfiar) nos nomes e nas entidades portugueses que possam estar envolvidas no dito escândalo financeiro.
Embora muito vagas as minhas suspeitas, ousando contrariar a maioria, insisto que na lista dos prevaricadores hão-de estar muitas daquelas pessoas a quem a crise económica afectou até à indignidade e desumanização.
Aos que a seu respeito me enganei, pondo, pois, levianamente em causa a sua integridade moral, as minhas mais sinceras desculpas.
António Pires
in:mdb.pt
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