Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Entrudo Chocalheiro. Cumpre-se a tradição na aldeia de Podence

Em Podence, concelho de Macedo de Cavaleiros, o careto incarna uma personagem diabólica. É uma tradição pagã que se cumpre todos os anos e está a despertar cada vez mais entusiasmo para quem vem de fora.
A aldeia de Podence, no concelho de Macedo de Cavaleiros, com pouco mais de 200 habitantes, transforma-se, por estes dias, tornando-se pequena para acolher tantos visitantes. Ali chega gente de todo o país, da vizinha Espanha e até do Japão.

Os homens que podem correr e saltar vestem fatos de caretos, feitos de lã, em tons de amarelo, verde e vermelho, e juntam-se em grupos por tudo que é sítio. São os caretos.

Irrompem frenéticos pelo meio do povo, com ruidosos chocalhos presos à cintura. Apoiados em pau de madeira de freixo ou castanheiro, que lhes serve de apoio quando saltam, não dão sossego a ninguém: afastam os homens e chocalham as mulheres.

O chocalhar consiste numa dança em que o careto agarra a mulher e abana a anca, batendo nesta com os chocalhos que traz à cintura.

“É um carnaval que assenta numa matriz muito tradicional, muito colorido, em que o rei da festa é o chocalho”, conta o presidente da Associação dos Caretos, António Carneiro, sublinhando que se trata de “uma tradição conhecida a nível nacional e internacional” e que “atrai cada vez mais gente à aldeia”.

E o sucesso dos caretos é justificado pela “aposta naquilo que é autêntico, que é transmontano, acima de tudo. São os chocalhos, são os caretos com estes fatos enigmáticos a que ninguém fica indiferente”, diz com orgulho, António.

O "Entrudo Chocalheiro" começou no passado sábado e termina esta terça-feira, ao fim da tarde, com a queima do Entrudo.

Integrar todos na festa

Valentino Rodrigues com 60 anos, é um dos muitos caretos aos saltos pelas ruas de Podence. O ruído dos chocalhos que traz presos à cintura faz os visitantes afastarem-se para lhe dar passagem. No percurso vai parando, aproxima-se das mulheres, agarra-as pela cinta e não perde a oportunidade de as chocalhar.

A interação dos caretos com os visitantes, seja a chocalhar as raparigas, seja a bater com os seus carapuços na cabeça dos que encontram pelo caminho, faz com que todos acabem integrados na festa.

“É muito divertido, é fantástico, além de serem muitos bonitos, mantêm uma tradição e envolvem-nos na alegria e na festa”, diz Benedita Pinto, 64 anos, que veio do Porto para o entrudo chocalheiro.

“Nunca tinha visto uma coisa assim. É uma festa muito bonita, com muito barulho e muita cor”, diz, por sua vez, Maria Soledad, 40 anos, que veio de Madrid com um grupo de seis amigos.

Quem também não escapou ao atrevimento dos caretos foi Susana Morais, 30 anos, e que veio de Coimbra com um grupo de 10 amigos. “Dói um bocadinho, mas se se saltar com o careto atenua um pouco”, diz por entre gargalhadas.

Ao lado está a amiga Marta Santos que não esconde o entusiasmo da festa e a alegria de viver um carnaval diferente. “Foi preciso chegar aos 55 anos para assistir a algo tão engraçado e tão genuíno”, diz à Renascença, deixando a promessa de voltar no próximo ano.

Do Japão veio o jovem Sasuke. De telemóvel na mão não perde a passagem dos caretos. Quer registar “as cores, a alegria e a emoção dos saltos, para partilhar com os amigos esta tradição tão engraçada”.

Ser careto, ritual obrigatório de todas as gerações de homens

A tradição dos Caretos em Podence perde-se no tempo. Há quem diga que remonta à época pré-romana e encerra as festividades de inverno no Nordeste Transmontano.

O careto Valentino diz-se careto desde que nasceu. Não encontra palavras para descrever o rito em que participa, mas já não imagina a festa sem envergar o fato que o transforma e as brincadeiras que faz e divertem os milhares de visitantes.

“O careto é um outro ser. Quando nos vestimos transformamo-nos completamente. Sabemos que as pessoas não nos reconhecem e podemos brincar e divertir”, diz, apressando-se para mais uma corrida.

As máscaras dos caretos são feitas de vulgar latão e têm uma forma rudimentar: são vermelhas, verdes ou pretas, com o nariz pontiagudo, o que lhes confere um aspeto diabólico. É por detrás da máscara que se preserva o anonimato destas figuras misteriosas, imunes a tudo e ao tempo.

Ser careto é um ritual obrigatório de todas as gerações de homens da terra.

Salvador do Carmo, 51 anos, está emigrado em França. Vem todos os anos por esta altura só para participar neste ritual pagão, “porque é uma festa divertida, uma coisa muito linda”. “É um orgulho, é um regozijo, é uma alegria participar e é a forma de mantermos esta tradição genuína”, diz.

Para participar na festa dos caretos, Salvador vem de avião ou de carro e não faz contas ao que gasta, porque “quem corre por gosto não cansa”.

Aos saltos, à procura de rapariga solteira para chocalhar, Hugo Teixeira, 31 anos, diz-se “orgulhoso e feliz por ser careto” e descreve a experiência como “algo inexplicável que proporciona uma liberdade imensa”. O fato que enverga pertence à casa do careto, já “está velhinho”, pesa cerca de 12 quilos, mas Hugo garante que não chega ao fim do dia cansado.

E a tradição será perpetuada pelos descendentes dos caretos, os facanitos, refere António Carneiro, presidente da Associação dos Caretos de Podence salientando que “há cada vez mais jovens a aderir” ao entrudo chocalheiro.

Rodrigo tem apenas dez anos e saltita entre o povo à prova de quem chocalhar. Sonha ser careto para “saltar muros e subir às casas”, mas, para já, mostra-se contente com a sua tarefa que é “chocalhar as mulheres solteiras e também aquelas ‘mais para o velho’”.

João Vassal, nove anos, é natural de Ponte da Barca. Teve conhecimento do entrudo de Podence através de uma amiga e pediu aos pais para vir à festa, para ser careto. Na casa do careto emprestaram-lhe o fato e lá anda ele todo orgulhoso com os caretos mais velhos. “É engraçado chocalhar as raparigas e andar a correr e a faltar pelas ruas da aldeia”, diz.

Ao lado está Jorge Duarte, sete anos, veio de Braga porque “gosta desta tradição”. Já tinha estado em Podence e vestir-se à facanito, diz, é “mesmo muito fixe, muito engraçado”.

Caretos de Podence a património da Humanidade

A autarquia de Macedo de Cavaleiros vai apostar na candidatura dos caretos de Podence a património da Humanidade.

“Vamos fazer uma nova candidatura, obedecendo aos apontamentos menos positivos que teria a candidatura anterior”, revela o presidente da autarquia macedense, Benjamim Rodrigues.

Segundo o autarca “tem de haver alguma igualdade de género porque, em termos mundiais, é logo um critério para aprovação e, como tal, poderemos ter de fazer algumas alterações à tradição, sem, no entanto, quebrar a essência do fenómeno”.

Ora, isto pode significar que para que os caretos de Podence serem reconhecidos como Património Cultural Imaterial da Humanidade, pode vir a ser necessário alargar a tradição também às mulheres. Uma “alteração significativa à essência dos caretos de Podence”, no entender do presidente da associação que os representa, admitindo que a “UNESCO tem a sua forma de pensar”.

António Carneiro afirma que é o município que está “na primeira fila da candidatura no sentido de a levar a bom porto”, frisando que “os caretos estão cá para ver o que vai acontecer e, se for necessário receber mulheres, temos de nos render às evidências”.

Moeda de 2,50 euros dedicada aos caretos

É uma moeda dedicada aos caretos de Trás-os-Montes, que integra a série de moedas de coleção comemorativas “Etnografia Portuguesa”.

Criada pela Imprensa Nacional Casa da Moeda numa parceria com o Museu Nacional de Etnologia, pretende realçar elementos da cultura Portuguesa, onde os “mascarados transmontanos não podiam ficar de fora, assim como a escolha dos caretos de Podence para figurar numa das faces”, considera Gonçalo Caseiro, Presidente da Imprensa Nacional Casa da Moeda.

“Os Caretos de Trás-os-Montes são elementos importantes da cultura popular e, portanto, é óbvio que teriam de fazer parte de uma série de moedas comemorativas”, realça Gonçalo Caseiro, destacando o apoio da autarquia de Macedo de Cavaleiros.

“Apoiou desde o primeiro momento a conseguir esta obra de arte e, como tal, a figuração destes caretos numa das faces da moeda acaba por ser uma homenagem àqueles que lutam pela preservação desta tradição”, conclui.

A moeda tem o valor facial de 2,50 euros e conta com uma emissão limitada a 2500 exemplares em ouro e 2500 exemplares em prata, ambas com acabamento especial proof, e 60 mil exemplares em cuproníquel, com acabamento normal.

Esta é a quinta moeda da série “Etnografia Portuguesa”, uma série de moedas de coleção criada pela INCM, em colaboração com o Museu Nacional de Etnologia.

O “Entrudo Chocalheiro” começou no passado sábado e termina esta terça-feira, ao fim da tarde, com a queima do Entrudo.

Texto e Fotos: Olímpia Mairos
Rádio Renascença

Sem comentários:

Enviar um comentário