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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 10 de julho de 2018

O PRESIDENTE E AS SENDAS TRÁGICAS DO NORDESTE

Fermentãos
Manhã de sexta, ao balcão de pagamentos da repartição de finanças de Bragança, uma mulher para lá dos setenta, aura de menina de toda a vida, esbelta, suave, de um fulgor discreto e voz serena, pergunta à funcionária se ainda terá tempo de se deslocar a outros serviços para deixar resolvida a questão, porque só tem transporte para a cidade às terças e sextas.

Circunstante ocasional, de ouvido atento, quis saber de que aldeia se deslocara a senhora. Fermentãos, a terra do presidente da câmara. Transporte bissemanal assegurado pelo município, porque as concessionárias já abandonaram dezenas de ligações rodoviárias, deixando a mobilidade dos cidadãos ao esforço das autarquias ou à disponibilidade da carteira de cada um.

Vivesse a cidadã à volta da capital num qualquer dos amontoados de caixotões de betão, rodeados de asfalto e não lhe faltariam autocarros, trinta ou quarenta passagens diárias e se perdesse um, andaria alguns metros e logo chegava um comboio confortável, com música, ar condicionado e avisos das próximas paragens, de dez em dez minutos, todos os dias da semana.

Lembrar-se-á, certamente, que também Fermentãos foi apeadeiro de antiga linha de caminho de ferro, com frequências muito inferiores, mas que permitiam meia dúzia de vezes ao dia subir ou descer da automotora e chegar às finanças, aos correios, ao tribunal, ao cinema, aos cafés, à feira ou à procissão da Senhora das Graças.

Então, a sede de freguesia, ali ao lado, Sendas, era uma estação de referência para gentes do sul do concelho de Bragança e do sudoeste de Vimioso, o que lhe dava importância que se esfumou.

No dia seguinte, sábado, o presidente da República haveria de chegar a Bragança, num avião a jacto, para celebrar 500 anos da Misericórdia, visitar o Centro Graça Morais e inaugurar a rua Mário Soares. Por mais que lhe agradasse uma selfie com sua excelência, teria que ficar a vê-lo na televisão, se o sistema TDT não entrasse a falhar por causa da trovoada, do vento lateral, de uma bátega de água, sabe-se lá.

Nem mesmo teria garantias se, seguindo as modas, dispusesse de computador, mesmo de smartphone, porque, provavelmente, como acontece a muitos nestas paragens, poderia não ter acesso a nenhuma rede de comunicações.

O presidente veio e fez a festa. Elogiou a resistência dos nordestinos e reiterou que não pode haver vários portugais. Aparentemente estabeleceu meta para que assim aconteça a partir de 2023. Mas, todos os transmontanos sentem que tarde piaram os responsáveis pelo resvalar do país para a tragédia. Nem mesmo ele pode alhear-se, a coberto de uma lucidez tardia, de quem não viu porque não quis, anos a fio, a crueldade da omissão relativamente ao destino deste território, destas gentes e das raízes sob ameaça de estiolar para sempre.

Mais do que simpatia, mimos e sorrisos, francos ou amarelos, do que aqui se precisa é de firmeza, coragem e desassombro para arriscar uma ruptura na direcção política, de modo que o país não venha a tresloucar até a diluição no inferno gélido do remorso, do arrependimento piegas ou na negação arrepiante da sua história quase milenar.


Teófilo Vaz
in:jornalnordeste.com

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